Sinopse: Em um futuro próximo, Joana trabalha como escrivã em um cartório e, profundamente religiosa e devota à ideia da fidelidade conjugal, sempre tenta demover os casais que volta e meia surgem pedindo o divórcio. Porém, a situação muda quando ela própria enfrenta uma crise em seu casamento.
Os filmes de ficção, digo aqueles que propõem que a gente faça uma reflexão, nos apresentam quase sempre tramas que são na realidade uma metáfora com relação ao nosso próprio presente. Em tempos nebulosos atuais do Brasil, onde a igreja evangélica tenta ditar as regras no Supremo, isso acaba servindo para se fazer com que a gente pense sobre o nosso futuro inconclusivo. "Divino Amor" é corajoso ao recriar um futuro não muito distante do nosso Brasil, mas que fala muito sobre esses tempos conservadores de hoje e que, por vezes, soam muito hipócritas.
Dirigido por Gabriel Mascaro, do filme "Boi Neon" (2015), o filme conta a história de Joana (Dira Paes), que trabalha como escrivã em um cartório, do qual é profundamente religiosa, devota à ideia da fidelidade conjugal e que sempre tenta demover os casais que volta e meia surgem pedindo o divórcio. Por esse posicionamento firme consigo mesma, ela sempre fica na espera de algum reconhecimento, pelos esforços feitos e no desejo de um dia ser mãe. Contudo, a situação muda quando ela própria enfrenta uma crise e que fará ela se testar perante sua fé.
Embora se passe no futuro, mais precisamente no ano de 2027, "Divino Amor" não se distancia visualmente do nosso mundo atual, principalmente ao possuir uma fotografia e edição de arte que remete esses tempos de nostalgia com relação aos anos 80. Ao mesmo tempo, se assemelha ao universo da ficção vista em “1984”, do escritor inglês George Orwell, e ou “Metrópolis”, do cineasta alemão Fritz Lang e cujas as obras eram uma metáfora sobre a época em que elas haviam sido criadas. "Divino Amor" é sobre o Brasil atual, cada vez mais embriagado por lições hipócritas de algumas religiões, mas que por de trás da cortina há planos maiores para se contestar.
Não que Gabriel Mascaro esteja jogando pedras contra aos evangélicos, pois ao meu ver, o que é mostrado ali não é muito diferente do que se é mostrado nos infindáveis cultos que se espalham nas tvs abertas hoje em dia. Mas, curiosamente, há uma informação que o Brasil daquele futuro ainda é laico, mas uma única religião domina os meios burocráticos e que, por vezes, tornam as pessoas muito mais fáceis de se tornarem um novo rebanho. Esse rebanho, aliás, se torna o combustível para os que dizem que servem a Deus, quando na verdade há uma grande hipocrisia por detrás de cada palavra.
A protagonista Joana é uma grande devota, incapaz de recuar no que acredita, mesmo quando os seus sonhos quase nunca são alcançados. Na medida em que a trama avança, percebemos uma figura forte por fora, mas prestes a desmoronar por dentro, mesmo continuando no que acredita como um todo. Dira Paes obtém uma ótima atuação em cena, já que Joana é uma pessoa que guarda para si uma força que ela própria não compreende, mas que acredita cegamente em uma força maior para ser seguida fielmente.
No momento em que ela realiza o seu sonho tão desejado, é aí que a hipocrisia e a burocracia, da qual ela tanto convive no seu dia a dia, é direcionado contra ela, mesmo tendo sido devota até o seu final. Embora o ato final já tenhamos uma ideia do que irá acontecer, é interessante ressaltar a coragem dos realizadores em nos trazer uma proposta como essa e que nos faça pensar, independente de qual religião você tiver. “Divino Amor” é uma pequena obra contestadora e que experimenta contestar sobre o caminho em que o Brasil pode chegar.