Sinopse: Virgínia, uma mulher de 70 anos, nunca se casou e nem teve filhos. Ela foi convencida pelas irmãs a deixar a vida que tinha para cuidar dos pais. Agora, Virgínia se prepara para receber as irmãs, que viajam para celebrar o Natal.
Fabio Meira parece gostar de rasgar as cortinas e revelar como é realmente feito as entranhas de uma família brasileira. Em "As Duas Irenes" (2017) ele faz uma análise do que acontece quando segredos estão a poucos metros de nossa casa, mas não são revelados por medo, ou por não assumir a culpa e a responsabilidade com relação aos cenários dos eventos. "Tia Virgínia" (2023) vai mais além, onde o copo simplesmente transborda e não tendo nada para remediar a situação inevitável e do qual acabamos nos identificando.
O filme conta a história de uma mulher (interpretada por Vera Holtz) de 70 anos que não tem nenhum filho e nunca se casou, e acaba sendo convencida pelas irmãs, Vanda (Arlete Salles) e Valquíria (Louise Cardoso), a se mudar para outra cidade a fim de cuidar dos pais. Se passando em apenas um dia, o filme acompanha a preparação de Virgínia para receber as irmãs que estão vindo até sua casa para celebrar o Natal.
A cena de abertura é simbólica, onde vemos a protagonista movimentar os ponteiros de um antigo relógio, como se ela quisesse avançar no tempo rapidamente, ou então retrocedê-lo para que possa, então, resolver algo do passado. Porém, não há como retornar, mas sim ter que encarar o fato de que a responsabilidade veio ao ter que cuidar da mãe enferma enquanto as demais irmãs sempre deram uma desculpa para fugir da responsabilidade. Quem passa ou já passou por uma mesma situação irá se identificar com o filme de forma imediata.
Mas Virgínia, talvez, seja uma representação do nosso "eu" que nunca aflora, seja por medo das consequências, ou de simplesmente não querer perder a pessoa próxima. Uma vez que revela a sua verdadeira face nada lhe detém, mesmo tendo que encarar os seus demônios do passado de frente, mas de forma potencializada e que dificilmente pode ser parada. Atriz veterana de novelas, além de diretora de teatro, Vera Holtz chega aqui no ápice de sua carreira, pois embora eu tenha testemunhado grandes desempenhos seus no passado nenhum supera o que é visto aqui como um todo.
Sua Virgínia é uma entidade da natureza, cuja sua jaula estava aberta e pronta para atacar uma vez que não tem mais motivos nenhum para se sentir presa. Sua atuação é tão intensa e assombrosa que dificilmente nos lembraremos das atuações das atrizes que interpretam as irmãs, mesmo quando as mesmas são interpretadas por grandes talentos como Arlete Salles e Louise Cardoso. Devo salientar que cada uma ali possui os seus conflitos internos, dos quais tentam conte-los, mas uma vez que os ânimos se encontram aflorados não tem mais do que esconder.
O filme é um retrato mórbido da verdadeira cara da família brasileira, da qual muitas vivem das aparências, mas que a qualquer momento esse teatro pode acabar ficando em pedaços. Neste último caso, o filme flui muito bem com relação ao fato de transitar entre o cinema com elementos teatrais, pois quase toda a trama se passa em um único cenário, ou seja, a casa que no final das contas é disputada internamente pelas irmãs. Isso faz com que gere em nós uma sensação claustrofóbica e da qual me remete ao que já foi visto em filmes como "A Morte da Donzela" (1994), ou "Deus da Carnificina" (2011) de Roman Polanski.
Do segundo ao terceiro ato não há mais como fingir, seja sobre as dores internas, ou pelo fato de erros não poderem mais serem camuflados. Portanto, a sequência final do terceiro faz com que o filme facilmente se torne o melhor longa brasileiro do ano, pois foi criada em um plano-sequência para que nos dê a sensação de que algo muito importante acontecerá e uma vez quando acontece não pode mais voltar. Curiosamente, a última cena da personagem me fez lembrar da cena final do clássico "Os Incompreendidos" (1959), pois em ambos os casos o destino dos protagonistas fica em aberto e diante deles está um mundo a ser explorado.
"Tia Virgínia" é um filme de humor sombrio do qual nos identificamos, pois sempre temos aquele desejo de falarmos umas verdades para o nosso próximo, sendo que os mesmos fogem por medo de encarar os fatos.
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