Quem sou eu

Minha foto
Sapucaia do Sul/Porto Alegre, RS, Brazil
Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

Pesquisar este blog

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Cine Dica: SALA P. F. GASTAL APRESENTA A CHINA DE WANG BING

 
A partir de terça-feira, 21 de outubro, a Sala P. F. Gastal da Usina do Gasômetro (3º andar) exibe a mostra A China de Wang Bing, com quatro obras de um dos mais importantes documentaristas contemporâneos. Com apoio do Instituto Moreira Salles e da Tokyo Filmes, a mostra traz os dois primeiros e os dois últimos filmes do realizador, apresentando um recorte amplo de sua aclamada filmografia para os cinéfilos porto-alegrenses. Os ingressos para a mostra custam R$ 6,00, com meia entrada para estudantes e pessoas acima de 60 anos. 
Buscando entender as transformações do país a partir da derrocada de uma grande indústria de metais pesados do distrito de Tie Xi Qu, Wang Bing surgiu para o mundo com seu filme de estréia, o monumental A Oeste dos Trilhos (2003), com mais de 9 horas de duração, divididas em três partes e captadas em uma pequena câmera digital mini-dv ao longo de dez anos. Na recente enquete promovida pela revista inglesa Sight & Sound, com a participação de 340 críticos, curadores e cineastas do mundo inteiro, o filme é lembrado entre os vinte grandes documentários da história do cinema. A revista francesa Cahiers du Cinéma também destacou sua importância e o colocou entre os dez melhores filmes da primeira década dos anos 2000. 
A obra de Wang Bing segue em 2007, com o filme Fengming: Memórias de uma Chinesa, um mergulho no período das punições arbitrárias da Revolução Cultural Chinesa, registrando as histórias através de longos depoimentos da jornalista He Fengming, presa e torturada durante anos.
No início dos anos 2010, após uma experiência no campo da ficção sem abandonar o olhar documental, Wang Bing realiza dois novos documentários: Três Irmãs (2012), premiado no Festival de Veneza, sobre três crianças camponesas abandonadas pela mãe, e Até que a Loucura nos Separe (2013), que acompanha o cotidiano de um hospital psiquiátrico isolado no sudoeste da China.         
 
 
GRADE DE PROGRAMAÇÃO
21 a 26 de outubro de 2014 
 
A Oeste dos Trilhos (Tie Xi Qu. Parte 1: Ferrugem) Direção, produção, fotografia e montagem Wang Bing (China, Holanda, 2003. 244’)
 
Entre 1999 e 2001, para seu filme de estreia, o diretor seguiu a antiga linha de trens que cortava a área industrial de Tiexi, no Nordeste da China, para documentar a situação precária de trabalhadores do que foi um dia o grande centro da indústria metalúrgica chinesa. Em Ferrugem, ele mostra a desintegração da cidade. Expõe as precárias condições de trabalho numa fundição, numa fábrica de cabos elétricos e numa outra de chapas metálicas – máquinas desgastadas, ausência de medidas de segurança e de equipamentos para proteger os trabalhadores de substâncias tóxicas. Com um sistema de produção obsoleto, as fábricas enfrentam a falta constante de matérias primas, e os trabalhadores vão pouco a pouco perdendo o emprego. Exibição em DVD. 
 
A Oeste dos Trilhos (Tie Xi Qu. Parte 2: Vestígios) Direção, produção, fotografia e montagem Wang Bing (China, Holanda, 2003. 178’)
 
Vestígios segue as famílias de trabalhadores de um antigo conjunto residencial operário com a atenção voltada para as crianças e os adolescentes obrigados a lidar com um inevitável deslocamento, expulsas da cidade pelo fechamento das fábricas de Tiexi. Outrora o grande centro da indústria pesada, Tiexi, no nordeste da China, é agora um cenário de decadência. Com as reformas econômicas, as falências, demolições e transferências de fábricas para outras regiões deixaram comunidades inteiras sem emprego. Exibição em DVD.
 
A Oeste dos Trilhos (Tie Xi Qu. Parte 3: Trilhos) Direção, produção, fotografia e montagem Wang Bing (China, Holanda, 2003. 132’)
 
O cotidiano de pai e filho que limpam os pátios ferroviários das fábricas mortas em Tiexi, no nordeste da China, outrora um grande centro industrial, agora um cenário de decadência. Buscam peças para tentar vender como matéria bruta para as fábricas que ainda funcionam. Com as reformas econômicas, as falências, demolições e transferências de fábricas deixaram comunidades inteiras sem emprego. Trabalhadores deixados para trás, sobrevivem da venda de ferro-velho das fábricas demolidas. Exibição em DVD.
 
Fengming: Memórias de uma Chinesa (He Fengming) Direção, fotografia e montagem de Wang Bing (China, França, 2007. 186’)
 
Uma longa entrevista em que He Fengming relata sua participação e punição na Revolução Cultural Chinesa. Ela e o marido, jovens jornalistas, foram presos como inimigos do Estado, depois da publicação de críticas contrárias à campanha “Que se abram mil flores”. Presos, foram enviados a diferentes em campos de trabalhos forçados, lugares de humilhação, castigos físicos e morte. Embora tenha filmado todo o tempo com uma única câmera e um mesmo ponto de vista, o depoimento foi filmado em diferentes ocasiões: depois de uma versão de cerca de uma hora e outra de pouco mais de duas horas, Wang Bing voltou a entrevistar sua personagem para compor, finalmente, a versão definitiva, com pouco mais de três horas de duração. Exibição em DVD.
 
