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Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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terça-feira, 1 de março de 2016

Cine Dica: Em Cartaz: ELA VOLTA NA QUINTA


Sinopse:Grave crise no relacionamento de um casal de idosos afeta a rotina dos filhos, dois rapazes que se preparavam para finalmente saírem de casa.


Ela Volta Na Quinta reitera uma das características já marcantes do diretor mineiro André Novais Oliveira, estreante em um longa-metragem (de seu curta-metragem anterior): a de extrair uma extrema naturalidade ficcional da convivência com a própria família. Por orçamento reduzido, o diretor utiliza-se do núcleo parentesco a fim de baratear custos e "confundir" o espectador entre paralelismos da realidade, documentário, fantasia e verdade. Dona Zezé e seu Norberto, como protagonistas de uma crise conjugal após quase quatro décadas de casados. A crise da relação, suas causas e consequências, são fictícias. Contudo, o trato entre os membros da família, tiques adquiridos após muitos anos de convivência, permanecem. O que eles trocam em cena é resultado de uma intimidade intrínseca a todos. Novais vai usar dessa relação já firmada entre ele, seus pais, o irmão e a namorada para criar um roteiro diferente à vida de cada um. Faz isso com uma coragem que é compartilhada por todos os membros envolvidos no processo. Faz isso também do lugar de fala de um cineasta negro classe média morador de uma grande cidade. E partindo de todos esses pontos, ao escrever uma história sobre o fim da relação, ele vai justamente fazer um filme bem afetuoso. Essa construção fantasiosa da memória começa já nas primeiras imagens do filme. Uma sequência de fotos desbotadas que revela os primeiros anos de namoro entre Zezé e Norberto, o nascimento do primeiro, segundo filho, os ambientes domésticos, o cachorro que os irmãos tinham na infância. Na trilha, o soul de Cassiano, cantor por sua vez esquecido da memória musical brasileira. O ponto de partida pressupõe, portanto, que o casal protagonista vem de anos de uma relação amorosa e que aquela família viveu plenamente a experiência da ternura. E tudo isso parece ser, eis a palavra perigosa, verdade. Corta para a imagem da mãe olhando a janela, colocando a mão sobre a cabeça e caindo no chão. Logo depois, num plano dentro do quarto do casal, onde dona Zezé e seu Norberto se deitam após trocarem algumas palavras desinteressadas entre eles. Os conflitos estão dados.
A câmera, importante frisar, não está ali para ser uma observadora documental, sua posição assume quase sempre esse ponto de partida fictício, colocada próxima e rente aos personagens, bastante cientes de sua presença. Novais conta uma história desse núcleo familiar inventado no compasso paciente e manso que parece ser próprio da família “real”. Filma não somente a interação dentro do espaço compartilhado por seus pais, como também pequenos extratos do cotidiano dos dois filhos, sendo um deles o próprio diretor, e seus respectivos núcleos de relações afetivas e conflitos (conversas sobre preço de aluguel e trânsito na cidade de Belo Horizonte, o jovem casal que debate sobre ter ou não ter filho antes de adquirir uma casa própria, os passeios de fim de semana).
O filme nos convida a todo o momento para se sentir a vontade na sala de estar desses cidadãos que, gradualmente, se tornam mais e mais próximas. É incrível o trabalho de direção de Novais ao conseguir, usando de todos os privilégios e desvantagens de sua proximidade com seus atores, extrair deles uma projeção natural de seus discursos, quebrando como que por mágica aquela conhecida relação intimidadora provocada por essa máquina pesada do olho gigante que é a câmera. Os diálogos partem de ideias roteirizadas, mas nunca engessadas. O diretor risca o fósforo e deixa o fogo queimar no seu ritmo. Com isso, consegue fazer com que o fluxo das conversas seja absolutamente espontâneo, o que facilmente se pode confundir com o cinema documental. Não é.
A história da vida reservada dessa família é também a história do direito à ficção, da memória marcadamente inventada, de poder usar as construções simbólicas da realidade para desafiar a ideia de que existe, de fato, alguma realidade. O uso da música a pontuar toda essa construção no filme é também bastante significativo na medida em que é por ela muitas vezes que sublimamos o real e emolduramos nossas vidas em versos alheios. 




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