Francis Ford Coppola sempre sonhou em realizar filmes de sua total autoria, ou seja, tramas originais que jamais foram vistas em outras mídias. Porém, para alcançar esse objetivo, ele precisou dirigir a sua obra prima "O Poderoso Chefão" (1972), que era baseado na obra de Mario Puzo e cuja produção fez com que o realizador quase desistisse da carreira como diretor, pois teve ao longo do percurso diversos atritos com os produtores da Paramount. O sacrifício, porém, valeu muito a pena e fez com que ele tivesse total liberdade para realizar o que talvez seja a sua obra mais pessoal que é "A Conversação" (1974).
O cineasta havia feito o roteiro dez anos antes, mas do qual havia engavetado, pois tinha total consciência que não tinha poder suficiente para rodar uma obra original e de sua autoria. Porém, a "Nova Hollywood" veio, sendo um período em que diretores autorais se tornaram tão mais importantes quanto os produtores e dando a palavra final em determinados projetos. Com o sucesso de "O Poderoso Chefão", Francis Ford Coppola obteve carta branca do estúdio Paramount para realizar "A Conversação" e sendo não somente diretor do projeto, como também produtor executivo. Com o poder em mãos o realizador faria o filme da sua maneira, mas mal imaginando o quanto o filme estava em sintonia naquele momento com o mundo real.
Eram tempos de Guerra Fria, onde os EUA e União Soviética sempre estavam assombrando o mundo com a possibilidade de alguém apertar o botão vermelho e desencadear uma guerra nuclear. Ao mesmo tempo explodiu verdadeiras teorias de conspiração, onde sempre havia a possibilidade de espiões estarem grampeando pessoas do alto escalão e podendo assim até mesmo ruir determinados governos e alimentando ainda mais a teoria de Comunistas infiltrados. Curiosamente, "A Conversação" foi rodado justamente no momento em que se explodiu o "Caso Watergate" e qualquer semelhança não é somente mera coincidência.
Na trama, Harry Caul (Gene Hackman) é um expert em vigilância e conhecido nacionalmente por seu grande profissionalismo, é contratado pelo diretor de uma grande empresa para vigiar e gravar a conversa de um casal de amantes. Mas no passado um trabalho dele provocou a morte de três pessoas e agora ele teme que algo parecido aconteça. Porém, quanto mais ele procura investigar as verdadeiras raízes do seu último trabalho mais ele acredita que ele pode estar fazendo parte de algo muito errado.
O trabalho em si é de o protagonista estar ouvindo um casal conversando em um parque através de escutas escondidas. Curiosamente, boa parte do filme se desenvolve através dessa conversa, que ocorre durante na abertura do filme, mas cuja mesma retorna através das mais diversas perspectivas. Com uma edição surpreendente, é curioso como Coppola abre a sua trama, onde ela é vista pela primeira vez de forma panorâmica e fazendo a gente se perguntar quem é realmente o protagonista.
Quando Gene Hackman surge em cena o público já tem certeza de que ele é o mocinho da trama e fazendo com que nos sintamos ao lado dele para investigar a conversa do casal no parque. É interessante observar que, embora o filme tenha envelhecido muito bem, é curioso testemunharmos os mais diversos equipamentos que se usava para escutar alguém, sendo que para alguns hoje não passam de peças de museu, mas para aqueles tempos era algo avançado, feito de maneira analógica e fazendo a gente acreditar que aquilo era o ápice da tecnologia. Hoje olhamos para trás e percebemos o quanto a tecnologia avançou, mas cujos dilemas continuam os mesmos, já que a nossa privacidade continua cada vez mais sendo invadida hoje em dia e podendo a gente fazer um paralelo com o que é apresentado no filme de forma plena.
Curiosamente, a cena de abertura sempre retorna no decorrer da trama, seja através das lembranças do protagonista ou nos momentos em que ele escuta as gravações e fazendo com que a gente ouça e vê o momento por outra perspectiva. Um jogo de cena notável realizado por Coppola, pois ele nos faz a gente querer retornar para a cena, mas que faça com que a gente fisgue junto com o protagonista um detalhe que antes a gente não havia captado na hora. Mas se a nossa curiosidade aumenta, por outro lado, a paranoia do protagonista aumenta ainda mais, ao ponto de ficar desconfiado de tudo e a todos e fazendo acreditar de que possa estar sendo espionado.
Gene Hackman entrega aqui um dos seus grandes desempenhos de sua carreira, mas cujo trabalho não foi realizado de forma harmoniosa com o cineasta. Conhecido pelo seu perfeccionismo, Coppola não poupou o ator em nenhum momento, ao ponto que a verossimilhança era a palavra-chave para a construção do personagem, ao ponto de o realizador exigir que Hackamn aprendesse a tocar saxofone nas cenas em que o personagem se separa do seu habitat natural da espionagem. Hoje aposentado, o próprio intérprete diz que esse é o seu personagem preferido e que agradece ter sofrido nas mãos do cineasta como um todo.
Vale destacar que Coppola traria ainda para esse projeto talentos dos quais ele já havia trabalho em "O Poderoso Chefão" que foi no caso John Cazale e Robert Duvall. Se o primeiro teria uma participação curta, porém, primordial dentro da trama, por outro lado, sempre quando John Cazale surge em cena nos faz somente lamentar que o mesmo tenha partido tão cedo e fazendo a gente imaginar quais outros desempenhos a gente poderia ter testemunhado. Curiosamente, um certo jovem Harrison Ford possui uma participação curiosa dentro da trama, sendo que o seu personagem é um tanto que secundário, mas é graças a sua atuação peculiar que faz até mesmo ofuscar Gene Hackman quando ambos contracenam em cena.
O filme também faz parte de uma era em que diversos cineastas norte-americanos buscaram inspiração no cinema europeu. No caso de Coppola, mesmo realizando um filme de sua autoria, ele buscou inspiração em "Blow-Up" (1966) de Michelangelo Antonioni e cuja trama possuem certa similaridade, principalmente com relação a questão sobre os limites éticos com relação ao voyerismo. Neste último caso, é preciso sempre nos lembrarmos no mestre Alfred Hitchcock, do qual era especialista no assunto e sendo que Coppola faz questão de homenageá-lo através de uma enigmática cena em que ocorre dentro de um banheiro e que todos irão se lembrar do clássico "Psicose" (1960).
O ato final, por sua vez, sintetiza tempos paranoicos em que uma parcela da sociedade norte americana acreditava que estava sendo vigiada o tempo todo. Mal eles imaginavam que um dia todas as pessoas do mundo estariam sendo vigiadas através de seus celulares, mas pouco se importando com isso, pois o voyeurismo se tornou uma rotina e cuja sociedade mal se importa. Francis Ford Coppola, por sua vez, não poupou os alertas através de sua obra.
"A Conversação" é um dos melhores e mais pessoais filmes da carreira de Francis Ford Coppola, sendo atemporal e incomodo ao mesmo tempo.
Nota: Relançado em uma edição em especial em DVD pela distribuidora Obras Primas.
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