Três irmãs (San Zimei) de Wang Bing (China, França, 2012. 153’)
 
Três crianças pobres de uma família de camponeses. Apesar de estarem próximas dos avós e tios, vivem sozinhas por abandono da mãe. A mais velha, Yingying, é deixada ainda mais sozinha quando o pai resolve levar as duas menores para a cidade. Exibição em blu-ray.
 
Até que a loucura nos separe (Feng ai) Direção, fotografia e montagem de Wang Bing (Hong Kong, Japão, França, 2013. 227’)
 
O cotidiano de um hospital psiquiátrico isolado no sudoeste da China com cerca de 100 pacientes, homens detidos por várias razões e distúrbios. Solitários, abandonados por parentes que raramente visitam, alguns foram simplesmente abandonadas ali pelo governo local por terem quebrado regras. Exibição em blu-ray.
 
 
 
GRADE DE HORÁRIOS
21 a 26 de outubro de 2014
 
21 de outubro (terça)
19:30 – Até que a Loucura nos Separe
 
22 de outubro (quarta)
20:00 – Fengming: Memórias de uma Chinesa
 
23 de outubro (quinta)
20:00 – Três Irmãs
 
24 de outubro (sexta)
19:30 – Até que a Loucura nos Separe
 
25 de outubro (sábado)
17:00 – A Oeste dos Trilhos Parte 1: Ferrugem
 
26 de outubro (domingo)
15:00 – A Oeste dos Trilhos Parte 2: Vestígios
18:00 – A Oeste dos Trilhos Parte 3: Trilhos
 
 
Wang Bing: a história pequena
Por José Carlos Avellar
 
Desde as primeiras projeções, em janeiro de 2003, no Festival de Rotterdam, A oeste dos trilhos despertou uma surpresa duplamente agradável. Essa extensa análise das transformações sociais e econômicas da China contemporânea é feita a partir do registro da decadência da grande indústria de metais pesados de Tie Xi Qu, distrito vizinho à cidade de Shenyang, no nordeste da China. Através da pequena história dos trabalhadores gradativamente marginalizados com o desaparecimento ou a transferência das fábricas, o filme nos leva a refletir sobre a grande história que se desenrola por trás dessas trajetórias individuais.
São nove horas divididas em três partes: Ferrugem, Vestígios e Trilhos. O filme percorre os espaços vazios das fábricas, acompanha o tempo de espera dos mais jovens e dos mais idosos em torno da fábrica e, ao fim, a demolição, quando os operários se aglutinam entre os escombros em busca de peças para vender como ferro-velho para fábricas ainda em funcionamento. E bem aí, dentro dessa surpresa inicial pela extensão do documento, uma outra, e inseparável da primeira, a descoberta de um modo de filmar que propõe um outro realismo cinematográfico. Um modo de filmar que, ao mesmo tempo, se serve dos novos meios técnicos, a exemplo da câmera digital, mas que não repete os habituais efeitos de saturação de luz e cor, a agilidade e o hiper-realismo da imagem em alta definição. A oeste dos trilhos olha sem pressa.
Nenhuma narração, nenhum comentário musical, nenhuma fonte de luz além da existente no interior das fábricas. Imensos galpões quase vazios funcionam ainda que precariamente. Quartos e cozinhas das casas sem aquecimento onde trabalhadores, em meio a um inverno rigoroso, esperam o governo decidir seus destinos. As conversas são filmadas com a câmera em ângulo baixo. Muitas vezes, a câmera pequena é colocada sobre a mesa, ao lado de uma garrafa térmica, entre alguns trapos, como um objeto qualquer da casa. Esses gestos simples da imagem reafirmam a vontade que impulsiona o filme: colocar-se entre os trabalhadores do outrora grande centro de indústrias de metais pesados de Tie Xi Qu, acompanhar suas falas e seus silêncios, suas idas e vindas em busca de trabalho; servir-se da câmera como uma ferramenta idêntica a qualquer outra usada pelos operários antes de serem empurrados para a margem com o fechamento das fábricas.
"A fábrica é a protagonista de meu filme", diz o diretor. Mais precisamente, a fábrica transformada em uma imensa ruína em consequência das transformações econômicas da China, o desaparecimento da fábrica como ferrugem, vestígio, trilho para o estudo do passado recente. "Pertenço a uma geração mais jovem, não conheço as razões e os sentimentos das pessoas mais velhas. Com A oeste dos trilhos queria, ao mesmo tempo, discutir algumas questões de nossa história e outras de meu processo criativo. Basicamente, segui meus instintos, não estabeleci previamente uma linha de abordagem, não organizei racionalmente uma estratégia cinematográfica. Quando terminei o filme, senti que um período da minha vida tinha acabado. Um novo período se inaugurava. Comecei a pensar como poderia desenvolver uma abordagem mais estruturada para o que eu queria fazer no cinema: discutir a experiência da geração anterior. De repente, nos descobrimos com 30 anos de vida - entre os 30 e os 40 - e começamos a perceber a discrepância entre o que nos foi ensinado e a realidade. Nos ensinaram a viver uma irrealidade. Essa foi uma motivação. Uma outra: hoje, na China, as pessoas não querem olhar para o passado. Só pensam no futuro. Só pensam no que querem ser amanhã. O ontem é irrelevante. O hoje, daqui a pouco, também vai-se tornar irrelevante. Se esse pensamento persistir, será muito problemático. Esse tipo de vida no vazio, uma ilusão suspensa no espaço, sem qualquer ligação com a terra, cria em mim uma sensação desagradável, um desconforto psicológico difícil de descrever", explica o diretor.
 
