Sinopse: Clara (Sônia Braga)
vive sozinha num apartamento à beira-mar do prédio Aquarius. Ela já tem uma
vida estabilizada e agora está sofrendo nas mãos de uma construtora que planeja
destruir o edifício onde ela mora para construir um mais moderno.
Filmes estrangeiros como
Leviathan, Demon e tantos outros, exploram cada vez mais um tema que anda
surgindo de vez em quando em nossos cinemas que é, simplificando, a destruição
do velho e dando ao lugar ao novo. Contudo, parece que quanto mais a tecnologia
dá inúmeras possibilidades, há ao mesmo tempo o surgimento cada vez mais forte
de uma nostalgia de um tempo que não volta, mas que se torna cada vez mais
dourado em nossa memória. Aquarius não é somente o levantamento de uma bandeira
em defesa do passado, mas também uma lição em manter e não esquecer o que já
foi um dia tão precioso.
Dirigido pelo
cineasta Kleber Mendonça Filho (Som ao Redor) acompanhamos o dia a dia da
escritora e aposentada Clara (Sonia Braga, espetacular) que vive sozinha num
apartamento á beira-mar do qual se chama Aquarius. Tanto o seu apartamento,
como também o que há de melhor dentro dele, fazem parte como um todo em sua
vida. Porém, Uma imobiliária, representado pela presença do ambicioso Diego
Bonfim (Humberto Carrão), deseja por abaixo o apartamento da protagonista e
construir ali um grande prédio. É início de um confronto, do qual humildade dá
de encontro com o pior que existe dentro de um universo ambicioso e sem escrúpulos.
O filme já começa num
passado distante, mas que já nos identificamos de imediato. Estamos nos anos 80,
do qual nem precisava dos números colocados na tela, pois já basta vermos as
roupas e músicas que a protagonista escuta para então nos localizarmos. Já
nesses primeiros minutos, descobrimos que Clara enfrentou uma difícil fase da
sua vida, mas também fazendo a gente se dar conta que ela pertence a uma família
do qual as mulheres demonstraram força ao longo das décadas. Corta para o
presente e vemos Clara, uma mulher independente, forte, humilde e que mantém as
suas raízes intactas.
Já
nos primeiros minutos do presente nos deparamos com dois protagonistas, que são
Sonia Braga e a câmera do cineasta. Bem
ao estilo Hitchcock,
Mendonça Filho faz de sua câmera uma espécie de segundo personagem, do qual não
escapa o que acontece na tela e dando destaque aos menores detalhes, mesmo
quando eles estão bem ao fundo: a cena que mostra um imenso pano que cobre um prédio
ao lado de Aquarius, para logo depois vermos ao fundo de uma cena o que
acontece com ele, é um exemplo de um perfeccionismo inusitado do cineasta.
Perfeccionismo, aliás,
é a palavra de ordem aqui, pois percebemos que em cada cena que surge na tela,
ela foi pensada para dar continuidade ao que já aconteceu anteriormente. Se uma
música (muitas, aliás) clássica é tocada, ou uma foto surge nas mãos da protagonista,
é para então criar uma espécie de simetria e fazendo com que sempre nos lembrássemos
de uma situação anterior vista na história. Nada gratuito, mas tudo bem
pensando e fazendo com que todos esses elementos se casassem com perfeição do
começo até o seu final.
Claro que isso nada funcionária
se não houvesse Sonia Braga em cena, pois ela fez de sua personagem Clara uma
de suas melhores personagens de sua carreira. Mulher forte, independente, mas
camarada com o seu próximo, Clara é uma personagem que vive ao máximo a cada
segundo, como se o tempo para ela parasse e desfrutasse dele como se não
houvesse amanhã. Ela se torna então uma espécie de contraste se comparado aos
outros personagens em cena, sendo alguns afogados com a corrida desenfreada do
dia a dia.
Esse contraste é
muito bem representado quando ela discute com a sua filha Ana Paula (Maeve
Jinkings), sendo essa última uma pessoa sem noção com relação ao que realmente
acontece ao mundo em sua volta, mas que no fundo, tenta entender a realidade de
sua mãe, que vive em manter as raízes que criou junto com os seus filhos. Raízes
essas que dão de encontro, não somente com o avanço do progresso acelerado, como
também perante a ambição e hipocrisia da sociedade atual. Isso faz com que se
abra um estudo dentro da trama, sobre a sociedade brasileira de hoje, cada vez
mais dividida entre classes e gerando então preconceitos e intolerâncias sem
sentido.
Nisso tudo temos Clara,
que jamais desistiu perante os obstáculos, mesmo quando um dos seus piores pesadelos
que ela enfrentou no início da trama, não fez com que ela desistisse, mas sim
seguisse em frente. Num dos momentos chaves do filme, o passado lhe assombra novamente,
mas para somente alertá-la, sobre a presença de algo terrível e parecido com
que ela já havia enfrentado um dia. É aqui então que Kleber Mendonça Filho
fecha soberbamente o seu circulo de elementos e peças chaves vistas na trama e faz
com que levantemos inúmeras questões e debates acalorados, não somente sobre a
trama principal dentro do filme, como também sobre o nosso Brasil atual como um
todo.
Com
a participação de um elenco escolhido a dedo, incluindo a sempre cativante
presença de Irandhir
Santos (Tatuagem), Aquarius é puramente cinema, mas que daqui alguns anos será
lembrado como o melhor filme que soube sintetizar o que foi a segunda década do
século 21 em nosso Brasil e isso não é pouco.
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