É cada vez mais na internet que as pessoas pegam filmes, por isso as lojas apostam em nichos para continuar abertas
segunda-feira, 31 de agosto de 2009 16:01
por Rafael Cabral, Filipe Serrano e Bruno Galo
A videolocadora é um fenômeno do século passado. O formato digital facilitou o acesso a filmes e a reprodução de vídeos. Com isso, o mercado de entretenimento doméstico virou do avesso. Locadoras estão morrendo ou, ao menos, se adaptando a uma era em que é na web, e não mais em lojas, que as pessoas pegam seus filmes.
"Nós ainda estamos começando a usar download e streaming para assisti-los, mas daqui alguns anos essa prática se tornará a norma", disse ao Link Henry Jenkins, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ele acredita que é questão de tempo para que deixe de ser ilegal ver filmes com a facilidade do YouTube. Enquanto esse dia não chega, o problema principal das locadoras é o fato de que as pessoas estão deixando de alugar DVDs para comprar ou baixar filmes via internet.
O número lojas do tipo no Brasil - são 8 mil - pode parecer grandioso se comparado às nossas pouco mais de 2,4 mil salas de cinema. Mas há apenas quatro anos eram mais de 12 mil locadoras. "A venda da rede Blockbuster (para a Americanas) ajudou a queda", afirma Marcos Oliveira, diretor da Motion Pictures Association (MPA) na América Latina. Duas das maiores redes do mercado - 2001 e Blockbuster - foram procuradas pela reportagem e preferiram não dar entrevistas. Apesar da redução, a queda das locadoras é uma crise de modelo de negócios, e não de formato. "O formato permanece, mas modelos de negócios acabam e se renovam a toda hora", explica Jenkins.
De uma dessas renovações surgiu a Netflix, que desbancou a gigante Blockbuster nos EUA e se tornou a maior locadora do mundo. E sem ter sequer uma loja física. No Brasil existem iniciativas parecidas, como a NetMovies e a Pipoca Online, por exemplo, mas não é apenas da internet que vem a inovação.
Videolocadoras físicas, de rua, também apostam em mudanças para sobreviver, como caprichar na escolha dos filmes que formam o acervo ou melhorar o atendimento.
Com lojas em bairros nobres de São Paulo, como Moema e Itaim, a MovieToGo investe há dois anos no formato Blu-ray. O formato ainda é um produto de luxo no País, já que exige um aparelho específico (que custa no mínimo R$ 1 mil) e só vale a pena se for ligado a uma TV de alta definição (some R$ 2 mil à conta).
"O Blu-ray não teve o mesmo boom que o DVD em seu início por causa da crise, mas, mesmo assim, está crescendo. É uma questão de tempo para tomar o mercado todo", afirma Rodrigo Angélico, um dos sócios da locadora. Além dos 2 mil títulos disponíveis, a loja também aceita pedidos de filmes feitos online.
Em apenas três anos, o total de DVDs vendidos no País caiu 45% em locadoras e 14% no total. A grande esperança da indústria para combater os downloads e a pirataria física é o Blu-ray. "Não que seja impossível copiá-lo, mas não compensa. Seria muito caro. Para o consumidor, será melhor comprar o produto original, que tem mais qualidade", aposta Angélico.
Para Juliano Bolzani, diretor de marketing da Sony, a queda nas vendas não é exatamente um problema de suporte, mas efeito de uma "mudança nos hábitos de consumo dos clientes". Isso inclui não apenas a facilidade das trocas via web como a falta de tempo dos consumidores e a concorrência com outras formas de entretenimento, como TV e games.
Uma mudança de comportamento está afastando as pessoas das videolocadoras. Mas, se a ameaça do futuro parece ser o streaming, a de hoje é a pirataria - online, por sites de torrent, ou offline, na versão física. Como concorrer com ela?