Um filme é um processo difícil e doloroso, muito cansativo e difícil - prossegue Bing. "Quando A oeste dos trilhos terminou, não senti algo como: 'Ótimo, estou feliz e satisfeito'. Fiz o filme para contar uma história. E ao contar essa história, eu me torno parte dela. Contadores de histórias, os artistas habitualmente imaginam ter uma certa influência sobre o público. Pessoalmente, não quero exercer essa influência - isso implicaria em adotar uma determinada noção de imparcialidade e de verdade. Eu tenho dificuldade de situar o meu trabalho. Não importa como um filme conta uma história, é muito difícil dizer que num filme apresentamos a verdade. Na vida, há momentos em que as coisas são difíceis de entender. Não sabemos lidar com elas. Todo cineasta enfrenta a dificuldade de ser imparcial durante o processo criativo - enfrenta até mesmo a dificuldade de ser fiel a si mesmo. O que é muito difícil. É algo difícil de alcançar em sua vida. Eu também enfrento essa dificuldade. Afinal, qual o meu papel quando filmo um documentário? Às vezes você pode confiar em sua capacidade de compreender a verdade, mas às vezes você se sente perdido e acha que jamais vai alcançá-la. Com relação a isso, estou plenamente consciente de que o meu filme é um intermediário entre a minha vida e a vida do meu interlocutor. O resultado dessa interação é que pode ser considerada a verdade de um documentário".
Qual seria a parte de verdade na feitura de um filme? Para Wang Bing, "o empreendimento é por vezes duvidoso, noutras ele faz sentido. Um filme traz mesmo uma certa porção de verdade. Se podemos dizer que existe um significado num documentário, acho que ele não está na história contada, mas num certo momento do documentário, num instante preciso em que se transmite algo. Um lugar, um instante na vida de alguém. São, digamos, dez, cinco minutos, não importa. Esse momento, quando ele se apresenta e tomamos consciência dele, é determinante. Esse momento não é a história, mas a história pequena. A história pequena é o que existe de mais bonito em um documentário."
Seu segundo filme também prossegue discutindo questões mais gerais da China e outras do processo criativo do diretor. Fengming: memórias de uma chinesa é uma longa conversa filmada também por uma câmera que olha de baixo para cima e não recorre a qualquer fonte de luz além da existente no local. Daí em diante, Bing produziu uma obra de ficção e dez documentários de curta e de longa-metragem empenhados em discutir a experiência da geração anterior e em perguntar por que pessoas de hoje não querem olhar para o passado. São filmes empenhados em buscar na história pequena o momento determinante em que um documentário transmite algo.
Wang Bing pertence à chamada Sexta Geração de diretores chineses (a sexta geração de diretores formados pela Academia de Cinema de Pequim). A oeste dos trilhos (Tie Xi Qu, 2003, 551'), filmado entre 1991 e 2001, foi seu primeiro filme. Em seguida vieram Fengming: memórias de uma chinesa (He Fengming, 2007, 186'); Fábrica de brutalidade, um dos seis episódios de O estado do mundo (2007, 105'. Os outros cinco episódios foram dirigidos por Aiysha Abraham, Chantal Akerman, Pedro Costa, Vicente Ferraz e Apichatpong Weerasethakul); Petróleo (Caiyou Riji, 2008, 840'); Xi Yanh Tang (2009, 18'); Dinheiro de carvão (Tong Dao, 2009, 53'); O homem sem nome (Wu ming zhe, 2010, 92'); A vala (Jiabiangou, 2010, 112'); Três irmãs (San Zimei, 2012, 153'); Sozinho (Gudu, 2013, 89'); Venice 70: Future Reloaded (filme em 70 episódios com a participação, entre outros, de Júlio Bressane, Karim Ainouz, Isabel Coixet, Jean-Marie Straub, Walter Salles, Jia Zhangke e Edgar Reitz; 2013, 120'). Seu mais recente documentário é Até que a loucura nos separe (Feng ai, 2013. 227').
 
José Carlos Avellar é coordenador de cinema do Instituto Moreira Salles.
 
  
Sala P. F. Gastal
Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia
Av. Pres. João Goulart, 551 - 3º andar - Usina do Gasômetro
Fone 3289 8133 / 8135 / 8137

Nenhum comentário: