Sinopse: Em 1862, uma enfermeira inglesa assombrada por seu passado vai até um remoto vilarejo irlandês para investigar o jejum supostamente milagroso de uma jovem.
Sebastián Lelio é um de muitos diretores latinos que tem chamado atenção ao conseguir dirigir diversos temas, tanto dentro como fora do seu país de origem. Se por um lado ele havia surpreendido em "Glória" (2014) e "Mulher Fantástica" (2017), do outro, ele provou não ter limitações em território estrangeiro ao dirigir o surpreendente "Desobediência" (2018). Em "O Milagre" (2022) ele adentra em um tema espinhoso, cuja a fé das pessoas pode acobertar o lado mais errôneo do ser humano.
No filme, inspirado no fenômeno do século 19 das "garotas em jejum" e adaptado do aclamado romance de Emma Donoghue (Quarto), na Irlanda de 1862, uma jovem para de comer, mas permanece milagrosamente viva e bem. A enfermeira inglesa Lib Wright é levada a essa pequena vila para observar Anna O'Donnell, de onze anos. Turistas e peregrinos se reúnem para testemunhar a menina que teria sobrevivido sem comida por meses. Nesse thriller psicológico, o grande mistério gira em torno dessa aldeia, que pode estar abrigando um santo - ou mistérios mais sinistros do que parecem.
Com uma bela reconstituição de época, da qual sintetiza o lado mais belo daqueles tempos da Irlanda, Sebastián Lelio procura não julgar de imediato os seus respectivos personagens, mas sim joga-los na tela para que assim o próprio espectador julgue pelas suas ações no decorrer da trama. Na medida em que ela avança, vamos conhecendo melhor Lib, a enfermeira incumbida de observar e registrar um fato incomum, mas que aos poucos é revelado a sua verdadeira pessoa. Com um passado trágico, a personagem transita entre a fé perdida e a razão e para que então a mesma possa solucionar o possível milagre que está acontecendo naquele local.
Com um tema delicado, a história não é muito diferente de muitas que acontecem atualmente, onde o papel da igreja se torna uma mera cortina de fumaça para ocultar as reais intenções das pessoas e cuja as mesmas procuram a salvação mesmo que se encontre em uma situação perdida. Lib nos transmite a todo momento um ar de ceticismo com relação ao que está acontecendo e não demorando muito para desvendar o fatídico mistério. Sendo uma das melhores revelações dos últimos anos, Florence Pugh novamente dá um verdadeiro show de atuação, pois ela constrói para a sua personagem inúmeras camadas complexas e das quais aos poucos se revelam uma arma a favor para ela se separar da embriaguez provocada pela fé naquele local.
No ato final conhecemos, enfim, a verdadeira razão do possível milagre vindo da menina e cuja a revelação é chocante, porém, não muito surpreendente se compararmos aos inúmeros abusos que o machismo dentro da igreja comete contra a inocência de crianças que mal sabem ainda qual é o seu real papel em vida. Ao final, concluímos que o papel da mulher na trama se divide entre a submissão e na tentativa de reagir perante uma instituição que prega regras, por vezes, absurdas e que as vezes é unicamente para se tornar cada vez mais poderosa. A solução para o conflito pode até soar um pouco forçado, mas não há como negar que se torna um alívio depois de tanto martírio que a menina havia sofrido.
"O Milagre" é uma reconstituição de uma época em que a sociedade buscava a solução através da fé, mas que no final era usada como mera ferramenta para ocultar outras intenções e que até hoje nos soa familiar.
Onde Assistir: Netflix
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