Sinopse: Após um esquema criminoso fracassado, Harold se refugia em um Motel. O problema que algo de estranho acontece por lá.
Karim Aïnouz é um cineasta brasileiro que conseguiu construir uma filmografia onde se explorava personagens comuns perante uma realidade complexa e, por vezes, implacável. No ótimo "A Vida Invisível" (2019), por exemplo, testemunhamos duas irmãs unidas desde sempre, mas que se veem separadas devido ao sistema patriarcado vindo do homem. "Motel Destino" (2024) se inicia através de laços de sangue sendo cortados e iniciando uma jornada complexa e perigosa ao longo do percurso.
Na trama, conhecemos Heraldo (Iago Xavier), um jovem de origem humilde que chega ao Motel Destino e transforma radicalmente a vida dos que ali habitam. O motel, administrado pelo complexo Elias (Fábio Assunção) e sua esposa Dayana (Nataly Rocha), torna-se o palco onde a realidade brasileira e suas vidas se interligam. Porém, Heraldo, é perseguido por uma gangue, e ao mesmo tempo sofrendo pela perda precoce do seu irmão.
É interessante observar que a trama em si poderia ser utilizada em qualquer parte do mundo, sendo até mesmo inserida ao subgênero "noir" que teve o seu auge na década de trinta no cinema norte americano. Porém, tudo é moldado pela cultura, cores e costumes do universo do Seara, onde existe uma mistura entre a velhas tradições e o domínio de novos sistemas que surgem por lá, seja ele legal ou ilegal. Neste cenário, Haroldo procura se encaixar, mas dando de encontro com uma realidade dura e por vezes implacáveis demais para se viver.
Karim Aïnouz cria uma curiosa análise sobre o significado da palavra destino, onde basta um passo em falso para a pessoa adentrar em um labirinto cheio de perigos e onde pode correr o risco de não voltar por onde havia começado. No motel onde será o principal cenário dos eventos que seguirão, o realizador faz uma curiosa analise sobre o voyeurismo, onde os personagens principais ficam curiosos com que acontece em cada quarto daquele ambiente, mas quase sempre não vemos o que ocorre. Há, porém, um uso incessante do recurso do som, onde os gemidos e gritos de prazeres são espalhados no local e fazendo a gente se perguntar se há realmente o ato sexual acontecendo em cada recinto, ou algo mais que não pode ser visto.
O cineasta responde isso através de pequenas coisas, desde aos pênis de borracha jogados no local, como também aparição de uma cobra viva na banheira. Por outro lado, a partir do momento em que Harold e Dayana começam a ter relações sexuais acabamos sendo testemunhas do nascimento de algo perigoso e que pode leva-los ao beco sem saída. Isso é sentido principalmente por termos uma noção da personalidade forte de Elias e sendo interpretado de forma magnética por Fábio Assunção.
Galã nos anos noventa em novelas pela Rede Globo, Assunção viveu se recuperando nos últimos anos de problemas pessoais e aqui ele obtém a sua melhor redenção ao construir um personagem imprevisível, cujo seus atos ressoam fortemente e fazendo que os personagens em sua volta temam pelas suas ações inconsequentes. Já Iago Xavier, por sua vez, nos passa em seu Harold um personagem que passou por poucas e boas em sua vida, mas não escondendo certa inocência principalmente em eventos que antecedem a morte de seu irmão. Após essa perda, ao que parece a situação que ele começa se envolver se torna um último teste pera ele continuar nesta realidade ou desistir dela.
Já Nataly Rocha constrói para a sua personagem um ar de ambiguidade com relação as suas ações, desde ao fato de estar casada com Elias, mas também se envolvendo sexualmente com Harold e fazendo a gente se perguntar se isso é paixão ou interesse obscuro. A dúvida fica também com relação ao próprio Motel, do qual se torna uma espécie de outro personagem em movimento, cuja as cores vão mudando de acordo com os eventos que vão acontecendo e tendo somente uma noção a partir do que estamos ouvindo. Curiosamente, o filme me fez relembrar do premiado "Zona de Interesse" (2023), onde assistimos as ações dos protagonistas, mas a gente tendo somente uma ideia com relação ao som que ocorre em volta.
Uma vez que os sentimentos e os prazeres se tornam cada vez mais insustentáveis, o ato final procura nos transmitir um ar mais claustrofóbico e fazendo a gente se perguntar o que irá acontecer em seguida. Ao final, constatamos que a realidade é mais absurda do que qualquer ficção e estar vivo mesmo não tendo nada consigo já é por si só um grande alívio. Ao meu ver, Karim Aïnouz procura desconstruir a figura do homem em um ser frágil, do qual a qualquer momento pode ser quebrado, mas que basta mudar a sua direção para obter então um novo começo.
"Motel Destino" é o retrato de uma geração perdida que aceita qualquer mudança de percurso, mesmo quando algumas se tornam extremamente perigosas para dizer o mínimo.
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