Sinopse: Em um futuro próximo distópico no Brasil, um governo autoritário ordena que todos os cidadãos afrodescendentes se mudem para a África - criando caos, protestos e um movimento de resistência clandestino que inspira a nação.
Atualmente o Brasil é governado por um Presidente que representa tudo o que há de pior no ser humano. Infelizmente há uma boa parcela do povo brasileiro que se identifica com ele, com as suas ideias absurdas e acreditando que agora tem o direito em liberar o seu ódio, seja nas redes sociais ou no mundo real. Mas como foi possível termos deixado isso acontecer?
As respostas, talvez, estejam em nossa história recente, desde a parcialidade vinda de um Juiz corrupto que decidiu perseguir um governo, como também a parcialidade de uma mídia tradicional que alimentou o ódio da população no decorrer do tempo. Levando uma coisa e outra a Caixa de Pandora acabou sendo aberta e revelando um brasileiro que reproduz o que há de mais podre e do qual o mesmo luta pelo seu pensamento retrógrado a qualquer preço. "Medida Provisória" (2022) é uma ficção, mas que possui traços explícitos do nosso presente e nos diz para agirmos antes que seja tarde.
Dirigido por Lázaro Ramos, o filme se passa em um futuro distópico do Brasil, onde governo decreta uma medida provisória, em uma iniciativa de reparação pelo passado escravocrata, provocando uma reação no Congresso Nacional. O Congresso então aprova uma medida que obriga os cidadãos negros a migrarem para a África na intenção de retornar a suas origens. Sua aprovação afeta diretamente a vida do casal formado pela médica Capitú (Taís Araújo) e pelo advogado Antônio (Alfred Enoch), bem como a de seu primo, o jornalista André (Seu Jorge), que mora com eles no mesmo apartamento.
O longa é uma adaptação de "Namíbia, Não!", peça de Aldri Anunciação que o diretor e ator Lázaro Ramos dirigiu para o teatro em 2011. Com isso, se percebe que há uma linguagem teatral no decorrer do filme, mas da qual Lázaro consegue casar com facilidade com as regras e fórmulas de como se faz cinema. Embora estreante na direção, o ator nos brinda com uma edição caprichada, onde as cenas de simples diálogos se transformam em um verdadeiro jogo de cena e dos quais pequenos detalhes são filmados para nos passar um proposito que será correspondido em um determinado ponto do enredo. O primeiro ato, por exemplo, é tudo construído com ares de um filme de suspense, como se tudo estivesse sendo armado para a chegada de uma grande tempestade.
Quando ela ocorre, não há como não se lembrar de clássicos literários como, por exemplo, "Contos da Aia" de Margaret Atwood, onde um governo totalitário fundamentalista cristão derrubou o governo dos Estados Unidos e tirando todos os direitos das mulheres. Aqui é algo parecido, mas que ocorre justamente nas mãos daqueles que se dizem governar em um país democrático, mas que criam leis não para ajudar o povo, mas sim com o intuito de apenas corresponder a uma parcela da população que se acha dominante e com o desejo de ter o direito de expressar os seus pensamentos escravocratas de um passado distante. Não deixa de ser simbólico, por exemplo, vermos deputados aprovarem a medida provisória da trama, sendo que a cena simboliza um dos momentos mais hipócritas e vergonhosos da nossa história brasileira recente e nos revelando o fato de que a Câmara dos Deputados de ontem e hoje não ser somente retrógrada, como também corrupta, racista e sexista.
Com uma trama carregada dos mais diversos assuntos sobre o Brasil atual, mesmo se passando em uma ficção, o filme precisaria de um ótimo elenco em cena e é exatamente isso que acontece. O casal central, interpretados por Taís Araújo e Alfred Enoch enfrentam o inferno racista de frente, mas separados no decorrer da trama e cada um enxergando até que ponto o ódio pode revelar o pior lado do ser humano. Em contrapartida, Seu Jorge é o melhor interprete em cena, cujo o seu personagem, o jornalista André, transita entre momentos cómicos e trágicos, ao testemunhar uma realidade absurda, se nivelando a quase uma piada pronta, mas que se torna tragicamente real e melancólica. Aliás, as suas cenas finais estão entre os melhores momentos que eu testemunhei do cinema brasileiro de 2022.
Curiosamente, os verdadeiros vilões da trama não ficam muito atrás na questão de interpretação e despertando em nós os mais diversos sentimentos. Ao interpretar a deputada criadora da medida provisória, Adriana Esteves libera tudo o que há de pior do seu lado Carminha, personagem da qual havia interpretado na novela "Avenida Brasil" (2012) e sintetizando o lado hipócrita e racista de muitos brasileiros que se identificam com esse tipo de pessoa e da qual a mesma interpreta com exatidão no longa. Já a personagem de Renata Sorrah nada mais é do que uma representação de um vizinho próximo, ou de um parente indesejado e que sempre desejamos tapar os ouvidos quando os mesmos lançam um comentário racista ou homofóbico.
O ato final reserva momentos para se criar as mais diversas reflexões, desde ao fato do preconceito nos provocar a raiva que se encontra guardada dentro de nós, como também nos fortalecer perante o horror e de não nos rebaixarmos ao nível deles. Acima de tudo, o filme serve de alerta, pois a qualquer momento a ficção começa a se tornar realidade e acontece principalmente nos momentos que não cremos que eles seriam capazes de chegarem tão longe. "Medida Provisória" é uma ficção que já está acontecendo no Brasil atual e que somente se agravará se a resistência não se fortalecer.
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