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Sócio e Diretor de Comunicação e Informática do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Cine Especial: Clube de Cinema de Porto Alegre - ‘Touro Indomável’

Nota: Clássico exibido pelo clube no última terça (08/11/22)


Sempre houve alguém que se interessasse em investir em um projeto de Martin Scorsese, o que ele atribui ao contato com atores de peso, a exemplo do companheiro de longa data Robert De Niro. O caso que lá se vão mais de cinquenta anos de uma carreira praticamente impecável, que vai desde uma produção modesta como "Depois de Horas" (1985) até a mais recente superprodução sua que foi "O Irlandês" (2019), onde o realizador teve a capacidade de trazer um Robert De Niro e um Al Pacino mais jovens para contracenarem e realizando sonho de muitos fãs em verem ambos juntos com mais tempo em cena. Basta nos lembrarmos de filmes como "Caminhos Perigosos" (1973), "Taxi Driver" (1976) ou "Os Bons Companheiros"(1990), ou o próprio "Touro Indomável" (1980), para que os críticos exigentes e os cinéfilos de carteirinha concordem com relação às qualidades de cineasta do Scorsese, diretor que não faz simplesmente filmes, mas por viver e respirar cinema. 

O que chama a atenção na filmografia de Scorsese é na sua liberdade em tocar em certos assuntos espinhosos. A violência da máfia, ou a de um sociopata como Travis Bickle (Taxi Driver), não emperra ao nos dirigir para reflexões para outros assuntos, seja para com relação a fé vista em "A Última Tentação de Cristo" (1988), tampouco a incursão no humor sombrio, como no caso de "O Rei da Comédia" (1982) ou de um romance de época belamente filmado em "A Época da Inocência" (1993). Jamais se limitou, pois a sua forma de filmar sempre esteve aberta na realização de diversos gêneros, seja eles com conteúdo violentos ou singelos. Personagens fracassados, ou em situações que vão até os seus limites até a sua necessidade por uma redenção. "Touro Indomável", premiado pela crítica americana como melhor filme da década de oitenta, conta a história de Jake LaMotta, campeão de peso médio do boxe que após abandonar o esporte se torna contador de piadas em casas noturnas.

Filmado num período conflitante para Martin Scorsese, após as críticas que sofreu devido a "New York, New York"(1977), o filme traz a dupla Robert De Niro e Joe Pesci, onde ambos retornariam no que hoje os cinéfilos chamam da trilogia da máfia de Scorsese, começando com "Os Bons Companheiros", "Cassino" (1995) e terminando com "O Irlandês". No clássico, os personagens de Joe Pesci (Joey La Motta) e De Niro (Jake La Motta) são irmãos de sangue. Como o título original já indica, Jake é movido por ódio, suas melhores lutas nascem da raiva, o que se esclarece na cena em que praticamente deforma o nariz de um adversário cujo rosto bonito sua esposa Vickie ousou elogiar.

A cenas de luta orquestradas por Scorsese são irretocáveis, e embora disponha de recursos semelhantes (a câmera lenta, a teleobjetiva, as panorâmicas velozes, a abundância de sangue e inchaços no rosto) há algo que torna o seu resultado muito mais pungente e realista do que havia sido visto no passado em "Rocky" (1976) e que, curiosamente, possuem os mesmos produtores. O merecido Oscar de montagem destaca o trabalho de Thelma Shoonmaker, que desde então não parou de trabalhar com o cineasta. Há a fotografia em preto e branco de Michael Chapman, que não aposta no alto contraste para obter a atmosfera desejada, reservando uma forte oposição claro-escuro somente para momentos cruciais (como na cena na prisão). Mas se em Brian De Palma, por exemplo, só para citar outro renomado cineasta da geração de Scorsese que também trabalha cada plano com extremo apreço técnico e preocupação estética, as próprias imagens são as personagens (no sentido de que a embriaguez visual é o grande mote das cenas), num filme como "Touro Indomável" há o aprofundamento psicológico do protagonista. A evolução do filme revela pouco a pouco um Jake La Motta autodestrutivo, um lutador de boxe derrotado pelo próprio orgulho, pelo ciúme doentio que cultiva após o casamento com a jovem Vickie, pela má alimentação, pela teimosia que o corroeu até o fim de seus dias.

