UM F.W.MURNAU EM PLENOS DIAS ATUAIS
Sinopse: Três mulheres a
viver num prédio antigo na cidade de Lisboa: Aurora é uma idosa temperamental e
excêntrica Santa a empregada cabo-verdiana e Pilar uma vizinha dedicada.
Sentindo o fim a aproximar-se Aurora faz-lhes um pedido invulgar: quer
encontrar-se com Gianluca Ventura alguém que até àquele momento ninguém sabia
existir. Assim dispostas a cumprir o desejo da velha senhora Santa e Pilar
acabam por descobrir que os dois viveram uma história de amor e crime no
passado. Uma história que começou há 50 anos em Moçambique algum tempo antes da
Guerra Colonial e reza assim: Aurora tinha uma fazenda em África no sopé do
monte Tabu.
Tabu é mais um exemplo de
que há cineastas atuais, que decidiram olhar um pouco para traz, sendo mais
precisamente em resgatar as maneiras de como se fazer cinema de antigamente e o
resultado final deixa o espectador maravilhado. Dirigido pelo cineasta Miguel Gomes,
ele já havia conquistado o coração da critica através de filmes como o premiado
Aquele Mês de Agosto, que foi eleito o melhor longa metragem pela critica na
mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Embora Tabu possua um ritmo lento
em alguns momentos, a trama consegue fisgar o espectador mais desacostumado (mas
curioso) com a forma que ele apresenta a trama, mas ao mesmo tempo conquista o cinéfilo
mais atento e isso graças a inúmeras referencias que ele faz a outros filmes.
Para começar, a produção é explicitamente uma homenagem ao cineasta F.W.Murnau (Nosferatu), não só da
forma como ele filmava, como também é uma espécie de releitura de um dos seus filmes,
Tabu de 1931. Mas para não soar como uma espécie de refilmagem, Gomes cria a
trama através de dois capítulos e mais um prólogo: Paraíso e Paraíso Perdido,
sendo que no original a trama seguia em linha reta, mas aqui Gomes vai numa
direção contraria e que o torna bastante original.
A primeira parte de
Tabu acontece em Lisboa atual e
apresenta a personagem Pilar, uma mulher de meia idade, mas que não se intimida
em ajudar o próximo, aja o que houver. De início, da entender que ela será a
protagonista da trama, mas para a nossa surpresa, logo percebemos que será a vizinha
Aurora (nome que é uma referencia clara ao primeiro filme americano de Murnal),
uma idosa, viciada até o pescoço em jogos e paranóica com relação a todos que a
rodeia. Ela divide o apartamento com sua empregada Santa, uma mulher que segue à risca as ordens da filha de sua patroa, que sendo assim, suas
atitudes há frente da idosa a tornam uma personagem seca, mas ao mesmo tempo
com humor peculiar que nos contagia.
Graças há um dos inúmeros
devaneios de Aurora, conhecemos o seu antigo amor proibido: Ventura. A partir daí,
embarcamos em um grande flashback, onde acabamos pousando na África Colonial. A
partir desse momento, os toques de humor vistos no capitulo anterior, são substituídos
com toques mais dramáticos, que graças ao prólogo, já temos uma vaga idéia de
como terminara, onde boa parte da trama é narrada pela voz de Ventura.
É neste ponto que Miguel
Gomes não só fortalece a sua homenagem a F.W.Murnau, como também ao período do
cinema mudo: não ouvimos as palavras dos protagonistas, sendo que somente os
seus gestos e movimentos dos lábios é o que falam por si e em boa parte das
cenas é o som do ambiente que domina a trama (o que me lembrou
muito O Som ao Redor). Embora num primeiro momento isso
possa assustar um marinheiro de primeira viagem, isso não prejudica o
entendimento da historia e faz com que o cinéfilo se lembre de como o cinema mudo
tinha o seu charme e de imensas qualidades.
Além de tudo isso, o longa
foi filmado de uma maneira, para que a gente se sentisse que estivesse
assistindo o filme em pleno anos 20: em janela 4:3, com um granular
diferenciado e totalmente em preto em branco, além de partes em 16mm. Todos
estes recursos foram usados com perfeição e são justificados em cada cena vista
na tela. Com isso, o final nos deixa com água na boca e desejando que a
trama continuasse para a gente sentir mais o gostinho de como era ir ao cinema
de antigamente.
Em tempos em que os criadores
da sétima arte estão olhando mais para trás, para saber como era assistir um
filme no cinema de antigamente (vide O Artista e o recente Branca de Neve),
Tabu é uma sessão obrigatória para qualquer fã de cinema de verdade que se preze.
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