Segundo a lenda conta, os irmãos Auguste e Louis Lumière não tinham fé que o seu maior invento, o cinematógrafo, teria vida longa. Porém, bastou um mágico chamado Georges Méliès, para que o invento ganhasse novos rumos e assim surgisse os primeiros gêneros cinematográficos. Além disso, é preciso reconhecer que Méliès foi pioneiro ao apresentar para o mundo as novas e inúmeras maneiras de recursos técnicos que poderiam ser utilizados durante o processo de filmagem na realização de um filme.
O tempo passou e os curtas e médias metragens passaram a se tornar longas metragens e atraindo cada vez mais o grande público. D. W. Griffith, por exemplo, lançou em 1915 aquele que se tornaria o primeiro grande épico cinematográfico, "O Nascimento de Uma Nação". Porém, em uma revisão mais aprofundada, acredito que o filme russo "O Homem da Câmera" (1929), de Dziga Vertov, seja o verdadeiro precursor de muitas tendências cinematográficas.
Vertov começou a sua carreira com CineJornais, filmando o Exército Vermelho durante a Guerra Civil Russa (1918 - 1921) e exibindo o material para o público que morava em vilarejos e cidades que embarcavam nos "agit-trains", trens equipados para a exibição de filmes e peças teatrais. Nesse meio tempo, ele se afiliou a um grupo de jovens cineastas, intitulado "Cine Olho", cujo o intuito eram fazer obras que valorizassem o poder da câmera e ser honesto na elaboração dos documentários que beiram ao realismo bruto. Com isso, Vertov realizou o seu feito mais extraordinário, o documentário "O Homem da Câmera" (1929).
Realizado durante três anos, a obra retrata um dia qualquer de uma cidade, mais precisamente Moscou, do seu amanhecer até o seu entardecer. Vertov filma pessoas comuns no seu dia a dia, das quais elas a recém estão acordando e se surpreendendo com a câmera na frente delas. Além da correria da cidade grande, o cineasta filma o trabalho braçal, tanto dos homens, como também das mulheres.
Com um material farto nas mãos, Vertov registra um trânsito desenfreado, maquinas e trabalhadores em movimento, casamentos, separações, morte e nascimento. Tudo isso moldado com o que ele capitou, mas sendo remodelado em uma das edições mais dinâmicas da história do cinema. Testemunhar essa edição de cenas nos faz não ter a menor dúvida que "O Homem da Câmera" serviu de modelo para o que viria a seguir, pois o seu ritmo dinâmico é o que veríamos, por exemplo, nos clipes da futura MTV.
Além disso, o cineasta daria continuidade ao que Georges Méliès havia feito anos antes, ao criar imagens sobrepostas uma na outra, utilizando cenas em câmera lenta, rápida e estática. Há também uma apreciação ao uso da câmera, pois quase sempre vemos o cineasta trabalhando com ela e registrando as cenas não importando o que aconteça. O ritmo acelerado sintetiza um cineasta obstinado na realização de sua obra e fazendo com que o criador e criatura se fundam em belíssimas cenas.
Acima de tudo, é um filme que simboliza o poder da força braçal do povo trabalhador russo. Se dois anos antes o filme expressionista "Metrópolis" (1927), de Fritz Lang, retratava o conflito entre classes de uma cidade alemã futurística, Dziga Vertov deixa claro em sua obra que uma cidade somente funciona com a mão trabalhadora. Com esse pensamento, Vertov dá forma visual aos preceitos levantados por Karl Marx e fortalecendo ainda mais a ideia de uma realidade mais socialista e menos capitalista para as futuras gerações.
Mas, ironicamente, Vertov não conseguiu se adaptar ao mundo socialista e jamais obteve o mesmo feito que ele adquiriu através desse filme. No entanto, com "O Homem da Câmera" ele conseguiu o seu maior objetivo, em potencializar ao máximo na tela todo o poder que pode proporcionar a arte cinematográfica.
Nota: O clássico terá exibição especial para os associados e não associados do Clube de Cinema de Porto Alegre na próxima terça-feira (02/07/19) na Sala Redenção da UFRGS de Porto Alegre.
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