Em 2011 eu havia participado do curso de cinema "Poesia e Ensaio na obra de Jean-Luc Godard", criado pelo Cine Um e ministrado pelo jornalista Mario Alves Coutinho. Ao final da atividade o realizador se emocionou ao passar os ensaios visuais que ele havia criado para atividade e fazendo daquele momento dos melhores cursos que eu havia participado até então. Por conta disso acabei tendo um conhecimento melhor sobre o cineasta e do seu papel na mudança do modo de se fazer cinema.
Pode-se dizer que existe um antes e um depois de Jean-Luc Godard. Ao lado de François Truffaut e de outros cineastas franceses eles criaram Nouvelle vague, ou melhor dizendo, "a nova onda do cinema francês", da qual fez com que muitos realizadores saíssem dos seus estúdios convencionais e começassem a realizar os seus filmes nas ruas de Paris e revelando uma realidade que quase nunca eram vistas nas telas até aquele momento. Se por um lado Truffaut havia lançado o seu formidável "Os Incompreendidos" (1959), Godard por sua vez lançaria "Acossado" (1960) e do qual eu considero a sua maior obra prima. Com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, o realizador cria um filme policial alinhado com uma história de amor descontraída e tudo feito de uma forma simples, porém, esplêndida.
Menos plástico e mais realista, a nouvelle vague comandada por Godard, Truffaut e os demais realizadores influenciaram o mundo inteiro e fazendo com que até mesmo Hollywood se desse conta que não poderia viver sempre na fantasia e zero de verossimilhança. Ao meu ver, "A Nova Hollywood", da qual na minha opinião é o melhor período do cinema norte-americano, bebeu muito da fonte da Nouvelle vague, pois é um período de uma sétima arte mais autoral, onde os diretores eram livres em colocar a sua marca nas suas obras e que, infelizmente, não é o que acontece muito hoje em dia. Mais do que um realizador de visão própria, Godard também foi profético com relação as mudanças políticas e os costumes das pessoas.
Se por um lado "A Chinesa" (1967) se tornou profético com relação ao "Maio de 68", do outro, o filme "Desprezo" (1963) estrelado pela bela Brigitte Bardot seria algo a frente do seu tempo, pois mostra o papel da mulher livre tentando se desvencilhar das amarras do machismo e procurando nadar de forma independente como não se houvesse mais nenhum futuro. Por dentro sempre nas questões políticas, Godard não escondia a sua predileção por roteiros, por vezes, não lineares e que cujas as imagens falam mais por si do que meras palavras ditas pelos protagonistas. Belo exemplo disso é "O Demônio das Onze Horas" (1965), protagonizado por até então sua esposa Anna Karina e se tornando uma de suas obras mais pessoais de sua filmografia.
Com o passar dos anos o realizador havia colocado em pratica todas as formas de se fazer cinema, não se importando com que iriam dizer os seus detratores, mas sim fazendo algo que falasse sobre si e sobre sua arte que tanto colocou em pratica no seu bem entender. Se no seu último filme "Imagem e Palavra" (2018) ele falava sobre o mundo através das mais diversas formas de se construir as imagens de hoje em dia, "Adeus a Linguagem" (2014) ele dá uma verdadeira aula de como se devia ser usado o 3D do cinema e da qual a mesma ferramenta foi denegrindo através de grandes estúdios que não souberam utiliza-la. Recluso em sua casa, eu tinha uma grande esperança de vê-lo no documentário "Visages, Villages" (2016) de Agnès Varda e cuja a mesma queria visita-lo em sua casa.
Infelizmente não é isso o que acontece, frustrando não somente ela como voz me aqui presente estava na expectativa de vê-lo como ele se encontrava atualmente. Com mais de noventa anos de idade, ao que tudo indica Jean-Luc Godard já havia feito tudo o que tinha que fazer pelo cinema, ensinado uma geração de cineastas sobre como usar essa arte de contar histórias e dando um exemplo de como essa paixão pode mudar até mesmo os rumos da indústria. Cansado dessa vida, o realizador parte na sua maneira, entrando em definitivo para a história e indo de encontro com os seus velhos amigos cineastas e que começaram juntos como críticos de cinema da revista Cahiers du Cinéma.
Jean-Luc Godard parte nos dando uma importante lição de que o mundo real é muito mais interessante do que qualquer mera ficção e que sendo levada as telas com gosto se torna uma experiencia incrível para dizer o mínimo.
"Não importa de onde você tira as coisas – importa é para onde você as leva."
Jean-Luc Godard
Filmografia:
2018 Imagem e Palavra
2014 Adeus à Linguagem
2013 As Pontes de Sarajevo
2012 3x3D
2010 Film Socialisme
2006 Passaporte Verdadeiramente Falso
2004 Nossa Música
2001 Elogio do amor
2001 Trechos escolhidos de História(s) do cinema
1998 Histoire(s) du cinema
1995 Para Sempre Mozart
1994 JLG por JLG - Auto-Retrato de Dezembro
1993 As Crianças Brincam de Rússia
1993 Infelizmente Para Mim
1991 Alemanha ano 90
1990 Contre l'oubli
1990 Nouvelle Vague
1989 O Relatório Darty
1987 Atenção à Direita
1987 Rei Lear
1987 Ária
1985 Ascensão e queda de uma pequena produtora de cinema
1985 Detetive
1985 Soft and hard
1984 Eu Vos Saúdo Maria
1983 Carmen de Godard
1982 Paixão
1982 Roteiro do filme Paixão
1979 Salve-se quem puder (a vida)
1976 Como vai você?
1975 Numero deux
1972 Carta para Jane
1972 Tudo Vai Bem
1971 One Parallel Movie
1970 Aqui e acolá
1970 Vladimir et Rosa
1969 Amor e Raiva
1969 As Lutas Ideológicas na Itália
1969 British Sounds
1969 Pravda
1969 Vento do Leste
1968 The Rolling Stones - Sympathy for the Devil
1968 Um Filme Como os Outros
1967 A Chinesa
1967 A Gaia Ciência
1967 Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela
1967 Longe do Vietnã
1967 O Amor Através dos Séculos
1967 Week-end à francesa
1966 Made in USA
1966 Masculino, Feminino
1965 Alphaville
1965 O Demônio das Onze Horas
1964 Bando à Parte
1964 Os Maiores Vigaristas do Mundo
1964 Uma Mulher Casada
1963 O Desprezo
1963 O Pequeno Soldado
1963 Rogopag – Relações Humanas
1963 Tempo de Guerra
1962 Os Sete Pecados Capitais
1962 Viver a Vida
1961 Uma Mulher é uma Mulher
1960 Acossado
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