Sinopse: "O
Processo" oferece um olhar pelos bastidores do julgamento que culminou no
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016. O filme
testemunha a profunda crise política e o colapso das instituições democráticas
no país.
O grande problema de
produções brasileiras recentes, vide Justiça para todos, ou a série O Mecanismo,
de José Padilha, é que os seus realizadores tentam reconstituir fatos de
eventos muito recentes da nossa política, mas que acabam caindo na vala comum
ao cruzar ficção com um realismo plástico e do qual querem nos vender a todo custo. A situação piora
quando fazemos uma comparação dessas obras com que a gente já tinha
visto pela mídia, mesmo quando ela, na maioria das vezes, se posicionou de uma
forma parcial com relação aos acontecimentos. O Processo nos recoloca novamente
nos eventos que desencadearam na saída da presidente Dilma Rousseff no dia 31 de
agosto de 2016, mas através de outro olhar ainda mais revelador e que as
câmeras de televisão não mostraram de antemão.
Dirigido pela cineasta Maria
Augusta Ramos (Justiça), o filme se inicia na sessão da Câmara dos Deputados,
onde foi aprovado o pedido de Impeachment contra até então Presidente Dilma
Rousseff. A obra segue revelando eventos que ocorreram durante a Comissão do
Senado até o seu julgamento. Em meio a isso, observamos passo a passo de um trabalho
árduo, não somente dos aliados da ex-presidente, como também de alguns
opositores.
Diferente do que vocês imaginam,
principalmente quando forem se lembrar de documentários recentes, Maria Augusta
Ramos não opta em fazer entrevistas, mas sim somente usando a sua câmera como
observadora e fazendo com que nós que assistimos nos tornemos, então, o
observador dos fatos. A câmera da cineasta, aliás, já nos coloca numa situação em que molda
o princípio do documentário, onde presenciamos uma imagem panorâmica de Brasília
e onde se vê um povo dividido perante uma situação que poderia ter sido evitável.
Felizmente a cineasta somente dá um pequeno vislumbre do fatídico dia em que
ocorreu aprovação do impeachment, já que, basta somente um discurso falsamente moralista
para servir de exemplo sobre tudo o que ocorreu naquele dia.
Aliás, discursos moralistas,
mas moldados por uma aura hipócrita, é o que molda desse ponto em diante, já
que, enquanto a equipe da ex-presidente Dilma se ocupou em tratar tudo de uma forma
politicamente técnica, a sua oposição, por sua vez, optou pela velha fórmula de
um discurso moral e sem nenhum sustento. Não que a cineasta tenha optado por
ter escolhido um lado para filmar essa história, muito pelo contrário, já que
desde o primeiro minuto ela opta em seguir as duas rixas desse teatro político.
Logicamente, a maioria da oposição não se permitiu que fossem filmados em situações
mais reservadas e, portanto não esperem em ver um Eduardo Cunha caindo sempre a sua
mascara.
Porém, surpreendentemente, é
justamente a advogada Janaína Paschoal, autora do pedido de impeachment dado a Câmara
dos Deputados, que acaba sendo o maior destaque, não somente da oposição, como
também simbolizando a tragicômica situação daqueles dias fatídicos vistos no
documentário. Em sua primeira cena, por exemplo, Janaína se prepara psicologicamente,
como se estivesse indo para um teatro e pronta para dar o sangue para o seu
papel. Ao invés de discursar algo que haja algum sustento, ela compra a ideia
de soltar palavras moralmente falsas, pausadas, como se quisesse que tudo fosse
gravado em primeira mão e ficasse para a posteridade.
Dificilmente se pode
compreender o que se passa na mente daquela pessoa naquele momento. É como se
ela estivesse numa redoma de vidro e não se dando conta da magnitude da
situação da qual está participando e desencadeando eventos que repercutem até
hoje. É fácil sentirmos raiva dela quando ela surge em cena, mas também certa
pena por essa pessoa em ter participado desse jogo político com cartas marcadas.
Cartas marcadas, aliás, é o
que molda todo o trabalho dos dois lados do conflito. Na equipe de Dilma, por
exemplo, há uma sensação de desanimo sempre no ar, como se a inevitável queda é
praticamente certa, mas sendo preciso até o último segundo se fazer um trabalho
coerente e justo. A Presidente do partido do PT, Gleisi Hoffmann, por exemplo,
não se ilude com uma possível vitória de Dilma, pois a própria diz que, caso a
Presidente seja absolvida, não terá como ela governar em meio a tantas pessoas
que querem derrubá-la a todo custo.
Curiosamente, é com Hoffmann
que a cineasta Maria Augusta Ramos consegue obter uma representação de um olhar
incrédulo perante o circo que esta sendo armado a todo o momento. Ao mesmo
tempo, a cineasta consegue através da senadora situações até mesmo que
vem do acaso e tornando o documentário ainda mais dinâmico: a cena em que vemos
a senadora nervosa, para logo ela descobrir que seu marido havia sido preso durante
a investigação da Lava Jato, simbolizam o clima de desconstrução do chão em que
ela sempre havia pisado.
Desconstrução, aliás, é a
palavra que melhor representa os eventos a seguir. Mesmo não tendo nenhum
sustento concreto com relação às benditas acusações das pedaladas fiscais contra
a Presidente Dilma, o caso vai adiante e se encaminhando para o julgamento
final no Senado. Mesmo com as investigações da lava jato a todo o vapor,
tirando Eduardo Cunha de cena, além dos primeiros indícios de provas concretas
de corrupção contra o Temer, nada disso impediu para que Dilma fosse tirada do poder
e desmontando todas as realizações que o governo do PT havia feito até aquele
preciso momento.
Como eu disse acima, a
cineasta Maria Augusta Ramos não escolheu um lado dessa história, mas sim optou
em ser uma observadora durante toda a realização desse projeto e para que só
assim fosse levado ao cinema. Não foi ela, por exemplo, a responsável pelo
nascimento de eventos que moldam os minutos finais do documentário, em que
simbolizam um retrocesso enorme para o nosso país e que faz ecoar os tempos de
golpe de 1964. O que aconteceu ali é real, doa o que doer e que nenhum outro
filme parcial que venha a surgir irá conseguir desconstruir.
Assistir ao documentário O Processo
é como revisitarmos um pesadelo, do qual nos vemos por detrás de uma nuvem
negra inabalável e que faz com que não enxerguemos uma luz no final do túnel.
Onde assistir: Cinebanários: Rua General Câmara, nº 424, centro de Porto Alegre. Horário: 19horas. Espaço Itaú de Cinema Porto Alegre. Rua Tulio Rose, nº 80, bairro Passos d,Areia. Horários: 15h40min, 18h30min e 21h20min.
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