Nota: Filme exibido para os associados no último Domingo (06/11/22)
Sinopse: No início dos anos 1980, a eleição do socialista François Mitterrand é festejada com esperança pelos franceses - mas Elizabeth acaba de se separar do marido e precisa cuidar sozinha dos dois filhos adolescentes. O emprego noturno em uma rádio surge como fonte de renda alternativa e também como uma possibilidade de recomeçar, principalmente depois que a protagonista decide levar para casa uma jovem problemática chamada Talulah.
Em um momento em que o Brasil está vivendo uma espécie de transição após as últimas eleições é sempre interessante assistirmos um filme que fale de eleições passadas como pano de fundo enquanto acompanhamos a história dos protagonistas. No recente "Mudança", por exemplo, vemos o amor e a amizade entre pai e filho enquanto cada um caminha em cruzadas distintas enquanto o Brasil retorna para redemocratização, pois a trama se passa em 1985. Já "Noites de Paris" a trama se passa na França, porém, com a mesma proposta, onde as eleições com a vitória socialista servem como pano de fundo enquanto os protagonistas terão que administrar as suas próprias vidas para seguirem em frente enquanto os rumos do país ainda se encontram indefinidos naquele ponto.
Com direção de Mikhaël Hers, o filme começa em 1981, onde ocorrem eleições, as comemorações que vão se espalhando pelas ruas e há um ar de esperança e mudança em Paris. Mas para Elisabeth, seu casamento está chegando ao fim e agora ela terá que sustentar a si mesma e seus dois filhos adolescentes. Após ser deixada por seu marido, Elisabeth se vê sozinha, responsável pelo cuidado diário de sua família. Ela consegue um emprego em um programa de rádio noturno, onde conhece Talulah, uma adolescente problemática que ela decide acolher, a convidando para sua casa. Com eles, Talulah experimenta o calor de uma família pela primeira vez e seu espírito livre tem uma influência transformadora naquela casa. Elisabeth e seus filhos ganham confiança e começam a correr riscos, mudando também a trajetória de suas vidas.
Com várias citações à obra do cineasta francês Jacques Rivette (1928 - 2016), que Hers considera seu grande mestre, o filme começa com cenas que, ao que tudo indica são realmente reais, mostra o povo francês socialista comemorando com as suas bandeiras enquanto testemunhamos a aparição da primeira protagonista da trama. Talulah (Noée Abita) parece vagar na noite enquanto tenta escolher um destino para se locomover enquanto os demais franceses comemoram sem se preocupar com o amanhã. Talulah seria uma parte dessa sociedade em metamorfose francesa daqueles tempos, da qual se encontra perdida nesta realidade e buscando um meio de se encontrar antes que acabe caindo e sem chances de voltar.
Já Elisabeth (Charlotte Gainsbourg) não é muito diferente de Talulah, já que ela se encontra perdida agora sem o marido, sem emprego e não sabendo ao certo como se sustentar e tão pouco os seus filhos. Porém, com a Talulah ela procura não somente em fazer uma boa ação, como também buscar uma redenção para si e para que se possa se reerguer. O que ela põe em prática, portanto, seria uma espécie de síntese com relação aos percursos em que o país estava passando, ao estender a mão para ajudar o próximo e se criando assim uma união maior para não cair nas armadilhas da apreensão de um futuro incerto.
Com relação a isso, por exemplo, os filhos de Elisabeth representam os dois lados da moeda daquele universo francês dos anos 80. Enquanto o seu filho ainda não sabe ao certo os rumos em que irá trilhar, sua filha, por sua vez já tem consciência sobre o acredita e começando a pôr em prática a sua vida política em meio as transições e mudanças que ocorre pelo país e dentro de sua família. Neste último caso, por exemplo, Elisabeth começa a sentir as mudanças, ao ponto em tentar se realizar aos poucos com as pessoas, mas tendo ainda a sombra do passado batendo a sua porta.
O passado, aliás, é algo corriqueiro que acontece durante a trama, já que determinadas figuras ligadas aos personagens nunca aparecem, desde o marido ausente de Elisabeth como no caso dos pais de Talulah que não sabemos ao certo o destino deles. Em ambos os casos vemos as protagonistas tentando amadurecer perante a essa nova realidade, pois se não tomam uma providencia ficarão para trás durante os anos que viram a seguir. Das duas, Talulah é o que corre um risco maior de se perder pelo caminho, mas é graças a boa vontade da família de Elisabeth é que ela pode começar um novo percurso.
Curiosamente, é através da cultura francesa que se torna uma das principais armas para que os protagonistas tomem novas iniciativas. Se Elisabeth se encontra através de um trabalho pela rádio e na leitura dos livros, por outro lado, Talulah se reencontra através da magia do cinema e onde o realizador presta uma grande homenagem ao já citado Jacques Rivette. Além disso, é preciso destacar os momentos em que a trilha sonora, composta pelo compositor David Sztanke, se acentua, principalmente quando os protagonistas se sentem sozinhos, mas ao mesmo tempo se colocando novamente nos trilhos.
Na reta final da trama, testemunhamos cada vez mais esses personagens se unindo para continuarem sobrevivendo, mesmo que cada um caminhe na estrada pessoal que escolheram. Elisabeth talvez não estivesse preparada com relação as mudanças em que o país e sua família iriam passar. Contudo, é importante olhar para trás e se dar conta que talvez não tenha sido tão difícil enfrentar o tempo que nunca pára e que devemos saber dançar conforme vai tocando a música.
"Noites de Paris" fala sobre a união familiar em meio as mudanças políticas de um país, mas é justamente a partir das mudanças que se pode caminhar em uma nova direção e para sim obter um rumo melhor.
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