Lançado recentemente em DVD pela Classicline "A Cruz de Ferro"(1977) foi o antepenúltimo trabalho da filmografia relativamente curta do Sam Peckinpah. O diretor, que em trabalhos como Meu "Ódio Será Sua Herança" (1969) e "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia" (1974) conduz a história através dos olhos de personagens marginais, optou novamente pelos anti-heróis ao abordar o tema da Segunda Guerra Mundial do ponto de vista de um alemão. Fugindo do tradicionalismo bobo “alemão= vilão; francês/russo/inglês= herói”, Peckinpah abre o filme mostrando o grupo liderado por Steiner fazendo aquilo que soldados, independentemente de nacionalidade, fazem: matando pessoas. Em uma sequência típica do diretor, com cortes rápidos sendo intercalados por tomadas em câmera lenta, o grupo invade uma fortificação e aniquila violentamente os soldados russos. A cena seguinte, que possui um apelo emocional deveras barato, vem para complementar a ideia de que, nas guerras, mais do que militares, bandeiras e ideologias, existem seres humanos capazes de realizarem tanto o bem quanto o mal: após a matança, o grupo encontra uma criança escondida entre os escombros e, contrariando ordens superiores, Steiner decide poupar a vida dela.
A desconstrução da generalização que caracteriza o alemão necessariamente como um ser diabólico durante a guerra continua à medida que a personalidade do Sargento vai ficando mais clara. Steiner odeia seus superiores, Hitler e, de modo geral, o militarismo. O que o leva até o campo de batalha não é a defesa do nazismo, mas sim um vício quase doentio no estado de guerra, tema que a Bigelow abordou no vencedor do Oscar "Guerra ao Terror" (2009). Contrastando com o personagem, temos o Capitão Stransky. Vilão declarado da trama, Stransky também é construído evitando o óbvio. Assim como Steiner, o personagem também não nutre simpatias pelo Fuhrer alemão e, de certa forma, despreza o nazismo. Seu sonho fútil de conseguir uma distinção militar, assim como os meios desonestos que ele emprega para conseguí-la, longe de serem ambições e fraquezas de caráter exclusivos dos alemães, representam traços de personalidade que podem ser encontrados em qualquer lugar do mundo.
Peckinpah conduz essa história sobre obsessão alternando bem as cenas de ação com os diálogos que desenvolvem a trama e os personagens. Entre um e outro ataque russo (todos violentos e explicitamente gráficos), o diretor reserva espaço na tela para cada um dos soldados comandados por Steiner e para que Stransky utilize sua influência para montar o plano que o levará até a Cruz de Ferro. Quando o embate inevitável entre os personagens ocorre, todas as cartas já foram colocadas na mesa e fica claro o que cada um deles fará. Foi nessa hora que eu comecei a torcer.
Após uma fuga épica através do território russo que reforça o aspecto humano dos personagens, Sargento e Capitão finalmente encontram-se frente-a-frente no campo de batalha. É nesse momento, amigos, que toda e qualquer razão que o ser humano costumeiramente possui em condições normais dá lugar à um estado primitivo de selvageria e insanidade, tanto dos personagens quanto do espectador. Peckinpah realiza alguns de nossos desejos mais ocultos e sanguinários para em seguida fechar o filme com uma cena insana, doentia. A risada diabólica que pode ser ouvida enquanto os créditos sobem é um dos momentos mais marcantes dentre aqueles que eu já assisti do diretor e a mensagem que é exibida no final, uma frase do alemão Bertolt Brecht (Mesmo que o mundo tenha se erguido para deter o bastardo, a cadela que o pariu está no cio novamente), resume bem a mensagem do filme, que faz um alerta não contra os alemães (mas não os exclui), mas sim contra as fraquezas que conduzem os homens ao estado de guerra.
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