Sinopse: Durante uma
viagem, os ciganos se vêem obrigados a atravessar a fazenda de uma Condessa.
São expulsos de lá e em meio ao tumulto da fuga, a menina Reka se perde do
grupo e é raptada. Ela é criada no casarão da fazenda como servente da condessa
que, obcecada em não envelhecer, suga e destrói tudo à sua volta. Reka cresce
absorvida pelo trabalho e se agarra às poucas lembranças de sua antiga vida.
Kaia, por sua vez, vive ao lado de sua família, até que deixa o acampamento em
busca de Reka.
Num primeiro momento,
esse filme rodado pela cineasta Julia Zakia pode causar certo estranhamento e
até mesmo enganar o cinéfilo que assiste num primeiro momento. Com uma câmera sempre
em movimento, assistirmos o dia a dia de um grupo de ciganos reais e dando a sensação
de estarmos até mesmo assistindo a um documentário. Essa fórmula realidade/ficção
já é algo muito usado no nosso cinema recente como foi visto em Castanha.
Porém, quando já estávamos
mais do que prontos para assistirmos a esse tipo de filme, a cineasta Zakia coloca
a sua verdadeira proposta na mesa e fazendo com que tudo que a gente esperava
do filme fosse descartado rapidamente. É nesse momento que surge Baka (Leuda
Bandeira), uma feiticeira cigana, e imediatamente começa a contar sobre a lenda
de mulheres lobas para duas jovens que se tornarão as verdadeiras protagonistas
da trama. Kaia (Sielma Ferraz) e Reka (Ciça Ferraz) entram em cena e o filme se
transforma numa espécie de conto de fadas gótico, o que é algo raro visto em
nosso cinema.
Embora o universo
cigano seja misterioso, e por vezes difícil de compreender as suas reais
origens, Zakia usa a trama central de uma forma que beira ao simplismo, para
então criar um universo cheio de camadas, das quais elas possuem regras próprias
e que se diferem do nosso mundo real. Na trama principal, um grupo de ciganos
decide passar por umas terras de uma estranha Condessa (Georgette Fadel), mas
que acaba entrando em desavença com o Conde (Ricardo Puccetti) e seus lacaios.
Nesse conflito, Reka se separa dos seus pais acidentalmente, sendo então pega pela
Condessa e que suga a sua juventude.
O tempo passa, e Reka
assume a sua forma adulta (vivida pela própria cineasta), mas é mantida presa e
feita de criada pelos donos da fazenda. Filmado em Alagoas, mas também no
interior de São Paulo e outras regiões, Zakia cria um lugar do qual é
completamente indefinido e fazendo com que imaginemos onde se passa realmente a
trama. Isso serve para que o lado fantasioso se fortaleça na trama e fazendo dela
ser livre e ter a possibilidade de ter se passado em qualquer lugar do país ou
até mesmo fora dele ou dessa realidade.
A bela fotografia de
Adrian Cooper cria um verdadeiro show de beleza para os nossos olhos, onde se
cria um contraste das cores quentes desse mundo cigano se comprado a realidade
do sertão alagoano. Em um trabalho em que o lado visual se destaca como um
todo, Zakia prova o seu talento para a criação de imagens poderosas e
carregadas de inúmeras interpretações. Isso somente aumenta quando a trama se
envereda cada vez mais para o gênero de horror, cujo barroco e o gótico se
casam de uma forma perfeita.
É claro que o cinéfilo
de carteirinha irá perceber que a trama tem muitos elementos que lembram um
clássico da Hammer intitulado a Condessa de Drácula que, por sua vez, foi
inspirado na história húngara Elizabeth Báthory, que no século XVI ficou
conhecida como “A Condessa Sangrenta”, devido a inúmeros assassinados que teria
cometido em rituais macabros, realizados para lhe garantir a beleza eterna. Essa
lenda é inserida em Rio Cigano e fazendo com que a cineasta crie alguns momentos
de horror intrigantes e que não devem em nada ao que a gente já viu dentro do gênero.
O velho casarão, por exemplo, não deve em nada se comparado aos casarões ingleses
vistos nos filmes de horror do estúdio inglês Hammer.
Porém, o misticismo
do mundo cigano é que prevalece no longa como um todo e retratado pela cineasta
de uma forma que beira ao vicio. Destacando as suas músicas e costumes, a
cineasta cria closes nos rostos dos personagens, onde se percebe que cada uma
de suas marcas na pele possui uma história para se contar. Por sua vez, o foco
fica em torno das duas jovens protagonistas, ou até mesmo nos símbolos dessa
misteriosa cultura de andarilhos da terra.
Mesmo que a trama
possa parecer fora do convencional para alguns, o conto que a cineasta criou mantém
um encantamento que dificilmente você não deixa de se envolver. Embora os
cinéfilos gaúchos, por exemplo, já estejam acostumados a ver filmes de horror
brasileiro pelo festival anual Fantaspoa, é curioso observar que, quando vemos
um filme como esse, ainda nos dá a sensação de novidade para nós. Nunca é
demais o nosso cinema sair de um lugar comum e adentrar em gêneros dos quais
ainda tem muito a ser explorados.
Rio Cigano é apenas
uma mostra de um cinema brasileiro rico de histórias do gênero fantástico, mas
que ao mesmo tempo possui uma pitada forte da nossa cultura e folclore a serem
descobertos.
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