Sinopse: Uma reclusa estilista se enclausura em seu carro blindado para se proteger de uma revolta dos trabalhadores da fazenda de sua família. Separados por uma camada impenetrável de vidro, dois universos estão prestes a colidir.
Nos últimos dez anos o Brasil observou de perto a abertura da sua "Caixa de Pandora" e da qual jamais foi fechada. Pode-se dizer que de 2016 para cá se cresceu tanto o discurso de ódio uns contra os outros que as pessoas simplesmente se cegaram e começaram a criar uma divisa invisível entre as classes, raças e credos. "Propriedade" (2023) talvez seja uma simples síntese sobre esses fatos ditos, mas que não esconde o lado grotesco dessa divisão e da qual não existe uma cura tão cedo.
Dirigido por Daniel Bandeira, o filme conta sobre dois universos que estão prestes a colidir, quando uma revolta de trabalhadores começa. Traumatizada por um caso de violência urbana, a reclusa estilista Tereza (Malu Galli) se refugia em uma fazenda da família na tentativa de se recuperar. Mas quando seu marido anuncia aos trabalhadores do local a sua intenção de vênde-lo uma revolta acontece. Para se proteger do levante dos trabalhadores Tereza se enclausura em seu carro blindado e mesmo separados por uma camada impenetrável de vidro, o conflito é inevitável.
O prólogo já começa de forma chocante, onde vemos Tereza sendo ameaçada de morte por um ladrão que está fazendo dela como refém e terminando a situação de forma trágica. Já nestes primeiros minutos testemunhamos a morte como espetáculo, onde uma parcela de uma sociedade comemora a morte do bandido, quando na verdade nunca se poderia comemorar a morte de nenhum dos lados daquela situação. Uma clara referência ao termo "bandido bom é bandido morto" e do qual se tornou corriqueiro em um Brasil que, infelizmente, não esconde mais o seu lado fascista já há mais de dez anos.
Por outro lado, se a classe dominante reprime aqueles que passam por necessidades, por outro lado, esses últimos colocam para a fora toda a sua fúria após anos de repressão e revelando um lado obscuro e do qual faz a gente até mesmo temer pelo destino dos dominadores. No filme, eles são retratados como marido e mulher, sendo que Tereza ficou tão traumatizada pelo que ela passou que simplesmente teme tudo e a todos e não abrindo espaço para o diálogo. Por conta disso, sentimos pena pelo que ela passou, mas ao mesmo tempo questionamos a sua falta de comunicação perante os demais personagens em cena, sendo que o seu olhar transita entre o medo e a raiva e fazendo gerar um conflito dentro de nós, pois ficamos divididos se devemos ou não a apoiar ela perante essa situação inusitada.
Malu Galli nos brinda com uma atuação espetacular, onde a sua personagem começa a sentir na pele o verdadeiro horror de verdade quando ela se vê presa dentro do seu carro e não podendo sair, pois do lado de fora lhe esperar a morte certa. Já os trabalhadores da fazenda vistos na tela cada um ali tem uma história para contar, sendo que as marcas na pele e no olhar profundo desvendam pessoas que resistiram perante o preconceito dos poderosos e que achavam que poderiam sustentá-los através da migalha que era simplesmente jogada ao vento.
Portanto, o carro blindado seria uma espécie de grande muro que a elite cria para se separar da classe trabalhadora, mesmo quando a mesma é a força matriz e da qual se tornaram as verdadeiras engrenagens do sistema, porém, não sendo reconhecidos pela sua força. Vale destacar que o filme possui altas doses de suspense psicológico e do qual não deve em nada se compararmos a qualquer produção norte americana. Porém, tudo filmado através de pura criatividade, fazendo do longa uma verdadeira aula de como se faz um filme de suspense de qualidade.
O final, por sua vez, se casa com a sua abertura, ao nos dizer que o medo é realmente necessário, porém, até certo ponto e se não puder ser contido teremos receio perante tudo e a todos e gerando somente maior separação e ódio. Em tempos de reestruturação em que o país está vivendo o filme talvez tenha chegado no momento mais do que certo. "Propriedade" é um retrato de uma sociedade brasileira que sempre esteve dívida, mas que somente agora parece que o lado obscuro perdeu o seu medo e não se importando mais em esconder o seu verdadeiro ser como um todo.
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