A atuação de Robert De Niro, que teve de engordar absurdamente para interpretar a segunda fase da vida de Jake La Motta, está entre as melhores de sua carreira e de toda a história do cinema. As sequências em que contracena com Joe Pesci são particularmente inesquecíveis, sendo que o destaque está na longa discussão que mantém com ele a respeito de Vickie (o ciúme paranoico de Jake não poupa nem o próprio irmão), culminando no que talvez seja o ápice da agressividade de La Motta: ele invade a casa do irmão, espanca-o sem piedade e dá um soco na esposa que o havia seguido para impedir um verdadeiro apocalipse. Antes da chegada de Jake à casa de Joey há uma curiosa cena da ameaça que este último fazia, sentado à mesa do almoço, apontando a faca para o filho pequeno que não queria comer direito. A sequência resume a natureza da fúria interna que representa o filme. Protagonistas masculinos com um comportamento intenso, cuja as suas cruzadas são desconcertantes e fazendo a gente crer que a força interior é tão forte que o corpo físico não é mais capaz de domina-lo.     

Há também a questão do orgulho do macho alfa que se encontra explicitamente na obra. Segundo o próprio Scorsese, "o orgulho é o maior dos pecados"; não espanta, portanto, que La Motta seja tão severamente punido pela vida, até clamar por redenção numa solitária cela de cadeia. A ferocidade que La Motta cultiva ao longo do filme desaba na pusilanimidade oriunda da constatação de sua derrota moral. Consumada a violência, Jake não sabe bem explicá-la, é tão pouco dono de sua erupção agressiva quanto das vontades imperfeitas que o fizeram atingi-la. Algo semelhante visto na sua impecável atuação anterior como Travis no derradeiro ato final em "Taxi Driver".  A violência não tem dono, pois ela pertence a todos os homens.

O modo como acaba a carreira de campeão de Jake La Motta, com a derrota para Sugar Ray, é bastante emblemático. Jake pede que o antigo adversário o soque com mais e mais força, só para permanecer de pé e provar-lhe que nunca foi derrubado por ele. Depois de derrotado sem ter ido ao chão, Jake sai do ringue. A câmera passeia por ali, dá a volta pelo juiz, mostra um pouco da plateia perplexa com o que viu, assiste à comemoração de Sugar Ray, até finalmente encontrar o que deseja: o detalhe do sangue de Jake La Motta escorrendo num pedaço da corda que cerca o ringue, primeiríssimo plano que escancara as opções estéticas do filme ao mesmo tempo em que condensa o destino abraçado pelo boxeador. "Aqui, vocês assistiram à queda de um campeão", havia dito o locutor uns segundos antes. Em seguida ao plano detalhe do sangue gotejante (escoamento do tempo como degradação), o filme pula para 1956, para apanhar Jake sentado à beira da piscina de sua casa em Miami, explicando a um repórter o porquê de ter largado o boxe. Daí em diante o sentido de queda não para de evoluir: o divórcio, a prisão, a liberdade condicional, o retorno a Nova York, o abandono. Jake com a cara inchada, barriga estufada, voz pastosa, não deixará de proferir a ressentida frase: "Ainda que eu possa lutar, prefiro recitar", comprovando que o "pecado mor", o orgulho, não o abandonou jamais.

Para fazer jus à fama que seu diretor carrega de ser admirador/colecionador dos grandes clássicos do cinema, "Touro Indomável" termina com uma longa citação da fala de Marlon Brando em "Sindicato dos Ladrões" (1954), de Elia Kazan, que, assim como Scorsese, era elogiado por conta de saber aliar precisão técnica, sensibilidade plástica e crítica social. Curiosamente, a mesma cena serviria de inspiração para o plano final de "Boogie Nights - Prazer Sem Limites" (1997) de Paul Thomas Anderson, mas cujo os minutos finais de cada obra são completamente distintas uma da outra.

Mais de quarenta anos depois "Touro Indomável" é para mim o encerramento da 'Nova Hollywood', sendo um dos melhores filmes de todos os tempos e, assim como o protagonista disse uma vez, "isso que é entretenimento".    


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