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segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Cine Dica: Em Cartaz - 'Assassinos da Lua das Flores'

Sinopse: Os assassinatos dados a partir de circunstâncias misteriosas na década de 1920, assolando os membros da tribo Osage, acaba desencadeando uma grande investigação envolvendo o poderoso J. Edgar Hoover, considerado o primeiro diretor do FBI. 

Martin Scorsese é um dos mais importantes diretores da história, mas não somente por ter realizado grandes obras primas, como também sendo alguém que defende com unhas e dentes a sétima arte. Em tempos de cinema comercial, vide as adaptações de HQ para o cinema, o realizador tem defendido um cinema mais autoral e do qual é a única salvação dessa arte em tempos em que os estúdios se encontram cada vez mais presos em franquias intermináveis. Portanto, "Assassinos da Lua das Flores" (2023) vem em um ano em que o cinema retorna com grandes espetáculos autorais e sendo que esse vem para fortalecer essa tendencia ainda mais.

A trama foi inspirada no best-seller homônimo do escritor David Grann e também baseado em uma história real. O ano é 1920, na região norte-americana de Oklahoma. Misteriosos assassinatos acontecem na tribo indígena de Osage, uma terra rica em petróleo. O caso foi investigado pelo FBI, a agência que tinha acabado de ser criada na época. Os assassinatos dados a partir de circunstâncias misteriosas na década de 1920, assolando os membros da tribo Osage, acaba desencadeando uma grande investigação envolvendo o poderoso J. Edgar Hoover, considerado o primeiro diretor do FBI.

Assim como em clássicos como "Os Bons Companheiros" (1990) e mais recentemente "O Irlandês" (2019), Scorsese trata de um assunto delicado que é as origens dos alicerces da sociedade norte americana, da qual não foi construída de forma justa, mas devido ao grande derramamento de sangue. O povo indígena foi um que, não somente foi massacrado no mundo real, como também o próprio cinema colaborou para transformá-lo em um ser selvagem para ser dizimado e que cabe os próprios realizadores dessa arte reconhecer o quanto estavam enormemente errados. Portanto, o novo longa do realizador é um grande filme denuncia, onde mostra um povo sendo morto de forma gradual e fazendo que o restante do mundo não se desse conta.

Para a construção desse tipo de enredo o cineasta procura buscar elementos que ele já havia usado em suas obras anteriores, desde a construção de um teor mais épico, sendo algo já visto em "Gangues de Nova York" (2002), como também com relação ao desenvolvimento sobre família, lealdade e corrupção e sendo algo já bastante visto em início de sua carreira como "Caminhos Perigosos" (1973). Para tanto, o realizador usa e abusa de sua câmera sempre em movimento, como se os planos-sequências nos encaminhasse para algo revelador e ao mesmo tempo nos preparando para algo pior. Numa determinada cena, por exemplo, vemos dois personagens deitados em uma cama, mas cuja câmera se afasta para focar a janela e já nos dando uma dica sobre o que acontecerá em seguida.

Mas o coração pulsante do filme se encontra na construção complexa dos seus personagens e dos quais são interpretados com tamanha energia pelos seus intérpretes. Quando achávamos que Leonardo DiCaprio já havia apresentado as suas melhores atuações eis que aqui ele novamente nos brinda com uma atuação complexa, cujo personagem transita entre o bom senso para o desejo de obter poder a todo custo, mas não escondendo o peso que está carregando ao longo do percurso. E como se isso já não bastasse eis que vemos a melhor atuação de Robert De Niro nestes últimos tempos.

Parceiro de Scorsese desde os tempos de "Taxi Drive" (1976), De Niro nos brinda com um personagem que nos passa a ideia sobre o que realizador quer nos passar ao longo da carreira. O personagem "Rei" de De Niro é um ser que sintetiza todo o lado sombrio de uma sociedade norte americana que esmagou os verdadeiros herdeiros dessa terra para obter as suas riquezas. O que mais espanta é o fato de tudo ser feito na surdida, o que não é muito diferente do que é visto na realidade, onde poderosos fazem tudo através da Justiça, mas da qual se encontra viciada e muito bem manipulada.

Portanto, o filme é um grande pedido de desculpas que o realizador faz para o do povo indígena, sendo talvez muito mais sincero e menos hipócrita do que já havia sido visto em obras como "Dança Com Lobos" (1990). Ao mesmo tempo, Scorsese não poupa o espectador com cenas fortes, onde mostra o homem branco se infiltrando neste povo de forma amistosa, mas que os elimina gradualmente na surdina. Porém, a expressão adoentada da personagem  Mollie Burkhart, interpretada brilhantemente pela atriz Lily Gladstone, representa a consciência desperta de um povo que sabe o que acontece a sua volta, mas não tendo forças para se defender perante tamanha selvageria.

Com tudo isso e muito mais, Scorsese encerra o seu épico de forma brilhante, onde não somente conta sobre o destino final dos respectivos personagens centrais da trama, como também o mesmo decide sair por detrás da câmera e jogar para fora o peso de culpa de uma parte da sociedade norte americana mais consciente. Além disso, o realizador usa velhos recursos em homenagem aos tempos dourados da rádio e ao mesmo tempo simbolizando todo o lado criativo de tempos mais antigos do cinema como um todo. Assim como nos filmes recentes de Wes Anderson, o diretor talvez esteja nos dizendo que é chegada a hora de deixar de lado os últimos avanços, porém vazios, tecnológicos de se fazer os filmes, retornar tudo à estaca zero e permitir que o cinema respire de novo.

"Assassinos da Lua das Flores" é cinema em sua total plenitude orquestrado por Martin Scorsese e fortalecendo a nossa esperança pelo  da sétima arte. 


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