Sinopse: O filme conta um
pouco da longa trajetória do renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado e
apresenta seu ambicioso projeto "Gênesis", expedição que tem como
objetivo registrar, a partir de imagens, civilizações e regiões do planeta até
então inexploradas.
Certa vez Bette Davis (A
Malvada) reclamou que quando a cor surgiu no cinema a sua arte havia morrido.
Embora polêmica a declaração, talvez em parte ela esteja certa, pois o preto e
branco possui uma força de conseguir extrair toda a beleza e vida da cena e
fazendo com que apreciemos muito mais o que esta a nossa frente. Talvez
Sebastião Salgado tenha compreendido isso quando jovem, pois cada uma de suas
fotografias em preto e branco, seja de ontem ou hoje, é uma verdadeira
revelação para os nossos olhos.
Dirigido por Wim Wenders
(Asas do Desejo), acompanhamos nesse documentário a trajetória de Sebastião
Salgado que, de um futuro promissor na área da economia, para um dos mais
respeitáveis fotógrafos de nosso país. Do seu exílio fora do país (devido à
ditadura) conheceu o seu grande amor Lélia Wanick, sendo ela responsável por
ele seguir (meio que sem querer) a área do qual se tornou profissional e explorador.
O filme também possui co-direção
Juliano Ribeiro Salgado, filho do fotografo que, graças a esse projeto,
conseguiu compreender um pouco melhor a ausência do seu pai ao longo de sua
vida. Ambos nunca tiveram atritos com relação a isso, mas se houve no seu
intimo, Juliano resolveu exorcizar de uma vez só, tanto que, ao lado do diretor
alemão, conseguiu encontrar o mais intimo e profundo lado humanista que o seu
pai possui.
De volta ao Brasil nos anos
80, Sebastião decidiu criar trabalhos com a fotografia, cujos quais sintetizassem
as diversas facetas do homem perante o mundo que vive. O seu ponta pé inicial que,
colocaram a sua obra em evidencia, foi quando ele tirou inúmeras fotos dos
mineiros da Serra Pelada, na época em que homens pareciam escravos, na busca
por riqueza e glória. As imagens de inúmeras classes, mesmo aquelas com as suas
vidas definidas, sintetizaram a loucura em busca de uma riqueza escondida.
Nestes momentos que se
destrincha a alma do fotografo, tanto Wenders como Juliano Ribeiro cumprem bem os
seus papeis como cineastas e ouvintes. Porém, a sensação que se passa a todo o
momento, é que o próprio Sebastião que dirige a trama, colocando a nossa frente
as suas fotografias e graças a sua narração mansa, se tem então o palco formado.
Da parte técnica é preciso reconhecer o belo trabalho de montagem de Maxine
Goedicke e Rob Myers que, mesclam cenas em preto e branco, cenas coloridas de
arquivo e um incontável número de fotografias.
Esse trabalho da dupla na
montagem encontra o seu ápice no momento em que o filme foca a trajetória do
fotografo nos países da África. É ai então que documentário entra num território
que, talvez ninguém queira encarar, nem o mais humanista dos seres humanos, mas
é algo que é preciso ser visto por todos os povos. Sebastião esteve em países
como Etiópia e Ruanda, onde a política, fome e o pior lado do ser humano,
desencadearam cenários cujo quais representam o que seria um verdadeiro inferno
na terra.
Pelo olhar e narração mansa,
Sebastião faz um duro e seco desabafo com relação ao que viu e registrou,
fazendo dele desacreditar até mesmo na existência de Deus. Em suas fotos, ele
registra crianças, mas com olhares jaz velho e definhando rumo ao seu fim.
Homens largando os seus filhos mortos em um entulho de cadáveres como se fosse
lixo e a procura por uma terra prometida se torna um sonho praticamente impossível.
As imagens vistas na tela são
terríveis, onde não se precisa enxergar a cor desoladora do cenário, pois basta
ver o olhar da morte escancarada no rosto daquela gente, para então
compreendemos que um filme de terror habitual é piada perante o verdadeiro
terror daquela vida real. São poucas as fotos que se registra alguma esperança:
a fotografia de um menino de costas ao lado de seu cachorro é o testemunho de
uma pequena força que segue em frente, mesmo com um futuro incerto.
Após essa cruzada
desoladora, Sebastião ficou doente fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Sua
volta por cima se encontrou justamente ao voltar para a fazenda aonde cresceu e
tentar revitalizar a vida da terra de seus pais. O resultado foi o encontro do
fotografo perante a força e beleza da natureza, da qual se revitaliza, assim
como aqueles que moram em sua volta. Percebendo isso, Sebastião criou novamente
um dos seus trabalhos mais fantásticos da carreira: Gênesis.
Nessa sua nova cruzada, Sebastião
registrou lugares pouco explorados pelo homem, encontrando povos até então
desconhecidos e paisagens das quais nem a sua própria fotografia consegue
registrar tamanha beleza. Esse projeto fez com que ele voltasse a ter esperança
perante o mundo em que vive e revitalizasse a sua missão: registrar imagens das
quais a sua fotografia em preto e branco extrai o que as fotografias a cores (e
digitais) não conseguem nos passar.
Sal da Terra une beleza e
horror num único documentário, onde ficamos chocados e deslumbrados com o que o
nosso mundo pode nos oferecer. Tudo isso vindo das mãos e do olhar de um homem
comum, mas que nos brindou com imagens nunca antes vistas, registrados com o seu
olhar pessoal com relação ao mundo em que vivemos. Desde já um dos melhores
filmes do ano.