Os anos sessenta foi o ano da metamorfose para a sociedade norte americana, da qual não se sustentava mais em vender para o mundo o retrato de uma realidade perfeita. Com o assassinato de Kennedy e a explosão da Guerra do Vietnã surgiu então uma juventude rebelde que pregava a lei paz e a amor e da qual ia contra o sistema imperialista norte americano. Os anos se passam e percebemos o quanto aquela geração estava certa ao contestar os seus poderosos, pois os mesmos jogam a juventude para uma guerra não declarada e fazendo com que se tornem gados em direção ao matadouro.
O movimento da "Nova Hollywood" serviu para jovens cineastas saírem do armário, ao levarem as suas câmeras para as ruas e revelar ao mundo os EUA que não se via em tempos de Código Hays. Se em "Taxi Drive" (1976) retratava uma Nova York jogada na lixeira, por outro lado, "Sem Destino" (1969) mostrava persistência de uma juventude em seguir o seu rumo em meio ao preconceito vindo do conservadorismo norte-americano. "Hair" (1979) se assemelha mais a esse último, ao retratar uma sociedade adentrando em uma guerra enquanto uma outra parcela dela foge para se sentirem livres.
Dirigido por Milos Forman, o mesmo de "Um Estranho no Ninho" (1975), o filme conta a história de Claude (John Savage), um jovem do Oklahoma que foi recrutado para a guerra do Vietnã, é "adotado" em Nova York por um grupo de hippies comandados por Berger (Treat Williams), que como seus amigos têm conceitos nada convencionais sobre o comportamento social e tenta convencê-lo dos absurdos da atual sociedade. Lá Claude também se apaixona por Sheila (Beverly D'Angelo), uma jovem proveniente de uma rica família.
O filme é baseado no musical de mesmo nome encenado na Broadway. Embora as duas versões partilhem algumas das canções e nomes de personagens, ambas são radicalmente diferentes em vários aspectos, incluindo enredo, quais músicas são cantadas, quais personagens interpretam cada canção e até a maneira como os personagens são retratados. Isso, porém, não impediu que o filme fosse um sucesso de público e crítica, pois a obra vinha exatamente em um período que o cinema ainda contestava o mundo em que vivia, mesmo quando essa força perderia o seu poder com a chegada dos anos oitenta.
Curiosamente, o filme veio em um momento em que o musical estava quase instinto, pois assim como o faroeste, foi um gênero bastante usado no passado e caindo aos poucos ao esquecimento. Porém, diferente dos seus pares do passado, o filme usa as músicas para falar sobre o mundo em sua volta e dando a voz para pessoas que eram perseguidas na época. Se ainda hoje lutamos contra o preconceito naquela época era ainda pior e ao vermos personagens negros cantando em momentos inesquecíveis dentro da trama constatamos o quanto o filme era frente da sua época.
A música "Aquárius" é apontava até hoje como a música mais bem lembrada do clássico, pois ela transita entre a fantasia e a realidade em que os personagens convivem, sendo que nós constatarmos que há uma divisão de classes e da qual uma é tratada pela outra como se jamais existisse. Desta divisão temos então Claude, o bom moço que está indo em direção a guerra, enquanto Berger lidera a trupe do "paz e amor" e que faz de tudo para que Claude faça parte dessa realidade que ainda desconhece. São dois lados da mesma moeda, sendo que um deseja seguir as regras impostas pelo sistema, enquanto o outro contesta as regras que são criadas pela elite velha e branca.
Ou seja, o grupo vai contra a maré em meio a uma sociedade que segue somente linha reta e da qual não contesta. Ao mesmo tempo eles se metem em situações que o fazem se questionar se seguem esse princípio de forma coerente e fazendo com que assim conheçam as duas realidades. Neste último caso, tanto Claude como Berger trocam os seus respectivos papeis neste cenário e cujo desdobramentos se tornam imprevisíveis.
O filme, portanto, é uma grandes opera, um retrato de um período de incertezas, onde uma sociedade se via dividida em acreditar em um país disposto a destruir e conquistar ou buscar uma saída através da paz. Vale salientar que anos antes Norman Jewison havia lançado o seu "Jesus Cristo Superstar" (1973), um filme polêmico, porém, corajoso ao retratar os últimos dias de Jesus Cristo transitando entre o passado e o presente e fazendo a gente crer que nos dias atuais ele seria crucificado novamente. A meu ver a mensagem do filho de Deus foi passada, mas a elite finge compreendê-la.
"Hair" ainda faz parte de um cinema norte-americano contestador e que merece ser mais bem lembrado quando se estuda o período sobre a "Nova Hollywood”.
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