Sinopse: Dois bandidos, Santamaria e Urtiga, saem pelo Rio de Janeiro cometendo atos de violência. O místico Santamaria acredita que está se aproximando de um anjo que limpará sua alma. Urtiga, um marginal ingênuo, segue os passos do amigo e cúmplice, acreditando também no anjo da salvação.
O primeiro contato com o cinema marginal brasileiro que eu tive foi há vários anos na rede Manchete. O antigo canal exibia aos sábados à noite filmes clássicos que nunca me esqueci como, por exemplo, "Vidas Secas" (1963) e do qual neste caso era pertencente ao Cinema Novo. Quanto ao cinema marginal tudo era para mim algo estranho, principalmente para uma criança tão acostumada com o cinema convencional norte americano.
Com o passar dos anos esse tipo de cinema logo foi me atraindo mais pelo seu lado naturalista de se filmar, onde uma geração de jovens cineastas brasileiros decidiram pegar a câmera e usar cenários naturais para desenvolver histórias, por vezes, mais experimentais do que as tradicionais que estávamos acostumados naqueles tempos. Júlio Bressane foi um desses realizadores do cinema marginal brasileiro que deu um toque simplista, porém, poético e ao mesmo tempo irresistível.
É de sua autoria o clássico "Matou a Família e foi ao Cinema" (1969), onde a história dentro da história nos faz levantar inúmeras teorias sobre o que a gente está assistindo na tela. No mesmo ano o realizador lançaria também "O Anjo Nasceu" (1969), filme que mexeu com os meus sentimentos quando assisti pela primeira vez na Rede Manchete, pois não sabia como administrar tudo aquilo. Anos mais tarde esse e os demais filmes do cinema Marginal Brasileiro foram analisados pelo jornalista Leonardo BomFim no curso do Cine Um em 2017 e que mais recentemente lançou atividade com maior profundidade.
Rever "O Anjo Nasceu" é me dar conta que o longa era algo à frente do seu tempo, atual na primeira vez que eu havia assistido e mais atual do que nunca nos tempos em que vivemos. Os dois protagonistas, interpretados pelos ótimos atores Hugo Carvana e Milton Gonçalves nada mais são do que seres marginalizados, perdidos em sua própria realidade e se entregando ao lado mais sombrio da alma humana. Ao mesmo tempo, a partir do momento que se entregam para a violência, me parece que há uma busca pela redenção que dificilmente irá chegar, mas que prossegue nesta descida ao inferno acreditando em alguma passagem milagrosa para dizer o mínimo.
Assim como "Matou a Família e Foi ao Cinema", o filme é intercalado com imagens que, até certo ponto, não tem certa ligação com o enredo principal. Há, por exemplo, uma cena de um casamento, onde nos passa a impressão de ela está sendo documentada, pois as pessoas em cena agem de forma naturalista e olhando para câmera. Porém, a minha parte preferida destes momentos é quando surgem cenas da viagem à lua, mas posteriormente dando a entender que os dois protagonistas estão assistindo esse evento pela tv.
O filme não procura dar lições de moral para o espectador que assiste, mas sim somente nos passar uma realidade nua e crua de uma violência de uma geração perdida, da qual não sabia ao certo o caminho que trilhar e principalmente em um Brasil refém de um sistema ditatorial da época. Não é à toa que por muito tempo o filme foi censurado, ao ponto de ser somente liberado anos mais tarde, assim como foi para outros títulos da época como "O Despertar da Besta" (1970). Esse e outros filmes do Cinema Marginal Brasileiro foram uma espécie de cinema da resistência e que revisto hoje nos faz ficar imaginando até onde iria se não tivessem sido perseguidos pelo sistema ditatorial dos tempos de chumbo.
Com um final fora do comum, "O Anjo Nasceu" é um belo representante de uma das fases mais criativas, ousadas e corajosas do nosso cinema brasileiro.
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