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Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Cine Dica: Em Cartaz - 'Casa de Antiguidades'

Sinopse: Cristovam sai do interior do Brasil em busca de melhores condições de trabalho no sul. Mas o contraste cultural e étnico da nova morada em relação à sua terra natal provoca no vaqueiro um processo de solidão e perda de identidade. 

Embora se passe nos dias atuais, o filme de estreia do diretor João Paulo Miranda Maria nos convida para voltarmos ao passado, mais precisamente em tempos em que as pessoas poderiam ser açoitadas, discriminadas e até mesmo mortas por serem diferentes. Não há escravidão nos dias de hoje, porém, o filme nos mostra que o horror de tempos passados continua vivo e que precisa ser enfrentado a todo custo. Com esse pensamento, o diretor nos convida para adentrar sobre a vida do protagonista Cristovam, interpretado pelo ator Antônio Pitanga.

No passado, o mesmo trabalhava de boiadeiro, porém, ele decide se mudar para a região Sul, onde começa a trabalhar em uma fábrica de laticínio e sendo quase sempre ignorado pelos donos. Quando um grupo alemão começa assumir o controle sem tem início a mudanças da empresa, assim como também para os funcionários e cujo os mesmos são obrigados a desistirem das suas posições. Cristóvão, por sua vez, aceita o seu lugar da comunidade, de um idoso que começa aos poucos sendo ignorado pela comunidade e até mesmo hostilizado.

Basicamente a trama é essa, ao retratar um homem comum tentando resistir a passagem do tempo, mas cujo o mesmo testemunha tudo aquilo que ele havia criado sendo corroído. Porém, isso é apenas a superfície, já que a complexidade da trama está bem mais embaixo e pode pegar muitos de forma desprevenida. A saga do colonialismo alemão do sul do país, da qual influenciou a cultura local como um todo, é posta aqui de uma forma crítica pelo cineasta, sendo que ele possui a colaboração do roteiro de Felipe Sholl, sendo que esse é especialista em nos trazer assuntos primordiais que se encontram nas entrelinhas de determinada trama. Porém, a discrição essa acaba se tornando mínima e o resultado é um verdadeiro tapa na cara.

Aqui, o personagem quase não fala, pois as suas ações falam por si, principalmente perante essa sociedade branca que deseja que o mesmo vai embora por achar que ele não pertence aquele lugar. Aqui vemos a luta de uma sociedade preconceituosa que deseja eliminar os homens negros, mas cuja essas raízes já estão fincadas a muito tempo e que deveriam aceita-las como um todo. É o desejo pelo sangue puro que essa imigração estrangeira deseja alastrar por todas essas terras, cujo esse desejo parece coisa vinda do passado, mas que se encontra forte infelizmente nos dias de hoje em que a política retrógrada se encontra dominante.

Por conta disso, a imagem de um homem negro idoso é tratada durante toda a trama como um forasteiro, um ser vindo de outro mato e que incomoda os que acreditam serem donos daquele local. O sulista retratado dentro da trama não reconhece de forma alguma as raízes africanas, principalmente da imagem do boiadeiro, que também conta com ancestralidade daquele continente, mas não sendo reconhecido no Brasil de ontem e hoje. Mesmo com poucas palavras, o protagonista tenta resistir, ao tentar manter tudo que ele criou em vida, mesmo que aos poucos tudo venha a ser apagado da história.

O filme em si é cheio de simbolismos, cujo os mesmos parecem reprimir o protagonista e impossibilitando do mesmo em enxergar o verdadeiro mal que o cerca em alguns momentos. Falando em simbolismos, a casa é uma peça fundamental dentro da trama, pois ela representa o passado daqueles que viveram ali, mas que tem suas raízes negras apagadas através da linha do tempo. Os objetos existentes dentro da casa o tornam ainda forte para resistir, mesmo quando elas começam a se esfarelar.

Ao tentar resistir ele se torna um símbolo que o fez ser excluído, ou seja, o boiadeiro que se vê no lugar do “Boi, boi, boi. Boi da cara preta. Que pega essa criança que tem medo de careta” Ele se transforma nesta figura no ápice da trama, ao utilizar o palco do presidente da fábrica de laticínios como um fardo que carregou ao longo do tempo e fazendo do terceiro ato um dos grandes momentos do filme como um todo. Tudo isso ainda alimentado pela ótima fotografia de Benjamín Echazarreta, sendo que em muitos momentos as cores se tornam simbólicas, seja neste momento da cena do palco, ou quando o protagonista se encontra trabalhando na fábrica e cujo o ambiente branco não se torna nenhum pouco acolhedor, mas sim muito opressor.

Porém, o que torna o filme um belo trabalho do cinema brasileiro atual não é somente pelo seu incrível roteiro, como também pelo seu forte elenco. Antônio não somente encarna com perfeição o protagonismo dentro da trama, como também se torna um simbolismo do protagonismo negro dentro do nosso cinema como um todo e cuja a sua presença em cena poderá ser facilmente lembrada em um futuro próximo. Já atriz Ana Flavia Cavalcanti se destaca como a personagem em que os donos do racismo a usam para tentar evitar mais conflitos naquele cenário, mas fazendo dela uma figura ainda mais trágica e não muito diferente do protagonista.

Assim, “Casa de Antiguidades” é uma obra necessária para ser vista e revista neste país que alguns dizem que não há racismo, mas cujo o mesmo desvia o olhar quando encara o seu próprio preconceito fabricado ao longo dos séculos. 

Nota: O filme segue em cartaz no Cinebancários. Confira a programação completa da sala clicando aqui.    

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