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sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Cine Especial: Revisitando 'A Dama de Shanghai'

Sinopse: Michael O'Hara é um marinheiro que é contratado para trabalhar no iate do marido aleijado da bela Elsa Bannister durante uma viagem que o casal fará. Ele acaba envolvido numa perigosa trama de intriga e crime. 

Orson Welles era um cineasta autoral em um tempo que diretores quase nunca obtinham carta branca para realizar o filme da sua maneira.  Por conta disso, não é de se admirar que o Welles, considerado por muitos como o melhor diretor de todos os tempos, não tenha prevalecido por muito tempo entre as engrenagens de Hollywood, pois a mesma nunca foi interessada em visões pessoais, mas sim somente nos cifrões. "A Dama de Shanghai" (1947) é um desses casos em que diretor e produtores se digladiaram durante a produção, mas que felizmente o tempo fez com que o filme ganhasse um novo olhar através dessa nova geração.

O filme conta a história de Michael O'Hara (Orson Welles), um marinheiro que vê a bela Elsa Bannister (Rita Hayworth) passeando de charrete no parque. Ele a ajuda quando ela é assaltada por três homens, levando-a até seu carro. No dia seguinte Michael recebe a visita de Arthur Bannister (Everet Sloane), marido de Elsa e um advogado criminalista consagrado, que deseja que ele trabalhe em seu iate durante uma viagem que o casal fará. Inicialmente relutante, Michael aceita o trabalho devido à atração que sente por Elsa. Na viagem também está George Grisby (Glenn Anders), sócio de Arthur, que oferece a Michael US$ 5 mil caso ele o mate.

O filme pega carona com a tendência da época, mais precisamente do subgênero “Noir”, onde damas fatais, crimes peculiares e luz e sombras moldavam esses filmes e criando simpatia por aqueles que procuravam algo mais peculiar e menos o padrão habitual que Hollywood tinha a oferecer em tempos de Código Hays. Porém, o filme não foge das regras exigidas pela censura da época, ao ponto de que se alguns pontos que iam contra os bons costumes do cidadão comum daqueles tempos os mesmos seriam julgados de acordo com o desenrolar da trama. Por conta disso, vemos o protagonista de Welles sendo jogado em um redemoinho de tentações, traições, dinheiro e cobiça, mas fazendo dele alguém que irá lutar contra tudo isso, mesmo quando em alguns momentos isso não aparenta ser tão verossímil.

Em narração off, vemos o mesmo conhecendo a dama fatal da trama, mais precisamente Rita Hayworth que a recém havia conquistado os corações dos homens do mundo todo através do clássico "Gilda" (1946). Logicamente o público que assiste logo é persuadido a não confiar na personagem, pois a mesma surge do nada, como se a sorte tivesse sorrido para o protagonista, porém, tudo que vem fácil sai caro. O protagonista a deseja, ao ponto de querer livra-la do mundo vazio cheio de dinheiro e do qual a está, aparentemente, lhe sugando.

Deste universo de boa fartura está o advogado Arthur Bannister (Everet Sloane), marido da personagem de Rita e o seu sócio George Grisby (Glenn Anders). Ambos se encontram embriagados em meio ao mar de dinheiro que o poder lhes dá, mas não obtendo a merecida felicidade que tanto gostariam de obter. Curiosamente, vemos o protagonista contando uma curiosa história de pescaria, onde um tubarão ferido começa a sangrar e atraindo os demais tubarões. Ao final, todos estavam devorando uns aos outros e fazendo, portanto, uma referência peculiar com relação ao mundo em que a personagem de Rita estava convivendo.

Embora confuso em alguns momentos, principalmente com relação sobre quem quer armar para quem, o filme flui de acordo com a maneira que Welles dirige as cenas, fazendo delas dinâmicas e criando um belo jogo de luz e sombras. Além disso, é preciso destacar os inúmeros planos de fundo de determinadas cenas, fazendo com que determinados objetos ou situações se sobressarem e fazendo com que os personagens quase fiquem em segundo plano. Belo exemplo disso é o diálogo entre o protagonista e a Dama Fatal em um parque aquático e cujo os peixes vistos no vidro ficam enormes na medida em que eles vão caminhando em meio ao cenário.

Curiosamente, o filme é também um interessante estudo sobre os simbolismos dos sonhos, já que parece que o protagonista adentra no começo de um belo sonho de salvador da mocinha, quando na verdade começa a descer em um pesadelo que começará desejar em acordar. O terceiro ato, por exemplo, é impressiona com os seus belos cenários, por vezes, abstratos em que o personagem se envolve, ao ponto de parecer algo construído pelo pintor Salvador Dalí e algo que remete ao que havia sido inserido no clássico "Quando Fala o Coração" (1945) do mestre Alfred Hitchcock. Porém, o ápice do filme se encontra na famosa cena dos espelhos, cuja a edição faz com que o momento se torne claustrofóbico e que não me surpreenderia que tenha servido de inspiração para a cena final do clássico filme de kung fu "Operação Dragão" (1973).

Em termos de bilheteria "A Dama de Shanghai" acabou se tornando um fracasso para época. Muitos questionam até hoje os motivos do fracasso, mas alguns apontam que a obra não é uma visão exata que o diretor queria, já que os produtores mexeram no resultado final, sendo que o próprio Welles queria um longa mais longo num total de 155min. A partir disso o diretor quase nunca obteria total liberdade em seus projetos, sendo que ele voltaria somente a dirigir nos EUA com o filme "A Marca da Maldade" (1958), outra obra Noir que lhe daria uma nova chance em Hollywood, porém, a liberdade da maneira como ele queria nunca conseguiria.

"A Dama de Shanghai" é um exemplo de como Orson Welles poderia ter ido ainda mais longe na carreira se não fosse pela ambição de Hollywood de sempre querer dar a palavra final em suas obras. 

Onde Assistir: Lançado recentemente em DVD pela Classicline. 

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