Nota: Filme exibido para os associados no dia 17/08/24
Sinopse: Undine trabalha em Berlim como historiadora e guia para o desenvolvimento da cidade. Mas sob a aparência de sua vida pacata esconde-se um velho mito: se o homem que Undine ama a trai, ela tem que matá-lo e voltar para a água de onde ela veio.
Christian Petzold é um cineasta interessado mais na transição entre o verossímil ao gênero fantástico e fazendo com que determinados mitos obtenham algum fundamento. No ótimo "Afire" (2023), o gênero fantástico vindo da literatura se funde com os dilemas e adversidades da realidade em que os protagonistas daquele filme se encontram e se criando ali um belo estudo sobre o comportamento humano perante até mesmo aos sentimentos, por vezes, quase nunca correspondidos. Em seu filme anterior, "Undine" (2024), o cineasta abre um leque de diversas possiblidades de uma relação amorosa que desencadeia diversas teorias sobre a real natureza da protagonista.
Na trama, Undine (Paula Beer) trabalha como historiadora e dá palestras sobre o desenvolvimento urbano de Berlim. Mas quando o homem que ela ama a deixa, o mito antigo lhe alcança. Porém, antes disso, ela conhece uma nova paixão, mas ao mesmo tempo não escapando de sua misteriosa natureza.
Mais do que um simples romance, Christian Petzold fala sobre a própria Alemanha em si, construída através de mitos, heróis, políticos e mudanças de governo ao longo dos séculos. No primeiro caso, por exemplo, esse é representado pela própria protagonista, cujo seu nome se baseia no famoso mito de Undine, a ninfa do amor que vive nas águas. Ela adquire forma humana quando se relaciona com um ser humano, mas uma vez que essa relação não dá certo ela o mata e logo em seguida volta para as águas.
Se a pessoa vai assistir esse filme sem as informações acima logo irá achar que a história poderá se enveredar para um filme de suspense ou até mesmo policial. Isso ocorre devido ao fato de os primeiros minutos a protagonista fazer uma declaração pesada para o seu ex e fazendo com que obtenha a nossa atenção para vermos até onde isso irá chegar. Porém, uma vez que ela conhece um novo amor o filme se envereda para um outro caminho.
Na medida em que essa relação avança Christian Petzold constrói um enredo que nos leva a crer que algo estranho está no ar e que a qualquer momento a história de amor possa virar uma grande tragédia. Tudo isso baseado na ação e reação dos seus personagens, onde os olhares falam mais por si do que meras palavras, principalmente em uma cena importante que ocorre em uma ponte e se tornando uma das partes mais importantes da obra. É aí então que o realizador nos coloca em dúvida sobre o que estamos assistindo.
O filme nos deixa em dúvida se estamos testemunhando algo que realmente aconteceu ou se não passa de algum sonho febril de alguns dos personagens. Essa teoria se fortalece ainda mais quando o real se torna secundário e fazendo com que o mito alemão ganhe corpo dentro da história e ganhando assim novas camadas. Se o cruzamento entre fantasia e realidade se torna eficaz isso não se deve somente ao seu realizador, como também aos interpretes Paula Beer e Franz Rogowski que dão ao máximo de si em quase todas as cenas.
O ato final, enfim, fecha um círculo e se alinhando com perfeição com relação ao mito, mesmo se passando em tempos contemporâneos da Alemanha. Ao meu ver, o realizador quer nos dizer que as cidades sempre irão obter a sua metamorfose, mas as velhas histórias sempre estarão lá para se reerguer das águas e nos dizer para jamais subestimarmos determinadas velhas crenças, mesmo quando elas se tornam cada vez mais infundadas hoje em dia. "Undine" é mais um belo trabalho de Christian Petzold, onde o realismo se torna um mero detalhe e a força de um mito se torna a força matriz dentro do filme.
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