"Eu Acredito Na América"
Essa frase abre o prólogo do filme que hoje é considerado um clássico, "O Poderoso Chefão" (1972). Na abertura, vemos o depoimento Amerigo Bonasera (Salvatore Corsitto), imigrante italiano e que se mudou para os EUA por acreditar no sonho americano. Em território estrangeiro ele se torna dono de uma funerária bem sucedida, mas que vê o sonho em que acreditava virar poeira ao ver sua filha ser estuprada por um bando de delinquentes e cuja a justiça da qual o mesmo acreditava não fez nada.
Dirigido por Francis Ford Coppola, a cena se torna ainda mais emblemática pela forma em que nos é apresentada. A primeira visão que temos é de Bonasera contando a sua história, enquanto a câmera do cineasta vai se distanciando e apresentado aos poucos o cenário em que o mesmo se encontra. Ao final do seu depoimento só então que finalmente conhecemos Vitor Corleone e do qual é magistralmente interpretado por Marlon Brando.
Tanto as palavras de Bonasera como a resposta que Vitor faz a ele nesta abertura sintetiza a proposta que Coppola quer nos passar através do seu filme, assim como também a ideia principal de Mario Puzo, realizador do livro que deu origem ao projeto e sendo também mentor do roteiro. Ambos falam do sonho americano, do qual o país vende que é a terra da prosperidade e que está aberta para todos os povos do globo. Um país construído com uma grande parcela de imigrantes, mas cujo os mesmos lutam para sobreviverem e na espera de falsas promessas.
Ao chegar à terra prometida se percebe que é preciso, ou seguir as regras do jogo, ou então criar o seu próprio para conseguir determinado status. Alinhado com "O Poderoso Chefão - Parte 2" (1974) Coppola cria um épico sobre uma parte da história norte americana, iniciada na cidade Corleone da Itália e encerrada em um momento da história em que do sonho somente restou vagas lembranças douradas de um tempo cheio de promessas. Mais do que um filme sobre gangster a obra fala sobre amadurecimento e numa nova forma de se enxergar o mundo e isso é muito bem representado pela presença de Michael Corleone e do qual foi interpretado pelo até então desconhecido Al Pacino.
Ao acreditar no sonho americano, Michael se alistou para o combate na 2ª Guerra Mundial e posteriormente retornou para sua família ainda acreditando que pode construir uma vida através das promessas vindas da terra prometida. Porém, ao ver o seu pai sofrendo um atentado de uma gangue rival começa então a jornada de Michael para uma nova realidade, da qual lutará pelo bem estar de sua família, mas pagando um alto preço ao longo dessa jornada. Al Pacino se entrega de corpo e alma no melhor papel de sua carreira e cuja a sua cena do restaurante do qual ele toma uma decisão que mudará sua vida para sempre está entre os melhores momentos da história do cinema.
Embora tenha tido atritos com os produtores na época, principalmente por insistir na escolha do seu elenco, Francis Ford Coppola aproveitou a ocasião para falar um pouco sobre suas raízes. Com a participação de sua família dentro do projeto, o cineasta criou um longa em que retrata os costumes de uma família italiana, mesmo quando a mesma se vê envolvida no universo da máfia. Vale destacar que o filme marca a estreia de sua irmã Talia Shire como atriz, da qual a mesma faz a filha de Vitor Corleone e que posteriormente se tornaria ainda mais conhecida ao interpretar Adrian no filme "Rocky" (1976).
"O Sonho Acabou"
"O Poderoso Chefão" veio em um momento que Hollywood perdia a sua inocência, principalmente em uma época que a contracultura estava a todo o vapor e o mundo real não poderia mais ficar no lado de fora da sala escura. Com advento da "Nova Hollywood" surgiram filmes que carregavam o peso dos tempos de um país que se encontrava pra baixo devido a Guerra do Vietnã, o escândalo Watergate e uma crise financeira que não se via desde a quebra da bolsa de 1929. Porém, a semente para essa virada de mesa está mais precisamente em 22 de novembro de 1963.
O Presidente norte-americano John Kennedy foi assassinado em Dallas, no Texas ao ser atingido por disparos que simplesmente abriram o seu crânio. A cena vista posteriormente em imagens de arquivos fizeram com que, finalmente, a sociedade norte americana saísse de sua bolha ilusória sobre um mundo perfeito. Por conta disso, aos poucos, o cinema norte americano se via em um beco sem saída, pois a violência antes sem sangue de um simples faroeste não poderia mais ser reconhecida aos olhos de um público que já havia testemunhado o lado cru do mundo.
Em 1967, o diretor Arthur Penn lança o filme que se tornaria a porta de entrada da nova "Nova Hollywood". "Bonnie e Clyde" não somente retratou os dias de aventura do mais famoso casal de roubo de bancos dos anos trinta, como também um retrato da transição da inocência norte americana para um cenário em que um passo em falso poderia gerar um sério risco. A cena do assassinato do casal central nos minutos finais do filme é emblemática, pois simboliza o que o norte americano testemunhou ao olho nu em 22 de novembro de 1963.
A cena final de "Bonnie e Clyde" serviria de inspiração para que Francis Ford Coppola construísse a cena que também entraria para a história do cinema. A morte de Sonny Corleone (James Caan), do qual o mesmo foi metralhado por diversas balas, simboliza a morte da inocência de alguns personagens da trama como no caso de Michael Corleone. Porém, ao saber da morte do filho, Vito Corleone age com certa frieza, pois já sabe como se joga em uma realidade cheia de máscaras.
"O Começo do Fim"
Olhando para trás se percebe que a trilogia mafiosa de Francis Ford Copolla fala mais sobre ascensão e a queda de Michael Corleone, que antes acreditava no sonho americano para logo depois entender que é preciso ser duro se quiser continuar vivo. Com a morte do seu pai, Michael decide eliminar todos aqueles que ele considera uma grande ameaça, em uma cena emblemática e que se distancia da sua imagem inocente e cheio de vida no início da trama. Ao se tornar poderoso, Michael ao mesmo tempo perde o que é mais precioso que é a sua família e isso é muito bem representado nas cenas finais das duas partes da trilogia.
Na primeira, vemos Michael mentido para a sua esposa Kay (Diane Keaton) sobre os assassinatos, para logo depois se fechar em sua sala e sendo cortejado pelos seus principais aliados. No final do segundo filme, após ter mandado matar o seu próprio irmão Fredo (John Cazale), Michael relembra tempos mais dourados, reunido com os seus irmãos em uma sala de jantar para aguardar a chegada do seu pai, mas ao mesmo tempo anunciando que está partindo para a 2ª Guerra Mundial. Inconformados, cada um sai da sala aos poucos e deixando Michael para atrás, enquanto os demais festejam a chegada do pai.
A cena marcaria a volta de Marlon Brando como Vitor, mas que devido atritos da época acabou não comparecendo para as filmagens. Porém, a cena se torna ainda mais impactante, pois mesmo ausente sentimentos a presença do personagem, da qual surge pelas lembranças de Michael, de uma época em que a sua inocência ainda estava intacta assim como também a sua família. Para Coppola, esse seria o final definitivo dessa saga mafiosa, sendo que "O Poderoso Chefão - Parte III" (1990) nada mais foi do que um filme exigido pelo estúdio, muito embora feche a trilogia com certa dignidade e respeito.
A obra prima "O Poderoso Chefão" é sobre a perda da inocência, em que as falsas promessas vindas de uma nação são facilmente descartadas a partir do momento em que o indivíduo descobre sobre a melhor e a pior maneira de sobreviver neste mundo.
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