Sinopse: Além de receber ajuda de novos aliados místicos e outros já conhecidos do público, o personagem atravessa as realidades alternativas incompreensíveis e perigosas do Multiverso para enfrentar um novo e misterioso adversário.
Não é de hoje que a Marvel é acusada de ser um estúdio que vende unicamente a mesma fórmula de sempre e se esquecendo, segundo dizem, de fazer filmes de verdade. O fato é que essa polêmica tem aumentado cada vez mais ao longo do tempo, principalmente com a palavra vinda de cineastas autorais como Martin Scorsese e que apontam o dedo de que o estúdio, por exemplo, não dá liberdade criativa para os seus cineastas contratados. Contudo, "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" (2022) talvez seja uma resposta do estúdio perante as críticas, onde demonstra o desejo em querer mudar, mas não se libertando por completo das velhas fórmulas que insistem em usar.
Dirigido desta vez por Sam Raimi que dispensa apresentações, a trama se passa após os eventos de "Vingadores - Ultimato" (2019) e onde Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) foi peça importante dentro da trama. Nesta nova aventura, Stranger obtém a visita de América Chavez (Xochitl Gomes), uma jovem que tem o poder de se teletransportar para diversas realidades alternativas e que uma força poderosa está atrás dela e de um livro amaldiçoado chamado Darkhold. O herói vai então pedir ajuda para Wanda (Elizabeth Olsen) que é entendedora no assunto, mas algo não está certo.
Como é de forma habitual, o filme dá continuidade aos outros eventos que foram acontecendo dentro do universo cinematográfico Marvel, fazendo sua interligação com as séries "WandaVision", "Loki", "What If...?" e recentemente "Homem Aranha - Sem Volta Para Casa". Porém, o filme flui bem, independente se a pessoa assistiu ou não essas outras histórias, muito embora ela ganhe peso maior se a mesma tenha assistido elas. Talvez a peça central dos projetos anteriores se encontre mesmo em "WandaVision" onde Wanda cria uma realidade só sua e tendo contato pela primeira vez com o livro Darkhold.
Vista pela primeira vez em "Vingadores - A Era de Ultron" (2015), Wanda foi uma personagem que foi crescendo ao longo dos anos, pois assim como nas HQ, ela é uma figura complexa, poderosa, mas não escondendo um lado emocional frágil e que pode acabar se partindo a qualquer momento. Após os eventos dos últimos dois filmes de "Vingadores" e de sua própria série, Wanda se vende ao lado sombrio do seu ser, ao tentar adquirir mais poder através de Darkhold e buscando a chance de reaver os filhos que ela mesma havia criado através da magia. Elizabeth Olsen nos brinda aqui no que talvez seja a melhor atuação de sua carreira e elevando a personagem a um patamar perigoso e quase sem volta.
Porém, esse conflito de o bem contra o mal dentro de si pesa também para Doutor Estranho. Protagonista do melhor episódio de "What If...?" Stranger mal sabe do grande poder que guarda dentro de si, ao ponto que outras versões de outras realidades sucumbirem ao mesmo desencadeando consequências devastadoras para uma outra realidade. Falando nela, atenção para a participação especial de outros heróis em suas outras versões e dando uma dica do que virá futuramente nos projetos seguintes do estúdio.
O filme em si poderia ter sido tranquilamente dirigido por outro diretor qualquer e fazendo da obra mais um filme da Marvel para ser apreciado e degustado. Porém, o que eleva a obra para outro patamar é pelo fato dela ser comandada por um diretor autoral, que teve carta branca dada pelo estúdio e se afastando um pouco da sua fórmula de sucesso. A tarefa caiu no colo de ninguém menos que Sam Raimi.
Conhecido pelos seus mirabolantes movimentos de câmera, Raimi não dirigia um filme de heróis desde "Homem Aranha 3" (2009) e não estava mais disposto a dirigir um filme sequer. Felizmente esse seu pensamento foi sucumbido pela sedutora ideia de fazer o que bem entender neste projeto e o resultado é uma verdadeira mistura de tudo que a Marvel já havia criado com a visão autoral do cineasta. Para a minha surpresa, o filme possui até momentos assustadores, principalmente quando Wanda libera de vez o seu lado maligno e nos lembrando de clássicos de horror como "O Chamado" (2004).
E se você acha que eu estou exagerando aguarde para a cena em que o cineasta eleva visualmente as cenas em que o protagonista usa a "realidade espelhada" contra a Wanda e gerando uma sequência espetacular. Mas além dos habituais e vertiginosos movimentos de câmera, o diretor cria uma bela desculpa para trazer uma referência mais do que notória com relação ao seu maior clássico que é "Uma Noite Alucinante - A Morte do Demônio" (1981) e colocando Doutor Estranho em um patamar até então inédito. É terror misturado com a mais pura aventura Marvel que, por incrível que pareça, deu certo.
Se há um ponto falho no filme talvez seja justamente por ter criado expectativas por demais para os fãs, ao ponto que muitos irão se decepcionar por não cumprir com as suas expectativas. Ao meu ver, um filme não nasce para corresponder com as expectativas de quem for assistir, mas sim em apresentar uma boa história independente do que a pessoa for achar. Talvez, esses fãs estejam acostumados por demais com a fórmula Marvel tão usada e desgastada ao longo desses anos e cabe o próprio estúdio em fazer com que esse público aprecie novas ideias e novos rumos a serem tomados.
"Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" é a fórmula Marvel alinhada com o lado autoral de Sam Raimi no comando que, para a minha surpresa, deu muito certo.