Sinopse: Uma
homenagem ao diretor sueco Ingmar Bergman, no ano de seu centésimo aniversário.
O cineasta é reconhecido como um dos precursores do cinema moderno, ele dirigiu
e roteirizou obras clássicas como "Persona" e "Gritos e
Sussurros".
Quando eu penso em Ingmar Bergman me vem à mente inúmeras obras de sua
autoria, cujas tramas eram, na maioria dos casos, reflexo de sua própria pessoa e dos temores que o afligiam em vida. Em A Hora do Lobo, por exemplo, é
marcante a cena de abertura, onde vemos Liv Ullmann (Persona) encarnada em sua personagem, dialogando com a gente com relação ao complexo relacionamento com o seu marido dentro da história, mas que bem da verdade era a
própria atriz que estava falando sobre o seu relacionamento conturbado com
Ingmar Bergman fora das telas. Em Bergman – 100 anos é um documentário
primoroso que revela, não somente o grande artista que ele foi dentro do universo do
cinema, como também sobre um homem complexo e que usava sua própria vida como
inspiração para o seu trabalho.
Dirigido por Jane Magnusson, a obra nasceu com o objetivo de
homenagear o cineasta que estaria completando 100 anos de vida neste mês de
Julho. O foco principal é o ano de 1957, quando Bergman lança dois filmes,
filma mais dois, dirige um telefilme e quatro peças de teatro. Conversando com
atores, colaboradores, críticos e historiadores, o filme traça o retrato de um
homem obsessivo, instável, difícil de lidar, mas ao mesmo tempo um dos maiores
artistas da história da Suécia, e também o único diretor a receber a
"Palma das Palmas" no festival de Cannes.
Chamando atenção como roteirista nos seus primeiros anos dentro do
cinema, Bergman começaria a dirigir já entre os anos 40 e 50, mas jamais
ganhando o grande reconhecimento que merecia. Foi somente no início do ano de
1957, ao lançar sua obra prima O Sétimo Selo, que Bergman alcançaria o status
de mestre da sétima arte. Para a cineasta Jane Magnusson, 1957 foi um ano
crucial para Bergman, pois ou ele viria a se tornar o que se tornou, ou cairia
nas torturas dos seus próprios medos e cicatrizes emocionais que eram os seus
verdadeiros fardos em vida.
Tanto o cinema como o teatro serviram como salva guarda para que Bergman
não caísse em desgraça. Pensamentos sobre o fim da vida, por exemplo, sempre foi algo que assombrava o cineasta, ao ponto de lhe provocar crises
de úlcera, depressão e por fim a internação. Quando estava internado no
hospital, por exemplo, ele teve a ideia sobre um médico aposentado refletindo sobre
a vida e tendo sonhos com relação a ela e nascendo, então, a sua obra prima Morangos Silvestres.
É a partir desse filme, aliás, que Bergman começa a criar
personagens que são na realidade seus alter egos, em filmes que refletem
inúmeras fases de sua própria vida. Em Fanny e Alexander, por exemplo, ele quis
retratar sua conturbada relação com o seu irmão na infância e na difícil
convivência com o seu pai conservador e religioso. No meu entendimento, o
cinema seria então uma forma do cineasta exorcizar os seus demônios interiores
e a cineasta Jane Magnusson deixa isso muito bem claro, ao jogar na tela um Bergman
cheio de energia, mas não escondendo uma inquietação que atingia até mesmo
aqueles em sua volta.
Porém, a cineasta não se preocupa ao revelar os dois lados da história,
principalmente ao depararmos com um Bergman que venerava Hitler e ter se
tornado até mesmo um Nazista em sua juventude. Após a revelação sobre os campos de
concentração ao fim da Segunda Guerra Mundial, Bergman jamais tomaria partido
sobre nada com relação à política, mas sim se dedicando ao que mais ama. Além
da consagração no mundo do cinema, Bergman se tornaria um dos maiores mestres
na direção do mundo do teatro na Suécia, sendo ele responsável pelas principais
peças do país e realizando obras que beiravam a espantosas marcas de cinco
horas de duração.
É claro que tantos trabalhos e conquistas sublimes têm o seu preço, ao
ponto dele nunca ter tido uma vida familiar normal, mas sim ter tido
relacionamento com inúmeras atrizes durante a realização de suas próprias obras.
De todas, Liv Ullmann foi a que se tornou a mais conhecida
de suas conquistas, mas fazendo com que ambos se chocassem perante os seus
próprios talentos e energias distintas. Energia essa, aliás, que fazia com que
muitos ficassem nervosos perante a sua presença, como no caso de uma hilária
entrevista realizada nos anos 70, onde o
entrevistador, além de fã, trocava as palavras quando teve a grande chance de
entrevistar o seu ídolo do cinema.
Porém, talvez todo esse potencial não coubesse num único corpo, ao
ponto que Bergman era, por vezes, incapaz de controlar o seu próprio ego. É emocionante, por exemplo, testemunharmos
entrevistas dos colaboradores de suas peças de teatro, mas que sofriam nas mãos
do cineasta em momentos de conflito. Porém, eles não guardam magoas, mas tendo a
consciência de que o próprio Bergman estava enfrentando os seus demônios interiores
e que o fracasso significaria a sua própria morte.
Tendo se tornado o único diretor a receber a "Palma das
Palmas" no festival de Cannes, Ingmar Bergman ficou recluso nos seus
últimos anos de vida na ilha do Fårö da Suécia até a sua
morte, mas se tornando imortal graças as suas obras primas das quais se
tornaram maiores do que sua própria vida. Jane Magnusson faz mais do que uma
homenagem ao cineasta nesse documentário, como também uma declaração de amor ao
próprio cinema, cuja essa arte fez sempre reerguer essa pessoa que Bergman era
em vida.
Sendo desde já uma das melhores obras lançadas em 2018, Bergman – 100 anos não é um mero documentário sobre Ingmar Bergman,
pois o documentário em si é o próprio Bergman.
Nenhum comentário:
Postar um comentário