Sinopse: Alegando sofrer de paranoia, uma detetive particular se interna em um hospital psiquiátrico para investigar a morte de um dos pacientes.
Um filme de suspense é bom quando ele nos surpreende com uma fantástica reviravolta na reta final da trama e fazendo a gente revisitar a obra em uma outra ocasião. Porém, há casos de que determinado filme possui tantas reviravoltas que faz com que a obra como um todo crie para si um sério risco de ficar na corda bamba e fazendo com que a gente se canse da história. Pois bem, "As Linhas Tortas de Deus" (2022) seguem essa minha última observação, mas se salvando por uma ótima direção e elenco competente.
Dirigido por Oriol Paulo, do filme "Um Contratempo" (2016), o filme conta a história de Alice, uma investigadora particular, que se interna em um hospital psiquiátrico fingindo paranoia com o objetivo de coletar evidências para o caso em que está trabalhando: a morte de um interno em circunstâncias pouco claras. Mas a realidade que ela enfrenta em seu confinamento excederá suas expectativas e lançará dúvidas sobre sua própria sanidade. Um mundo desconhecido e emocionante se abrirá diante de seus olhos.
Filmes que exploram os lados mais sombrios da mente humana não é novidade para o cinéfilo, pois basta pegarmos, por exemplo, o grande clássico do expressionismo alemão "O Gabinete do Dr. Caligari" (1920) para se obter uma vaga ideia do que eu estou falando. O clássico, aliás, serviu de base para o ótimo "A Ilha do Medo" (2010) do mestre Martin Scorsese, mas obtendo alma própria, graças a sua bela direção e com o seu final ambíguo. Neste último caso, a ambiguidade é a palavra-chave que move o filme de Oriol Paulo, que é baseado em um livro policial "Los renglones torcidos de Dios" e escrito por Torcuato Luca de Tena.
Em um primeiro momento, nós ficamos na dúvida sobre as reais intenções da protagonista, ou se ela possui realmente problemas mentais que a faça criar uma nova realidade para ela. Ao mesmo tempo, a trama principal é intercalada com uma subtrama de um assassinato que ocorre no mesmo sanatório, mas que num primeiro momento a gente acredita que se trata de algo que se passe no passado. Porém, há várias pistas que são disparadas a todo momento para fazer com que duvidemos disso.
O grande problema do filme de Oriol Paulo talvez seja pelo fato de ser fiel por demais com relação a sua fonte literária, já que em alguns momentos me dá aquela sensação de que determinada passagem me soaria melhor se ela tivesse ficado somente na escrita de uma página. Em tempos em que várias obras da literatura são adaptadas como minisséries para a tv eu acredito que o conto se encaixaria melhor neste formato. Porém, não significa que o filme não tenha os seus méritos.
Para começar, é preciso dar crédito ao realizador em criar diversas cenas muito bem filmadas, principalmente aquelas que vem e vão como uma forma de pista e se casando com as soluções que virão logo em seguida. Ao explorar, aparentemente, uma protagonista cuja a mente pode estar fragmentada, é preciso dar crédito para as cenas em que testemunhamos a mesma adentrar a sua própria mente que procura determinadas respostas: a cena em que ela se vê em diversos momentos em único cenário é desde já um dos melhores momentos do filme como um todo.
Mas o filme é sustentado ainda mais graças ao seu grande elenco, em especial pela atriz Bárbara Lennie, do filme "Todos Já Sabem" (2019). Como Alice, ela constrói uma personagem complexa, da qual nos faz duvidar dela a todo momento e ficamos na dúvida sobre a sua sanidade até o ato final, pois as diversas reviravoltas se casam com a ambiguidade que a própria intérprete cria e que passa para nós do começo ao final da história. Neste último caso, é preciso digerir os últimos acontecimentos de forma gradual para termos então um veredito.
Eu sinceramente não li o livro que serviu de base para o filme, mas há quem diga que ele soa tão complexo quanto ao que foi apresentado na adaptação, que dede já nos brinda com mais dúvidas do que respostas. Porém, não há como negar que o plano final é realmente enigmático e que me fez lembrar rapidamente do filme "A Origem" (2009), sendo que ambos são obras que exploram o potencial e a complexidade da mente humana e sobre até que ponto ela pode se tornar a nossa inimiga. Talvez não haja uma resposta plausível e cabe cada um tirar suas próprias conclusões com relação ao seu final complexo.
"As Linhas Tortas de Deus" é aquele típico filme enigmático, do qual irá dividir a opinião de muitos e fazendo a gente desejar revisitá-lo mesmo quando ele possui alguns defeitos nítidos.
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