Nota: Filme exibido para associados no último dia 05/08/23.
Sinopse: Nutrindo um amor doentio por Capitu, Bentinho é tomado por devaneios e ciúme desenfreado.
Machado de Assis é um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, sendo que não é de hoje que as suas obras chamam atenção até mesmo daqueles de fora do país que prestigiam uma boa leitura e que procuram conhecer a nossa história através da literatura. O escritor, por sua vez, talvez tenha tido gosto de injetar nas suas obras as metamorfoses que o nosso país estava vivendo na virada do século vinte, tanto nas questões governamentais, como também da comportamentais e conservadoras, porém, só nas aparências. "Capitu e o Capítulo" (2021), fala sobre paranoias e atritos vindo das relações que se diziam perfeitas nos tempos antigos, mas que não deviam em nada se formos comparar aos nossos tempos.
Baseado no livro "Dom Casmurro" lançado em 1899, o filme é uma adaptação livre da obra do escritor Machado de Assis. Com a proposta de ser um ensaio, a brevidade de capítulos que expandem a figura do narrador, o longa apresenta a personalidade complexa de Capitu (Mariana Ximenes), em contraste com os diálogos inventivos de Bentinho (Vladimir Brichta), e o amor profundo que ele sente pela moça. A paixão visceral clássica da nossa literatura, aqui é vista através de uma nova perspectiva. O enredo também trabalha com a inquietação dos sentimentos humanos, tal qual o ciúme intenso de Bentinho, e todas as intrigas desenvolvidas a partir de suas paranoias.
Quando eu assisti ao filme "O Beijo no Asfalto" (2017), do qual é baseado na obra de Nelson Rodrigues, eu me encantei pela forma em que o diretor Murilo Benício quis adaptar a obra, ao nos apresentar uma trama que transitava entre o cinema, teatro e os ensaios para a construção do enredo. É mais ou menos isso o que ocorre em "Capitu e o Capítulo", onde o realizador Júlio Bressane opta em alinhar a linguagem literária e teatral com a arte de fazer cinema e cujo resultado pode incomodar o público desinformado, mas irá impressionar aqueles que buscam algo que foge um pouco do obvio. Não deixa de ser curioso, por exemplo, ao vermos os atores atuando como se estivessem em um ensaio, ou já se apresentando na frente de um grande público.
Curiosamente, eu percebo uma certa semelhança entre as obras de Machado de Assis com o já citado Nelson Rodrigues e, portanto, não me surpreenda que os seus trabalhos tenham sido tantas vezes levados ao cinema. O ingrediente para isso está no fato de testemunharmos uma faceta diferente das relações de ontem e hoje dos casais e cujo conflitos internos se tornam o chamariz para grandes enredos. Aqui tudo flui para nos levarmos para algo iminente, como se a qualquer momento o conflito pode explodir e levando o casal central ao caminho sem volta.
Mariana Ximenes está perfeita como Capitu, ao criar para si a imagem de uma mulher de personalidade complexa, da qual testa o seu marido a todo momento e ao mesmo tempo revelando pouco de sua real essência. Já Vladimir Brichta sempre me surpreendeu desde a sua incrível atuação em "Bingo" (2017) e aqui ele constrói para si um Bentinho que luta com as suas dúvidas, dilemas e paranoias com relação ao seu casamento, ao ponto de não termos uma exatidão das situações que ocorrem na tela, já que tudo pode ser fruto de sua mente e da qual a mesma cria o cenário para aqueles que estão assistindo. Talvez o ápice seja o momento em que o personagem quebra a quarta parede e cuja dúvida ele nos compartilha.
Embora curto, pouco mais de uma hora e quinze minutos, o filme pode se tornar pesado para alguns, principalmente pela sua atmosfera quase gótica e ao mesmo tempo psicológica e que poderá incomodar os mais desavisados. Ao mesmo tempo é um filme em que mostra o verdadeiro potencial do nosso cinema brasileiro, já que o mesmo é idealizado por realizadores que prezam tanto um cinema mais autoral, como também saber alinhar o mesmo com a linguagem cinematográfica. O resultado foge do lugar comum e fazendo o público se dividir e debater após a sessão.
"Capitu e o Capítulo" é um pequeno ensaio cinematográfico e ao mesmo tempo um curioso cartão de visitas para aqueles que desconhecem as obras literárias de Machado de Assis e que fará muitos saírem do cinema e irem para a livraria mais próxima.
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