Quando se fala o nome de Quentin Tarantino logo vem à mente violência, sangue, história não linear e muito diálogo interligado com a cultura pop. O realizador mudou a cara do cinema independente norte americano no início dos anos 90 a partir do seu clássico "Cães de Aluguel" (1992) e colocando o mundo no seu bolso com a sua obra prima "Pup Fiction" (1994). Porém, para chegar esse ponto, o ex-balconista de vídeo locadora precisou colocar em prática certos sacrifícios.
Antes de ganhar o seu status Tarantino tinha um grande roteiro e do qual o mesmo foi dividido para quatro filmes ao longo do tempo. Uma parte desse roteiro foi intitulado "Amor a Queima Roupa" (1993) e do qual foi vendido para a Warner. Com o dinheiro adquirido pela venda o cineasta teve a chance de dirigir na sua maneira "Cães de Aluguel" e o resto é história.
Porém, o mundo cinematográfico talvez não estivesse preparado para a sua visão autoral sobre um grupo de assaltantes e com a sua mala de diamantes, pois o mesmo foi aplaudido no festival de Cannes da época e saindo dali consagrado de forma definitiva. Ao testemunharem isso e se dando conta do potencial em mãos, a Warner decidiu escalar o diretor Tony Scott, que na época ainda colhia os louros do sucesso pelo seu "Top Gun" (1986), para dirigir "Amor a Queima Roupa". Sendo autor do roteiro, Tarantino foi convidado também para a realização do filme e o que vemos é a mistura de dois grandes autores em cena.
Vários anos depois do seu lançamento é curioso observar que o filme possui alma própria, mesmo tendo sido criada por dois diretores com visões distintas. Não me surpreenderia se houvesse atritos durante a realização, mas acredito eu que na época Tarantino estava mais preocupado na realização do seu "Pup Fiction" do que qualquer outra coisa. Portanto, as cenas de ação em câmera lenta, por vezes, na diagonal e com fotografias de cores quentes sintetizam a visão de Scott e da qual possui familiaridade com outras obras suas como "Dias de Trovão" (1990).
Porém, é notório que estamos diante do universo de Tarantino, principalmente quando os personagens começam a discursar sobre determinados assuntos, desde aos momentos históricos como também referente ao universo dos filmes e da música pop. O jovem Clarence Worley (Christian Slater) já na abertura do filme começa a falar direto sobre Elvis, ao ponto dele se destacar se caso estivesse no meio de uma multidão. A partir do momento em que conhece a garota de programa Alabama (Patricia Arquete) é então que temos uma dimensão maior sobre ele, sendo um fanático por filmes de ação e HQ. A meu ver, assim como inúmeros personagens que o cineasta havia criado, Clarence é uma espécie de Avatar em que Tarantino usa para disparar sobre o seu verdadeiro ser, seja com relação ao que realmente gosta e que compartilha para todos nós e não importando com as consequências.
Curiosamente, Alabama é citada em um determinado ponto da história de "Cães de Aluguel" pelo personagem de Harvey Keitel e confirmando essa interligação que ele liga os seus filmes mesmo podendo compreendê-los separadamente. O longa em si não deve nada se comparada a outras histórias de amor policial vistas em outras obras, já que Clarence e Alabama seriam uma espécie de Bonnie e Clyde, mas que diferente desse famoso casal de assaltantes, eles procuram não roubar, mas sim desfrutar de uma intensa história de amor e aniquilar toda a dor e violência que afligia Alabama. É em meio a essa matança e a violência que surge a maleta cheia de cocaína e que fará o casal entrar em uma cruzada indefinida.
Vale destacar que, assim como outros títulos tarantinescos, o filme possui uma penca de astros que inclui Brad Pitt, Dennis Hopper, Val Kilmer, Gary Oldman, Christopher Walken, Samuel L. Jackson e Chris Penn. Curiosamente, a maioria participa da trama de forma breve, mas cada um deixa a sua marca ao ponto de nos lembrarmos facilmente dos seus respectivos personagens. Não há como negar que a cena do interrogatório de Christopher Walken com Dennis Hopper é pesada, incomoda e ao mesmo tempo perfeita.
Já a figura do Elvis se torna uma peça dominante dentro da vida de Clarence, ao ponto que ele conversa com o astro diversas vezes e fazendo a gente se perguntar se tudo não passa de um delírio dele. Embora quase não apareça o seu rosto, Val Kilmer surpreende na pele do rei do Rock e entrando facilmente na galeria de inúmeros atores que interpretaram o artista ao longo dos anos. Não me surpreenderia que essa relação de ídolo com fã serviu de inspiração para que o roteirista Garth Ennis criasse a sua HQ "Preacher", sendo que lá o protagonista possuía uma relação parecida com o seu ídolo John Wayne.
Não há exatamente heróis ou vilões na história, mas o roteiro colabora de nós ficarmos ao lado do casal central até o fim, já que os personagens interpretados por Gary Oldman, Christopher Walken e James Gandolfini são figuras que a gente teme desde as suas primeiras cenas, sendo que o último protagoniza uma cena de extrema violência contra Alabama dentro de um motel e rendendo um dos momentos mais fortes do longa. Claro que nada se comparada ao verdadeiro banho de sangue que ocorre no final do terceiro ato e cuja visões de Tarantino e Tony Scott se fundem como um todo.
Na época do seu lançamento o filme não rendeu para o estúdio, ao ponto de ser considerado um enorme fracasso. Porém, com o advento de Quentin Tarantino, muitos fãs ficaram procurando nas locadoras mais sobre o realizador e "Amor a Queima Roupa" estava lá sempre em uma prateleira como se não quisesse nada. Não demorou muito para que a obra ganhasse o status de cult, não somente graças ao nome Tarantino, como também o fato de as locadoras terem tido o papel fundamental para isso.
Trinta anos já se passaram e afirmo em dizer que "Amor a Queima Roupa" é um dos melhores filmes cults dos anos noventa, talvez a obra máxima de Tony Scott e que carrega o sangue de Quentin Tarantino na veia.
Nota: Recentemente lançado em uma edição em Blu-Ray pelo "Obras Primas do Cinema".
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