Sinopse: Mulher que trabalha como governanta de dois órfãos. Vivendo em uma casa vitoriana, começa ter visões de fantasmas e suspeita que o comportamento bizarro das crianças é influenciado por poderes sobrenaturais.
O cinema "pós-terror "tem impressionado o público atual, ao trazer tramas que transitam entre o sobrenatural para situais verossímeis e até mesmo reconhecíveis em nosso dia a dia. Porém, não é a primeira vez que isso acontece, pois o horror com teor mais psicológico, por exemplo, começou a surgir entre o final dos anos cinquenta e começo dos anos sessenta. Já em 1958 o mestre Alfred Hitchcock havia lançado "Um Corpo que Cai", filme que usa ingredientes do sobrenatural, mas que se tornam somente cortina de fumaça para ocultar um plano maior.
O próprio Hitchcock retornaria em 1960 com a sua obra prima "Psicose" e do qual a mesma mudaria a história do cinema para sempre. A partir daquele filme os monstros tradicionais daqueles tempos longínquos quase não assustavam mais, pois o próprio mundo real já dava sinais de que era mais assustador. Do outro lado do mundo, o estúdio Hammer ainda se sustentava com o sangue vermelho e cenas mais violentas com os seus filmes, muito embora alguns cineastas quisessem arriscar para se elevar dentro do gênero. Com isso, temos a pérola "Os Inocentes" (1961) filme apontado por alguns como a frente do seu tempo e que impressiona até mesmo nos dias de hoje como um todo.
Dirigido por Jack Clayton e baseado no livro "A Volta do Parafuso" de Henry James, cujo o roteiro foi adaptado por William Archibald e Truman Capote, a trama se passa na Inglaterra, durante o era Vitoriana: dois irmãos, Flora (Pamela Franklin) e Miles (Martin Stephens), moram com seu tio em uma antiga casa após ficarem órfãos. Os meninos são deixados aos cuidados da senhorita Giddens (Deborah Kerr), uma governanta muito competente, que ganha total liberdade de criação dos meninos. Porém, as duas crianças começam a serem possuídas por espíritos que habitavam a casa. Cabe a Giddens salva-las e exorcizar os espíritos que rondam a casa.
A última frase dita acima pode nos dar a entender que o filme gira em torno de elementos comuns do gênero de horror. Porém, o filme não nos dá respostas de uma forma fácil sobre o que realmente está acontecendo dentro da trama, já que a sua própria fonte literária nunca nos deixou algo conclusivo e o diretor Jack Clayton respeitou isso. Na abertura, por exemplo, vemos a protagonista desejando o melhor para as crianças, pois ela anseia de todo custo para que elas sejam protegidas e puras.
Aliás, é preciso destacar abertura, sendo ela gótica, incomoda e parecendo até mesmo fruto de algo parecido que Hitchcock havia criado na abertura de "Um Corpo Que Cai". Vale destacar a sombria e triste música na abertura e da qual é cantada pela atriz mirim Isla Cameron, que interpreta a pequena Flora. Se formos analisar mais a fundo, a música serve como um grande spoiler sobre o final da trama que, desde já, está entre os finais mais tristes e corajosos da história do cinema.
Até lá, somos brindados com uma bela fotografia em preto e branco, criada pelo realizador renomado Freddie Francis e fazendo da mansão Bly um ambiente não muito diferente do que era visto nos filmes de horror dos anos trinta, mas ganhando maior profundidade na medida em que a protagonista vai conhecendo cada parte da casa. Curiosamente, o filme me lembrou também do clássico "Rebecca" (1940), também do mestre Hitchcock, já que ambos os filmes se passam em uma grande mansão e cujo os personagens principais são envoltos pela sombra do passado de personagem que já, aparentemente, faleceram. Porém, aqui a possibilidade de um teor mais sobrenatural fica cada vez mais forte na medida em que a protagonista tenta de todo custo saber o que realmente está acontecendo naquele local e com as crianças.
Mas, assim como no livro, jamais temos uma certeza se tudo foi orquestrado por forças que vão além da realidade ou se foi tudo fruto de uma mente que se encontra a beira do precipício. Giddens se apresenta como uma pessoa disposta a proteger o lado inocente das crianças, mas cuja essa proteção não esconde uma mulher que foi reprimida no passado, seja através do lado paternal ou até mesmo das leis vindas da igreja. Sendo assim, a sua personagem possui momentos ambíguos, mas que quase revelam os seus reais desejos.
Deborah Kerr, atriz conhecida pelas suas atuações em "Quo Vadis?" (1951) e "Rei e Eu" (1956) nos brinda aqui como uma das suas melhores atuações da carreira, já que ela constrói para a sua personagem um olhar cheio de história, cicatrizes e da quais as mesmas influenciam as suas ações com relação ao que acontece na mansão. Em alguns momentos, por exemplo, ficamos temendo as suas atitudes muito mais do que aquelas que são vindas das crianças, sendo que as próprias não escondem certa estranheza em seus comportamentos, mas que se tornam em alguns momentos inocentes perante a instabilidade da protagonista que segue sempre temendo pelo que possa acontecer.
O ato final é claustrofóbico, angustiante e do qual nos leva em um beco sem saída. Não é uma explicação plausível sobre o que realmente aconteceu e cabe cada um tirar suas próprias conclusões. Revisto hoje, se percebe que o filme não era somente a frente do seu tempo, como também corajoso e que se fosse feito em tempos de hoje politicamente corretos seria completamente inviável.
Vale destacar que o clássico literário "A Volta do Parafuso" foi revistado em outras produções, sendo que a mais recente foi a minissérie "A Maldição da Mansão Bly" (2020) e fazendo com que uma nova geração procurasse nas livrarias o livro. Porém, nada supera o clássico de 1961, cujo o seu teor gótico e proposta ousada para época o tornam ainda hoje impecável. "Os Inocentes" um clássico de horror psicológico surpreendente e que nos leva aos mais profundos conflitos do interior do ser humano.
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