Depois de trabalhar por sete anos nas três maiores redes de São Paulo, o publicitário Maurício Silva percebeu a demanda por filmes alternativos e fundou a sua própria locadora, a Notoriuns Filmes, em Perdizes
Em 2002, Maurício começou a oferecer aquilo que não é facilmente encontrado mesmo em sites de torrent ou banquinhas de camelô: filmes estrangeiros clássicos, brasileiros e títulos exibidos em mostras de cinema. Sem citar números, ele diz que o modelo rendeu crescimento inversamente proporcional ao prejuízo que as grandes redes tiveram nos últimos anos.
De propósito, o dono da Notoriuns aproveitou a paixão pelo cinema para dar atendimento especial aos clientes. Além dele, todos os atendentes manjam tudo do assunto e passam o gosto para qualquer pessoa que entre na loja. "Acredito no futuro dos filmes pela internet. Este espaço (a loja) vai virar vitrine para os românticos que gostam de comprar e colecionar. Quem quiser alugar, vai fazer download mesmo", prevê, realista.
"Minha vida de atendente de locadora"
Minha família decidiu abrir uma locadora de vídeo no meio dos anos 1980. Naquela época, o videocassete era visto como uma espécie de artefato milagroso, um meio mágico de trazer o cinema para dentro de casa. Blade Runner foi o primeiro filme que vimos na casa de meu tio. E ele foi o sócio. Topou o desafio de abrir o negócio.
Passei a adolescência cercado pelos filmes. E isso faz com que qualquer um reúna um conhecimento cinematográfico inesperado. Um atendente não era apenas quem pegava as fitas do estoque, era aquele que conhecia cada filme da prateleira. E os clientes contavam com isso. A maioria nem olhava para as estantes, ia direto ao balcão e pedia a indicação. Chegamos a ter cinco lojas. Com a TV a cabo, o número caiu, até finalmente meus pais venderem o negócio, com apenas uma loja, em 1998. Foram bons tempos. (Jocelyn Auricchio)
Recomendação online de filmes é a próxima fronteira
Para que as videolocadoras online substituam as lojas de bairro falta, antes de tudo, saber como indicar os melhores filmes para cada cliente da mesma forma que fazem os bons atendentes, especialistas em cinema. Mas ninguém faz ideia em quanto tempo isso será possível.
Nos Estados Unidos, a videolocadora online Netflix lançou um concurso em 2006 que ofereceria US$ 1 milhão a quem descobrisse um modelo computacional que melhorasse em 10% o Cinematch, atual sistema de recomendações da loja virtua.
10% parecia pouco, mas não era. Surpreendentemente, o feito só foi alcançado neste ano em julho, três anos depois, por duas equipes de matemáticos e pesquisadores em ciência da computação.
Uma delas, chamada The Ensemble, conseguiu melhorara o sistema em 10,10%. A outra equipe, BellKor’s Pragmatic Chaos, atingiu a imperceptível diferença de 10,09%. A Netflix ainda deve anunciar este mês qual das duas equipes - ou ambas - vencerá o prêmio.
O segredo para aprimorar as recomendações, porém, não passa só por cálculos matemáticos. Ele está na rede de pessoas. Só será possível ter boas indicações quando cada usuário compartilhar informações sobre seu gosto cinematográfico, desde atores, gêneros, filmes, roteiristas, diretores preferidos até a pontuação de cada filme a que assiste.
Só que existe um problema. A Netflix, por exemplo, só terá recomendações de acordo com os usuários da própria Netflix. O próximo passo é tentar organizar todas as opiniões de blogueiros, críticos de cinema, sites que fazem a cobertura de filmes e quem sabe, por que não, até fazer pesquisas entre os atendentes de videolocadoras, para encontrar um sistema de recomendação completo.
Essa complexidade toda pode indicar que talvez seja impossível substituir o atendente aficionado por cinema. Mas, como nem toda videolocadora tem alguém assim, a internet funcionará, sim, para orientar quem quiser alugar um filme.
O site Flixster (www.flixster.com) é um tipo de rede social que conecta pessoas em volta do cinema. Lá, é possível criar um perfil, adicionar filmes vistos, dar notas a eles, se conectar com pessoas de gosto parecido e acompanhar suas recomendações. É uma saída.
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