Sinopse: Durante o último ano, Sandra, uma escritora alemã, e Samuel, seu marido francês, viveram juntos com Daniel, o filho de 11 anos do casal, em uma pequena e isolada cidade nos Alpes. Quando Samuel é encontrado morto, a polícia passa a tratar o caso como um suposto homicídio, e Sandra se torna a principal suspeita.
O subgênero "filme de tribunal" pode facilmente ser encontrado dentro do universo de suspense, pois a cada minuto que passa durante o julgamento ele se torna cada vez mais sufocante. Em muitos casos, por exemplo, a pergunta não é sobre quem cometeu determinado crime, mas quem se beneficia com ele, sendo que por esse ponto é que podemos concluir, ou não, determinado caso sendo retratado no longa como um todo. "Anatomia de Uma Queda" (2023) é um emocionante filme de tribunal, do qual a transição entre o drama e o suspense acontece em harmonia e gerando algo até mesmo incomum do que se vê hoje em dia.
Dirigido por Justine Triet, a mesma de "Sibyl" (2021), o filme conta a história sobre um homem que é encontrado morto na neve do lado de fora do chalé isolado onde morava com sua esposa, uma escritora alemã, e seu filho de 11 anos com deficiência visual. A investigação conclui se tratar de uma "morte suspeita": é impossível saber ao certo se ele tirou a própria vida ou se foi assassinado. A viúva é indiciada, tendo seu próprio filho no meio do conflito: entre o julgamento e a vida familiar, as dúvidas pesam na relação mãe-filho.
Justine Triet já surpreende na abertura desse filme, pois a trama começa com a protagonista Sandra (Sandra Hüller) sendo entrevistada dentro de sua casa por uma jornalista enquanto o marido está no andar de cima. Imediatamente o mesmo começa a tocar uma música alta e gerando certa tensão no ar e obrigando a jornalista ter que sair. Não demora muito para que o marido seja encontrado morto e fazendo a gente obter mais dúvidas do que respostas sobre ocorrido.
Durante a investigação e o julgamento, a cineasta nos leva ao passado em determinado ponto do antes e o depois da morte do marido, mas ao mesmo tempo nos colocando em dúvida se aquilo o que a gente vê é algo verossímil ou fruto da imaginação de um dos personagens. Neste último caso, por exemplo, podemos interpretar que é uma forma de como o jovem Daniel, interpretado de forma estupenda por Milo Machado Graner, consegue se lembrar das coisas mesmo não podendo enxergar nada. Ao mesmo tempo isso nos serve como um verdadeiro quebra cabeça que pode ser montado, mas ao mesmo tempo nos levando em um beco infinito.
Mas o lado primoroso da direção fica por conta das cenas do julgamento, onde a cada momento um novo capítulo é revelado sobre os fatos e ao mesmo tempo gerando até mesmo uma situação claustrofóbica em alguns momentos. Sandra se vê a todo momento sendo encurralada, julgada e, por vezes, de forma apressada, mas jamais recuando perante o promotor que na maioria das vezes mais parece um carrasco disposto a decapitá-la. Logicamente, nos passa aquela sensação em alguns momentos de que o julgamento não está sendo exatamente justo com a protagonista, mas a dúvida existe graças a forma como a personagem se apresenta em suas declarações.
Sandra Hüller cria para si uma personagem dúbia, da qual jamais temos certeza se está sendo sincera em suas palavras ou se há um jogo psicológico sendo criado por ela mesma. A situação ainda piora quando determinada gravação é encontrada e cujo conteúdo transita entre os momentos que testemunhamos determinada discussão, para logo em seguida ouvirmos somente o áudio do ápice do conflito. Ponto para diretora que faz com que a gente fique com um conflito interno sobre as motivações dos principais personagens e fazendo com que jamais apontemos o culpado de forma imediata.
Porém, é impressionante que quem rouba a cena do filme como um todo seja justamente o cachorro da família, sendo que o seu olhar curioso não esconde certa tristeza no decorrer da história, pois o mesmo testemunha aquele casal em ruínas e carregando consigo um fardo que o faz se sentir mais velho e cansado. Em um determinado momento, por exemplo, acontece uma cena dramática com o animal, do qual irá fazer muitos recuarem o olhar, mas ao mesmo tempo nos surpreendendo com tamanha verossimilhança que nos passa naquela cena. Não é à toa que o cachorrinho viria a ganhar o prêmio "Palm Dog" no último festival de Cannes.
Dito isso, o filme nos leva a crer que vivemos atualmente em um mundo do qual ficamos facilmente frustrados com os nossos desempenhos em vida e fazendo a gente crer que nada nos resta, a não ser sermos corroídos pela inveja devido ao sucesso de outros em nossa volta. Em tempos que é cada vez mais difícil criarmos uma família e nos tornarmos facilmente mesquinhos ao decidirmos ficar sozinhos em vida, o filme vem em um momento em que a sociedade se encontra em metamorfose e cujo casamento tradicional se encontra em frangalho e fazendo a gente ficar com maior receio sobre o nosso futuro. Portanto, a cena final se torna um consolo, pois sempre haverá um amigo para dividir as dores como um todo.
Vencedor do prêmio de melhor filme no último festival de Cannes, "Anatomia de Uma Queda" nos coloca em dúvida sobre as reais intenções de cada um dos seus personagens e ao mesmo tempo retratando o lado frágil que uma família é construída nos dias de hoje.
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