Nos dias 24 e 25 de novembro, estarei
participando do curso Neorrealismo Italiano, criado pelo Cena Um e
ministrado pelo jornalista Franthiesco
Ballerini. Enquanto os dois dias não chegam, estarei por aqui escrevendo sobre
os principais filmes, desse movimento que é considerado um dos mais importantes
da historia do cinema mundial.
A Terra Treme
Sinopse: Logo após a Segunda Guerra,
num pequeno porto da Catania, uma família de pescadores tenta escapar dos
patrões (canotieri) que os exploram. Hipotecam a casa para se estabelecerem por
conta própria, mas acabam arruinados.
No elenco, estão exclusivamente atores
não profissionais. Aliás, Visconti convidou os próprios moradores de Trezza. Os
créditos iniciais desta obra, em vez de listar o nome dos intérpretes, anuncia
apenas que o elenco é formado por “pescadores sicilianos”. Até porque seria
impossível imaginar aquela pobre gente interpretando outra coisa.
Em Trezza, os habitantes são
castigados pelo sol, pela areia, pelo vento. As mulheres estão sempre de preto,
ocupando-se dos afazeres domésticos, procuradas pelos namorados como uma
espécie de “refúgio sentimental”. De dia, os homens preparam os barcos e as
redes; à noite, saem para trabalhar. Lá, até as crianças ajudam no sustento da
casa, pescando com os seus familiares ou vendendo frutas de porta em porta. Uma
vida dura e sofrida.
Visconti quis apontar em A Terra Treme
um ciclo de desigualdade e injustiça que perdura até hoje em diversos países
africanos, latino-americanos e asiáticos (e até, sim, em nações desenvolvidas):
a exploração dos pobres pelos ricos. Os trabalhadores do mar, à beira da
miséria, são obrigados a vender o seu pescado aos comerciantes por preços
baixíssimos. Obviamente, isso ajuda na prosperidade dos comerciantes, que
revendem a mercadoria em outras cidades a preços elevados, mas não altera em
nada a vida dos pescadores... Um deles resolve se rebeliar. O herói chama-se
‘Ntoni (abreviação de Antonino) Valastro.
Assim como faria em Rocco e Seus
Irmãos anos mais tarde (contudo com menos brilho), Visconti toca num assunto
delicado: a desintegração de uma família devido à escassez de recursos. Coca,
um dos irmãos Valastro, foge da vila aparentemente para trabalhar com tráfico
de cigarros (basta lembrar que muitos clãs de mafiosos e traficantes surgiram
naquela mesma ilha italiana durante a primeira metade de século 20).
A Terra Treme promete deixar muita
gente com um nó na garganta, assim como quase todo o bom filme produzido em
Itália entre as décadas de 40 e 60. A Terra Treme e as demais fitas
neo-realistas daquele período, como Europa ’51, Umberto D., etc., são muito
pesadas e sérias para qualquer tipo de público. Contudo, são testemunhos de uma
época que não pode ser esquecida.
O Leopardo
Sinopse: Sicília, durante o período do
"Risorgimento", o conturbado processo de unificação italiana. O
príncipe Don Fabrizio Salina (Burt Lancaster) testemunha a decadência da
nobreza e a ascensão da burguesia, lutando para manter seus valores em meio a
fortes contradições políticas.
Em 1963, data do filme, estamos num
ano em que se pode finalmente discutir o cinema italiano como dos mais
importantes no mundo inteiro. Após a revitalização do cinema que foi o
neo-realismo, surgiram ao longo da década de 50, e nos primeiros anos da
seguinte, várias fitas e realizadores-autores que se impuseram como verdadeiros
vanguardistas do cinema ou excelentes contadores de histórias, colados à
tradição italiana. Aqui encontramos nomes como Michelangelo Antonioni e a sua
fantástica trilogia L'Avventura (1960), La Notte (1961) e L'Eclisse (1962),
Federico Fellini com I Vitelloni (1953), La Strada (1954), e sobretudo La Dolce
Vita (1960) e Otto e Mezzo (1963), Roberto Rossellini e Vittorio de Sica,
mestres do neo-realismo, já a servirem de inspiração, e finalmente Luchino
Visconti, com obras como Senso (1954), Le Notte Bianche (1957) e Rocco e i suoi
Fratelli (1960).
A obra seguinte de Visconti é exatamente Il Gattopardo, um épico de três horas sobre o momento mais marcante
da história da Itália - naturalmente, a sua libertação e unificação. Ao longo
do filme seguimos este evento visto pela família, e sobretudo, pelos olhos do
príncipe Don Fabrizio Salina, numa interpretação fantástica de Burt Lancaster.
Podemos ver como, apesar de tantas lutas, tantos gritos, tanta vontade, o
essencial fica na mesma. Os nomes continuam, a essencial rotina da nobreza,
como explica o genial padre Pirrone, não muda, as classes não vão acabar, as ideias
são ideias, mas o povo italiano, os seus modos e tiques, e acima de tudo, o
siciliano, esse, não quer mudança, ou melhor, quer mudar tudo para ficar tudo
na mesma - escondidos no seu cantinho, lamentando-se diariamente pela tarefa
inevitável do viver pesado.
E pela história de um país, das suas
personagens e cenas típicas genialmente interpretadas, vemos cenários
fabulosos, dignos da arte mais impressionista ou da arte mais ricamente
realista. Desde o forrado da sala, aos vestidos das senhoras, aos pratos
servidos, à disposição de cada um pelo ecrã scope, cada plano aparece-nos como
um quadro eterno, uma imagem digna de um sonho, vindo da maior sensibilidade do
belo de todas - a de Visconti.
Mesmo os choques encaixam-se na
fluidez da filmagem, as aparições geniais como a de Don Calogero Sedara, novo
burguês tosco pinto-calçudo, que se diverte ao calcular tanta riqueza antiga
que o rodeia por equivalências em hectares e propriedades, a entrada da
fabulosa Angelica, Claudia Cardinale no seu papel mais carnal e fatal, ou as
barulhentas tropas e o seu general de botas por dentro de um último baile da
mais alta e exclusiva classe. A mesma atriz é protagonista, com Alain Delon,
de uma das cenas mais eróticas da história do cinema, ao se
"passear", com o seu noivo, pela casa abandonada, já demasiadamente
vazia para poder controlar tanto desejo.
E no fim, o que temos, é a morte do Leopardo,
genialmente filmada por Visconti através, desta vez, de um verdadeiro quadro, e
de uma valsa, a pontuar o auge da decadência mais bela do cinema. É ele que
segue sozinho por entre os tiros de uma guerra inacabada, que ele próprio
aceitou naturalmente, uma guerra que já não travará totalmente, nem precisará.
Segue o seu sobrinho (Alain Delon), financeiramente equivalente a uma suposta
classe média, que protege a sua noiva burguesa, bela, e rica (Claudia Cardiale)
dos brutos sons vindos do exterior do seu coche.
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