Sinopse: Imagens de câmeras policiais revelam como uma antiga briga de vizinhos acabou em morte nesta obra sobre medo, preconceito e a lei de legítima defesa nos EUA.
Há onze anos eu participei de um curso do Cine Um intitulado "O que é um Documentário?" e que foi ministrado pelo jornalista Rafael Valles. Na atividade eu testemunhei os mais diversos tipos de longas deste formato, tanto de pessoas se pronunciando na frente das câmeras, como simplesmente as imagens nos conduzindo em determinados eventos e fazendo com que o realismo assuma o comando como um todo. Assistir ao documentário "A Vizinha Perfeita" (2025) me fez relembrar dessa atividade e de como certos projetos podem ir muito além do obvio.
Dirigido por Geeta Gandbhir, o documentário explora os atritos de vizinhos que resultaram em uma pessoa sendo morta a tiros no estado da Flórida, nos Estados Unidos. Através das imagens obtidas pelos policiais que usavam câmeras corporais, testemunhamos as primeiras brigas entre os vizinhos, que aos poucos vai se encaminhando para algo imprevisível. Além disso, o documentário explora diversos assuntos, desde o preconceito, como também leis estaduais norte-americanas, inclusive a Stand Your Ground.
Diferente da maioria dos documentários tradicionais a que nós assistimos, aqui não há uma interação entre a cineasta e os envolvidos. A realizadora, por outro lado, opta em somente coletar informações através das imagens que foram liberadas para ela, desde as câmeras que os policiais usam em serviço, como também as que se encontram nas principais casas onde ocorrem os principais acontecimentos do documentário. O resultado é uma obra crua, onde não há nada inventado de forma forçada, mas sim somente ação e reação de pessoas reais perante situações verdadeiras, mesmo quando elas beiram a tragédia.
Por conta disso, ficamos somente testemunhando os fatos, cujas câmeras trêmulas e sempre em movimento nos conduz aos acontecimentos e moldando a situação para que possamos aos poucos compreender o que está acontecendo. O simples atrito de duas vizinhas em qualquer cidade dos EUA acaba se tornando um exemplo sobre como as leis de lá facilitam que certas tragédias como essa aconteçam. Além do uso fácil do porte de armas, as pessoas têm o direito de se defender usando algo letal contra opositor, mas correndo o risco da situação se tornar algo fora do controle.
Curiosamente, eu não me senti no direito de escolher um lado da situação, mas sim na obrigação de analisar os fatos que ocorreram. Susan Lorincz, responsável pela morte de Ajike "AJ" Shantrell, é que tem o maior destaque em cena, ao sempre chamar a polícia devido à invasão do seu quintal pelos filhos da vítima. Nota-se, por exemplo, que Susan não quer contato nenhum com eles, demonstrando não somente uma posição racista não velada, como também alguém que foi moldada através do medo e da paranoia.
Por mais que aparenta ser uma pessoa simples, ela não esconde um ser que pode cometer um ato hediondo unicamente pela falta de informação e comunicação pelo próximo. Não há cercas no cenário dos acontecimentos, mas sim somente o preconceito que separam aquelas pessoas e gerando assim o atrito que os levaram ao caminho sem volta. Embora apareça pouco em cena, Ajike "AJ" Shantrell, se torna não somente uma vítima, como também mais um símbolo de resistência perante o preconceito e do qual precisa ser combatido.
No final das contas, não há mocinho e bandido que surgem na tela, mas sim pessoas normais cujo seus costumes foram moldados por um sistema de leis ultrapassados e que precisam ser modificados. O certo e errado acabam se tornando um mero detalhe quando determinadas leis facilitam as pessoas a cometerem atos que se acham no direito de colocar em prática, quando na verdade as fazem atravessar uma linha que pode lhe custar muito. Cabe não somente julgarmos as pessoas neste caso, como também as leis que moldam esse mundo.
"Uma Vizinha Perfeita" é um retrato cru e realista de uma situação que poderia ser evitada, mas cujo estado foge da situação para não ser analisada.
Onde Assistir: Netflix.
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