Sinopse:Grave crise
no relacionamento de um casal de idosos afeta a rotina dos filhos, dois rapazes
que se preparavam para finalmente saírem de casa.
Ela Volta Na Quinta
reitera uma das características já marcantes do diretor mineiro André Novais
Oliveira, estreante em um longa-metragem (de seu curta-metragem anterior): a de
extrair uma extrema naturalidade ficcional da convivência com a própria família.
Por orçamento reduzido, o diretor utiliza-se do núcleo parentesco a fim de
baratear custos e "confundir" o espectador entre paralelismos da
realidade, documentário, fantasia e verdade. Dona Zezé e seu Norberto, como
protagonistas de uma crise conjugal após quase quatro décadas de casados. A
crise da relação, suas causas e consequências, são fictícias. Contudo, o trato
entre os membros da família, tiques adquiridos após muitos anos de convivência,
permanecem. O que eles trocam em cena é resultado de uma intimidade intrínseca
a todos. Novais vai usar dessa relação já firmada entre ele, seus pais, o irmão
e a namorada para criar um roteiro diferente à vida de cada um. Faz isso com
uma coragem que é compartilhada por todos os membros envolvidos no processo.
Faz isso também do lugar de fala de um cineasta negro classe média morador de
uma grande cidade. E partindo de todos esses pontos, ao escrever uma história
sobre o fim da relação, ele vai justamente fazer um filme bem afetuoso. Essa
construção fantasiosa da memória começa já nas primeiras imagens do filme. Uma sequência
de fotos desbotadas que revela os primeiros anos de namoro entre Zezé e Norberto,
o nascimento do primeiro, segundo filho, os ambientes domésticos, o cachorro
que os irmãos tinham na infância. Na trilha, o soul de Cassiano, cantor por sua
vez esquecido da memória musical brasileira. O ponto de partida pressupõe,
portanto, que o casal protagonista vem de anos de uma relação amorosa e que
aquela família viveu plenamente a experiência da ternura. E tudo isso parece
ser, eis a palavra perigosa, verdade. Corta para a imagem da mãe olhando a
janela, colocando a mão sobre a cabeça e caindo no chão. Logo depois, num plano
dentro do quarto do casal, onde dona Zezé e seu Norberto se deitam após
trocarem algumas palavras desinteressadas entre eles. Os conflitos estão dados.
A câmera, importante
frisar, não está ali para ser uma observadora documental, sua posição assume
quase sempre esse ponto de partida fictício, colocada próxima e rente aos
personagens, bastante cientes de sua presença. Novais conta uma história desse
núcleo familiar inventado no compasso paciente e manso que parece ser próprio
da família “real”. Filma não somente a interação dentro do espaço compartilhado
por seus pais, como também pequenos extratos do cotidiano dos dois filhos,
sendo um deles o próprio diretor, e seus respectivos núcleos de relações
afetivas e conflitos (conversas sobre preço de aluguel e trânsito na cidade de
Belo Horizonte, o jovem casal que debate sobre ter ou não ter filho antes de
adquirir uma casa própria, os passeios de fim de semana).
O filme nos convida a
todo o momento para se sentir a vontade na sala de estar desses cidadãos que, gradualmente,
se tornam mais e mais próximas. É incrível o trabalho de direção de Novais ao
conseguir, usando de todos os privilégios e desvantagens de sua proximidade com
seus atores, extrair deles uma projeção natural de seus discursos, quebrando
como que por mágica aquela conhecida relação intimidadora provocada por essa
máquina pesada do olho gigante que é a câmera. Os diálogos partem de ideias
roteirizadas, mas nunca engessadas. O diretor risca o fósforo e deixa o fogo
queimar no seu ritmo. Com isso, consegue fazer com que o fluxo das conversas
seja absolutamente espontâneo, o que facilmente se pode confundir com o cinema
documental. Não é.
A história da vida reservada
dessa família é também a história do direito à ficção, da memória marcadamente
inventada, de poder usar as construções simbólicas da realidade para desafiar a ideia de que existe, de fato, alguma realidade. O uso da música a pontuar toda
essa construção no filme é também bastante significativo na medida em que é por
ela muitas vezes que sublimamos o real e emolduramos nossas vidas em versos
alheios.
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