Marcelo Muller (dir) e o ator Anderson Di Rizzi (esq)
Confira a entrevista que eu fiz com o cineasta e
roteirista Marcelo Muller, cujo o seu primeiro trabalho atrás
das câmeras (Eu te Levo) estreia em breve em nossos cinemas.
Depois de muito tempo como roteirista, como foi à
experiência na cadeira da direção pela primeira vez?
- É
engraçado porque antes de estudar roteiro, eu estudei direção então a minha
primeira formação acadêmica como estudante é a direção. O roteiro na verdade,
foi um encontro pelo “Infância Clandestina” que foi a primeira vez que eu
escrevi um longa a partir de um processo de colaboração com um outro diretor.
Eu gosto muito das duas cadeiras, acho que são complementares. São duas funções
que estão preocupadas em contar histórias, em construir universos e acho que um
bom roteirista tem que entender como é sentar na cadeira de diretor, e um bom
diretor tem que saber muito de como se conta. Nessa área temos que ser bastante
coisa, eu sou roteirista, diretor, às vezes arrisco na produção –
principalmente de televisão, sou professor de cinema, pesquisador,etc. Acho que
o audiovisual é um universo tão fantástico que nos dá a oportunidade de navegar
por diversas funções e ir aprendendo de todas as outras para fazer cada vez
melhor.
O filme é uma ficção ou tem muito de você na trama?
- O filme é uma ficção sim, mas que foi feita num
espaço familiar. Ele acontece na cidade onde eu nasci e vivi até os 19 anos e
aí nesse processo de aproximar uma trama com um personagem ficcional de um
universo familiar, eu levei as locações para ambientes familiares mesmo. Então
a casa onde filmamos, a casa do Rogério, é a casa onde meu pai nasceu e morou
até casar, é a casa dos meus avós. A loja do Rogério, é a loja do meu avô que
ainda funciona normalmente, não é a loja de ficção do filme, mas que leva o
nome real da loja. Mas nesse sentido o personagem, principalmente, se aproxima
desse universo familiar porque é um universo de gente comum, de uma família de
descendência de imigrantes numa cidade do interior do país, uma cidade
industrial que passou por uma porção de mudanças e um crescimento enorme, que
foi um processo que acompanhei e vejo refletido em muita gente. Isso condiciona
toda a história, faz com que o filme seja mais intimista e que os personagens
sejam até um pouco mais, de certa maneira, reais e menos cinematográficos. São
personagens inspirados em pessoas que eu vi, que eu conheço, misturados num
universo que tem um realismo muito forte e importante. É uma ficção familiar,
sem falar diretamente da minha família, mas nesse espaço que pertencem a esse
tipo de família do interior.
Como foi a escolha do elenco?
- Como o personagem do Rogério é triste, eu
queria que o ator que fosse representar não fosse triste. Então a principio,
estávamos procurando até comediantes pra fazer esse personagem para que ele
pudesse ter, mesmo com tanta angustia, ter uma energia interior que pudesse me
fazer acreditar que ele pode sorri. O Anderson se encaixa bem nisso, ele é um
ator alegre que costuma fazer personagens positivos, ele não faz dramas, não é
um galã. Ele é muito interessante nesse sentido então quando eu pensei no
Anderson e pesquisei o trabalho dele, por indicação de alguns amigos que sabiam
da produção executiva do filme, eu achei que ele funcionaria perfeitamente para
esse personagem. A Rosi não precisa de explicação, é uma atriz maravilhosa e o
Giovanni Gallo é outro que eu gostava muito do trabalho e achei que encaixava
muito nessa atitude despojada do Chris, que é o personagem dele.
Porque a opção pela fotografia em preto e branco?
Foi um longo processo pra chegar no PB.
Porque eu, a equipe, e as pessoas envolvidas na construção do filme achamos que
tem uma conexão muito forte essa ausência de cor com a história que a gente
está contando e o roteiro. O filme tem uma opção estética minimalista, tanto
que tem uma piada interna que a gente fala que tiramos até a cor do filme pra
poder expressar essa ausência de cor da vida do personagem mas, eu acho que o
que mais influenciou na decisão, é que como o personagem expõe muito pouco o
seu interior, se decidiu que era mais interessante, ao mesmo tempo que o
público tem que imaginar o que está acontecendo dentro do Rogério, ele também
ter que imaginar as cores que estão por trás desses tons de cinza. Isso é de
verdade, quando assistimos o filme PB, vemos insconscientemente as cores,
intuimos as cores e preenchemos essa ausência de cores com coisas da nossa
cabeça. O filme convida o telespectador a preencher esse silêncio e essa falta
de informação do que está acontecendo dentro do personagem, com algo que ele
mesmo possa criar. É um convite a participar e acredito que a imagem do filme
passa essa sensação, principalmente se visto no cinema, em tela grande como
teremos a oportunidade de ver a partir da semana que vem.
Em sua opinião, porque no Brasil está cada vez mais
havendo o crescimento da chamada geração Canguru?
Mais do que o Brasil, acredito que esse seja
um fenômeno mundial. Conheço gente de vários países diferentes que tem a mesma
questão: a liberdade de poder querer alguma coisa e a dificuldade de colocá-la
em prática. Esse inferno que é a sociedade contemporânea. De fato eu tenho
visto isso – a questão da geração canguru- com meus amigos que vão de Jundiaí –
onde se passa a história- até Buenos Aires, São Paulo. A geração Canguru tem
uma relação afetiva com a família, esse afeto conflituoso e complicado.
Acredito que seja mundial e não só aqui.
O filme toca em alguns pontos com relação ao quadro
político atual no Brasil e de como anda dividindo a opinião das pessoas. Foi
proposital ou mera coincidência durante o desenvolvimento do longa?
Tudo no
filme é proposital de alguma maneira, mesmo que eu obviamente não pensasse que
a situação política do Brasil seria essa quando o filme fosse lançado. O
Rogério é um personagem que reflete sobre o mundo que circula, tem valores
bastante claros para ele ou pelo menos os limites do quão flexível a gente pode
ser na vida, e ele toma decisões a partir da maneira que ele lê o mundo. Se a
situação do país se agravou de lá pra cá, de quando o filme foi filmado ou o
roteiro foi escrito, é consequência daquilo que a gente estava começando a
perceber naquele momento. Na verdade, a coisa mais especifica em relação a
política ou ao quadro social brasileiro que tem no filme, é o conflito entre a
visão que se tem do policial militar e do bombeiro. Um é o herói e o outro é um
personagem mais complexo e que muitas vezes pode ser injustiçado também. Então
se colocar nos pés de quem quer ser bombeiro e que para isso, precisa ser
policial militar, porque é assim que funciona em São Paulo. Ou o simples fato
de ser militar, de qualquer maneira, ter esse tratamento diferente da sociedade
ou ter que exercer a autoridade, esse poder coercitivo é muito complicado para
um personagem como o Rogério. E hoje a gente vive um momento onde existe mais
conflito em relação a isso, a gente ta vendo todos os dias, o conflito na rua e
todo ato. Então a critica e o posicionamento é do personagem que tem aqueles
valores e que não vai traí-los. Ou talvez vá. Mas, o País continua se
aprofundando nessa crise que já era vista quando começamos a escrever.O filme
se relaciona bem com a realidade e é um filme atual, mesmo sendo em preto e
branco, é um filme atual. Pelo menos essa é a minha opinião como diretor e um
dos autores do filme.
Marcelo Muller (dir), o ator Anderson Di Rizzi (esq) e técnicos
Confira a minha crítica sobre o filme clicando aqui
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