Nos dias 30 e 31 de Maio eu estarei
participando do curso História do Cinema Gaúcho, criado pelo Cine Um e
ministrada pela Doutora, jornalista e professora Miriam de Souza Rossini. Enquanto os dois
dias da atividade não chegam, estarei postando por aqui os filmes rodados em
nossa terra (de ontem e de hoje) e que eu tive o privilegio de assistir.
CASTANHA
Sinopse: João Carlos
Castanha tem 52 anos e é ator. Também trabalha na noite como transformista em
baladas gays. Vive com a mãe septuagenária, Celina, no subúrbio de Porto
Alegre. Solitário, doente e confuso, aos poucos ele deixa de discernir
realidade e ficção.
No ano passado eu havia assistido na Casa de
Cultura Mario Quintana o filme chamado Esse Amor que nos Consome, onde mostrava
uma dupla responsável por um grupo de dança alternativa. O que me chamou
atenção naquele filme é pelo fato dele transitar entre a ficção e documentário,
já que os protagonistas estavam atuando como eles mesmos e mostrando na frente
da câmera o seu cotidiano. Esse tipo de cinema brasileiro talvez tenha começado
a partir de 2007, com o maravilhoso O Jogo de Cena de Eduardo Coutinho e com
certeza irá se fortalecer ainda mais com Castanha.
Em seu primeiro longa
metragem, Davi Pretto usa pouquíssimos recursos, porém eficientes, para focar o
dia a dia de João Carlos Castanha, que durante as noites nas baladas de Porto
Alegre, se torna um transformista para alegrar determinadas boates gays da
capital gaúcha. Ao mesmo tempo convive com a sua mãe Celina e com um
problemático sobrinho chamado Marcelo, que transita entre a marginalidade e a
cada vez mais distante redenção. O grande charme do filme está no fato de não
sabermos ao certo o que é real e o que é ficção, pois o próprio protagonista
pára por um momento no que está fazendo e fala sobre a sua vida de ontem e hoje
na capital.
Durante o dia, o
protagonista passeia por lugares conhecidos da cidade, como a Casa de Cultura
Mario Quintana e fazendo com que nos identificamos nestes momentos com ele.
Mesmo quando ele se apresenta de uma maneira em que nos faça convencer a
diferenciá-lo de nós. Mas isso não acontece.
Curiosamente, alguns
momentos imprevisíveis surgem. Quando ator (ou personagem) dá de encontro com
uma situação, onde estão ocorrendo filmagens de um casal discutindo, tem-se ali
então um belo exemplo do cruzamento de ficção e realidade: seria o personagem
trabalhando num filme dentro da história? Seria próprio João Carlos Castanha
trabalhando no filme que estamos assistindo?
Ao mesmo tempo, o
filme procura ser um retrato do nosso mundo contemporâneo atual, pois mesmo não
dando enfoque sobre determinados assuntos, eles estão ali nas entrelinhas. Belo
exemplo é o fato de nós sabermos em que época a trama se passa, a partir de
assuntos do cotidiano do protagonista conversando com um taxista ou quando
vemos o noticiário da TV e damos de cara com os protestos que se espalharão no
país no ano passado. Temas políticos estão espalhados em toda projeção de forma
discreta, mas certeira e embalados com um humor sarcástico do protagonista.
Contudo, Castanha por
vezes tem o seu desempenho eclipsado pela atuação de sua própria mãe, que atua
naturalmente e nos emociona quando toca no assunto com relação ao seu
ex-marido, que atualmente se encontra no asilo. As cenas em que mostram o pai
de Castanha no asilo são poucas, mas falam por si e correspondem um pouco sobre
o tipo de relação que ambos tinham um
com o outro. Aliás, essas cenas também representam um pouco sobre o passar
tempo, que para o bem ou para o mau ele corrói e destrói tudo que existe.
A imagem de Castanha
transformista na boate gay, mesmo conduzindo o seu público com o seu bom humor,
não esconde o fato de sua imagem ser uma figura pálida do que já foi um dia.
Seus traços do seu rosto, emoldurado por uma pesada maquiagem, tentam
inutilmente esconder as marcas do passado, do seu presente e de um futuro
indefinido. Talvez isso seja de propósito, sendo talvez uma representação
cansada de sua luta perante uma sociedade que se encontra indefinida, não
sabendo para aonde vai e ficando presos por valores que se encontram hoje
falidos.
Valores esses que
talvez deixem mundo em que Castanha vive um tanto que nebuloso. Querendo ou
não, ele pertence há uma sociedade cada vez mais conservadora e alienada com
políticos formados por pastores e que usam a palavra da bíblia como arma contra
uma fatia de público que vai contra a maré dessa sociedade hipócrita. Mesmo com
os percalços, os minutos finais nos dizem para não desistir e levarmos tudo
pelo bom humor, mesmo quando isso parece não ter fim.
Cru, simples e direto,
Castanha é isso e muito mais. Levando-nos a questionar o mundo que vivemos e
fazendo nos identificar e nos questionar a nós mesmos.
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