Sinopse: Uma jornalista investiga o submundo da cidade sagrada iraniana Mashad, em busca de um serial killer de prostitutas. Conhecido como Spider Killer, o assassino acredita estar numa missão espiritual de limpar as ruas do pecado.
Embora com poucos títulos de sua autoria, o diretor Iraniano, Dinamarquês e Sueco Ali Abbasi tem chamado atenção ao realizar contos que transitam entre a realidade crua, mas alinhada com a fantasia. "Border" (2019), por exemplo, retrata seres extraídos dos contos de fadas, mas que caminham em uma realidade suja e tendo que se acostumarem com as regras da mesma. Porém, diferente dos seus títulos anteriores, o realizador decide explorar a verdadeira face da realidade do Irã em "Holy Sipder" (2022) e do qual certamente renderá debates acalorados por onde irá passar.
O filme acompanha a história real de um dos seriais killers mais temidos do Irã que atuou entre os anos de 2000 e 2001. Saee Hanaei, conhecido como "Spider Killer" embarca em uma jornada "espiritual" onde está convicto que tem que limpar a cidade iraniana, Mashhad, da corrupção e imoralidade que, segundo ele, as prostitutas da cidade fazem para "sujar" a cidade. Após matar 16 mulheres que trabalham com sexo, ele fica cada vez mais desesperado com a falta de interesse do público da cidade com sua "missão divina". É então que a jornalista Arezoo Rahimi vai para a cidade para investigar os assassinatos.
Por estarmos acostumado em assistir aos filmes Iranianos dirigidos por mestres como, por exemplo, Abbas Kiarostami, esse "Holy Sipder" acaba nos dando um verdadeiro tapa na cara ao nos colocar frente a frente com algo mais cru ao retratar a realidade por lá na virada do milênio. Não que os filmes de Kiarostami eram fantasiosos, muito pelo contrário, mas ele seguia certas regras impostas pela censura como, por exemplo, retratar sempre as mulheres com o seu véu e vestidas de uma forma que não se visse as suas partes intimas. Aqui é diferente, principalmente na abertura onde vemos uma Iraniana sair a noite para se prostituir e não escondendo os hematomas dessa profissão.
A cena representa a forma como a mulher de lá é tratada de forma machista pelos que se dizem cidadãos do bem e que servem ao Alá. Infelizmente estamos acompanhando a primeira vítima da trama, da qual é brutalmente assassinada por homem misterioso, mas cujo o mistério não perdura muito. Logo se percebe nas entrelinhas que Ali Abbasi procura esclarecer que não estamos diante de somente um assassino, como também de um governo Patriarcado que devora as mulheres como um todo e os restos são devorados pelos seguidores completamente cegos.
Com a presença da personagem da atriz Zar Amir Ebrahimi, o filme ganha contornos de um suspense policial, chegando ao ponto de não dever em nada se formos comparar aos outros títulos, como por exemplo, a saga literária e cinematográfica Millennium. Curiosamente, a personagem de Zar Amir Ebrahimi possui um visual similar da famoso hacker Lisbeth Salander, além de possuir uma personalidade forte e não permitindo que o machismo ou preconceito lhe impõem contra ela. Portanto, é até uma pena que ela não tenha tido mais presença em cena durante a trama, mas foi o suficiente para ela ganhar o prêmio de Melhor Atriz no último festival de Cannes.
Ao meu ver, Ali Abbasi optou em dar um protagonismo maior ao assassino para falar sobre a própria sociedade e governo do Irã, sendo eles portanto os responsáveis pelas mortes dessas mulheres e tudo devido pelas leis alinhadas com as suas regras religiosas. O ator Mehdi Bajestani dá um verdadeiro show de interpretação, ao construir um personagem que demonstra ter sérios problemas, mas que ao mesmo tempo se encontra lúcido ao dizer que não se arrepende com relação ao que fez. As cenas em que ele diz isso comprovam que é um cidadão construído por uma nação moldada por um conservadorismo religioso retrógrado e que se tornou uma fábrica para o nascimento de outros monstros.
O ato final nos cria os mais diversos sentimentos, onde a sentença é imposta ao criminoso, mas ao mesmo tempo não escondendo o lado hipócrita de um governo que unicamente usa a religião para os seus fins corruptos. Além disso, os minutos finais se tornam simbólicos, do qual me fez lembrar do filme "O Reino" (2007), onde o mal pode até ser derrotado, mas as sementes que ficaram no percurso irão germinar para continuar o pesadelo. Uma geração inteira perdida por uma ideia e da qual não poderia continuar viva.
"Holy Spider" é um retrato do lado retrógrado do Irã de ontem e hoje e cuja as mulheres pagam alto preço ao se tornarem cadáveres empilhados em algum terreno obscuro.
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