Sinopse: Inácio, quarenta anos, é casado, mas não tem emprego fixo. Ex-gari, ele trabalha como dublê de dançarino e mecânico da oficina Barato da Pesada, onde sonha com a Moça do Calendário.
Helena Ignez (O Bandido da Luz Vermelha) é uma das grandes representantes da era de ouro do nosso cinema da resistência, onde a sua atuação transitou entre os períodos do "cinema novo" e "marginal" e se consagrando como um dos grandes nomes do cinema brasileiro. Saudosista daqueles tempos, Ignez se arriscou na direção e surpreendendo com o ótimo Luz nas Trevas: A Volta do Bandido da Luz Vermelha. A Garota do Calendário comprova o seu talento por trás das câmeras, onde ela consegue usar uma linguagem cinematográfica do passado, para falar dos altos e baixos dos nossos tempos contemporâneos.
O filme acompanha vida de Inácio (André Guerreiro Lopes), ex-gari, mecânico e dublê de dançarino desmotivado que trabalha numa oficina mecânica e sonha com uma Moça do Calendário (Djin Sganzerla), musa dos seus desejos e fantasias. Inácio, então, começa a transitar entre a realidade e sonhos, onde os seus delírios revelam inúmeras facetas de sua personalidade e da própria realidade em que vive. Caberá ele próprio encontrar um equilíbrio em sua vida, nem que para isso corra o risco de ficar sem ela.
Helena Ignez já começa o filme com uma estética que remete os tempos em que o cinema brasileiro transitava do "cinema novo" para o "marginal", numa época em que a cultura audiovisual era massacrada pela censura, mas que sobrevivia pela persistência. Essa linguagem cinematográfica da velha guarda, aliás, funciona muito bem nos dias atuais, principalmente pelo fato da trama se situar justamente em tempos pós golpe 2016. Portanto, não se surpreenda em ter a sensação de estar assistindo a novamente uma continuação de O Bandido da Luz Vermelha, pois a intenção é exatamente essa.
Vale destacar a curiosa transição entre a ficção e documentário, já que a trama principal, por vezes, abre o seu espaço para vermos depoimentos das minorias que sofrem o preconceito ontem e hoje no Brasil e que tanto os poderosos tentam negar. Curiosamente, há um paralelo até mesmo com relação ao assassinato da vereadora Marielle Franco, do qual até hoje, infelizmente, continua não solucionado. Há também um forte discurso político que, curiosamente, ressoa forte nesses tempos de eleição cheia de conflitos.
As questões direita e esquerda, capitalismo e socialismo, tudo isso e muito mais, é transportado no colo do protagonista Inácio, do qual se apresenta como um trabalhador de esquerda, mas que vive oscilando pelo consumo que tanto almeja. Esse consumo, aliás, é representado pela presença de Djin Sganzerla, cuja sua presença é uma representação dos desejos de Inácio, mas sendo um sonho que se encontra somente numa superfície plástica e fazendo com que arealidade fale mais alto. Realidade, aliás, elaborada de uma forma criativa no cenário da mecânica onde Inácio trabalha, cuja a presença do seu patrão capitalista, além de uma fotografia em preto e branco propositadamente fria, se torna uma síntese do que a elite tanto almeja.
A Moça do Calendário é sobre a inquietação e a vida indefinida do brasileiro atual, do qual se encontra com a porta batendo a sua cara e cabe ele saber novamente como reabri-la.
Onde assistir: Cinebancários: Rua General Câmara, nº 424, centro de Porto Alegre. Horário: 19h.
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