Sinopse: Vitalina Varela, 55 anos, cabo-verdiana, chega a Portugal três dias depois do funeral do marido. Há mais de 25 anos que Vitalina esperava o seu bilhete de avião.
Pedro Costa é sem sombra de dúvida um dos cineastas autorais mais curiosos do cinema Português. Os seus filmes transitam para uma atmosfera tanto lírica como também para a mais pesada e escura do que se imagina. Eu fui conhecer a sua visão autoral através do filme "Cavalo Dinheiro" (2014), nos tempos em que a sessão "Plataforma" acontecia na saudosa sala P F Gastal da Usina do Gasômetro de Porto Alegre.
Contudo, a sua atmosfera pode afugentar aqueles que estão acostumados com o cinema convencional, principalmente aquele que vem do cinema norte americano. Nas mãos de Pedro Costa, os seus filmes se tornam poéticos em meio as trevas, onde parece que não há um lugar reconfortante, mesmo quando tenta se afugentar em um canto com alguma iluminação. "Vitalina Varela" (2019) é um desses casos em que o cinéfilo mergulha em sua visão pessoal em potência máxima e fazendo com que tenhamos sensações bem peculiares ao longo dessa jornada.
Na trama, tudo se torna escuridão após a morte do marido de Vitalina Varela. Ela percebe que é tarde demais e tudo o que pode fazer agora é resolver os negócios pendentes. A mulher não lamenta ao enfrentar homens amargurados e resolve reconstruir a memória de um sobrado em Cabo Verde, planta por planta e parede por parede, lutando contra a triste realidade de uma vida que não foi construída em Portugal.
Se em "Cavalo Dinheiro" falava sobre atos e consequências de uma guerra não declarada através do personagem Ventura, aqui não sabemos ao certo os atos e consequências que ocorreram para aquele ambiente se encontrar naquele instante. Tudo que sabemos que a trama acontece a partir de um funeral, para logo a seguir a mulher do falecido entrar em cena após vários anos afastada de suas raízes. Quando chega, ela percebe que o lugar se encontra em ruínas, assim como os seus habitantes que se encontram meio que sonâmbulos e perambulando pelas ruas escuras e com os seus sonhos estilhaçados.
Pedro Costa cria através da dor desses personagens uma atmosfera quase gótica, transitando do que havia de melhor dos tempos do expressionismo alemão, já que as casas se encontram em frangalhos, sem muito recursos e cujas raras luzes do local se tornam o mínimo de conforto. É como se aqueles habitantes estivessem todos mortos, em algum tipo de purgatório e não se dando conta disso. Em meio a isso, Vitalina Varela procura encontrar forças para sobreviver, além de tentar compreender o que levou ambos ao distanciamento um do outro, assim como também os motivos que o levaram a perecer.
Embora a visão autoral de Pedro Costa nos roube atenção de cabo a rabo, porém, é preciso reconhecer o talento incrível de Vitalina Varela ao interpretar a protagonista. Sua presença é forte em cena, cujo o seu olhar não esconde as cicatrizes de uma vida complexa, assim como os sonhos desfeitos por escolhas errôneas, seja dela ou do seu falecido marido. Ao falar sozinha na frente da câmera, por exemplo, ela não somente fala para o seu marido, como também para que nós possamos conhece-la melhor e sua dor que carrega durante toda a sua vida.
Curiosamente, o filme fala acima de tudo sobre fé perante aos destroços de uma cruzada que não deu muita fartura para aqueles habitantes daquele lugar, mas que serviu para, ao menos, sobreviverem na espera uma determinada luz. Falando nela, o ato final reserva certa esperança para a protagonista, já que Pedro Costa nos brinda com alguns raios de sol na reta final da trama e gerando um verdadeiro contraste do que havíamos presenciado até aquele ponto. Em "Vitalina Varela" o cineasta Pedro Costa nos joga nas trevas, mas nos segurando para voltarmos a ter alguma esperança.
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