Não é de hoje que Tim Burton sempre aparentou ser um estranho no ninho em meio ao show de luzes e previsibilidade do universo Hollywoodiano. Porém, como o dinheiro fala mais alto, ele logo chamou atenção dos engravatados dos estúdios a partir do sucesso "As Grandes Aventuras de Pee-Wee" (1985), onde retratava as aventuras de Pee-Wee (Paul Reubens), uma criança presa no corpo de um homem, e acaba embarcando na maior aventura da sua vida quando ele parte em busca do seu bem mais precioso: Sua bicicleta.
Por mais bizarro que seja o filme ele acabou agradando a crítica e o público e logo Tim Burton recebeu inúmeras propostas para dirigir novos filmes. O problema é convencer alguém em rodar algo previsível, sendo que foi exatamente isso que o realizador acabou recebendo ao longo dos meses após o seu primeiro grande sucesso. Porém, a resposta veio através do roteirista David Geffen, que entregou um roteiro sobre fantasmas que se encontram presos em sua casa enquanto tentam tirar os novos inquilinos de lá.
A trama foi remodelada pelo próprio Burton, além de outros envolvidos como Michael McDowell, Larry Wilson e Warren Skaaren. Inicialmente a história teria um teor mais violento, como no acidente que vitimou o casal central, com o direito de os braços serem arrancados durante a tragédia. Porém, Burton queria um uma trama que soubesse transitar entre o horror e a comédia, nunca apelando para a violência explicita, mas sim prestando uma homenagem aos mais diversos clássicos dos filmes de horror B que ele assistia ao longo de sua vida.
"Beetlejuice" (1988), ou "Os Fantasmas Se Divertem" como ficou conhecido por aqui no Brasil, era um projeto desacreditado por muitos, sendo que os inúmeros atores que receberam o roteiro não entendiam nada com relação a sua proposta principal. Aos poucos, nomes que estavam se destacando na época começaram a se unir ao projeto, como no caso de Alec Baldwin, Geena Davis, Winona Ryder, Catherine O'Hara, Jeffrey Jones e, por fim, Michael Keaton. Esse último estava começando a se destacar durante os anos oitenta através da comédia, em filmes como "Fábrica de Loucuras" (1986), mas sempre lhe escapando o papel definitivo que o levasse ao grande estrelato.
Mesmo achando estranho o roteiro, Keaton aceitou a proposta, desde que Tim Burton o deixasse ser criativo ao máximo na construção do personagem Beetlejuice. Com a proposta aceita, o ator improvisou ao máximo para liberar todo o seu potencial humorístico, mas talvez nem o próprio imaginava que chegaria tão longe. Pode-se dizer que que sem o personagem Beetlejuice o filme não teria um resultado tão bom, peculiar e divertido que acabou obtendo.
Na trama, após morrerem quando o carro deles cai em um rio, Barbara Maitland (Geena Davis) e Adam Maitland (Alec Baldwin) se veem como fantasmas que não podem sair da sua casa de campo. Essa nova realidade acaba adquirindo um novo ingrediente quando Charles (Jeffrey Jones) e Delia Deitz (Catherine O'Hara), um casal de novos-ricos, compra a casa. Embora tentam assusta-los para saírem de lá, os esforços do casal central se tornam inúteis, principalmente perante a jovem Lydia Deitz (Winona Ryder), a excêntrica e dark filha dos novos residentes. Não havendo muito opção, eles pedem ajuda ao fantasma Beetlejuice (Michael Keaton), mas piorando toda a situação que já estava ruim.
Embora seja um dos seus primeiros longas já é notório que as marcas registradas do cineasta já se encontravam aqui, ao começar pela abertura. Há um grande plano-sequência no alto, onde a câmera vai passando pela cidade de Connecticut, em Winter River. Na medida em que a cena avança, logos notamos que não há sombra, ou vento tocando as arvores, sendo que tudo é muito imóvel. Quando o plano-sequência se encerra, logo descobrimos que a cidade aos poucos havia se tornado uma maquete e iniciando a trama dentro do sótão da casa. Essa maneira de começar o filme seria posteriormente usado nos seus futuros títulos, como se a câmera nos leva-se para um verdadeiro desconhecido e que tudo poderia acontecer dali em diante.
O visual é outro trunfo feito pelo realizador, já que ele não remete somente aos filmes de horror de antigamente, como também até mesmo com relação ao expressionismo alemão como no caso, por exemplo, "O Gabinete do Dr. Caligari" (1919). É como se testemunhássemos uma realidade distorcida da nossa, principalmente quando o casal central descobre a entrada da vida após a morte, sendo que lá tudo está estruturado de acordo com uma burocracia complexa. Curioso é vermos personagens secundários em espera por lá, sendo que o visual deles é de acordo com a maneira de como eles morreram e tornando tudo visualmente ainda mais fantasioso e divertido.
Vale destacar que Tim Burton sempre foi um devoto com relação aos efeitos práticos e quase nunca se entregando ao CGI que hoje se encontra cada vez mais enfraquecido. Neste filme, por exemplo, o realizador foi um dos últimos ao final dos anos oitenta ao utilizar o recurso stop motion, efeito visual prático e do qual Burton cresceu assistindo através dos filmes comandados pelo realizador Ray Harryhausen e que para muitos é o pai deste recurso. As cenas em que o Beetlejuice se transforma em uma cobra, ou quando esculturas de pedra criam vida, são os últimos suspiros daquele velho recurso, mas que ganharam uma sobrevida através das animações do estúdio Aardman Animations no final do século passado.
Mas o que realmente sustenta esse clássico é realmente os seus personagens carismáticos, desde o casal central confuso na vida pós morte, como também a família excêntrica e sua filha Lydia. Aliás, Winona Ryder é uma atriz que se encaixa perfeitamente neste universo sombrio de Burton, pois a própria se sente mais do que a vontade ao dar vida a personagens peculiares e que sempre gostam de usar um pretinho básico. É uma pena, portanto, que não a veríamos em mais outros títulos do realizador, sendo que ela voltaria a trabalhar mais uma vez com Burton somente em "Edward Mãos de Tesoura" (1990).
Mas o longa pertence realmente a Michael Keaton, e olha que o seu Beetlejuice somente aparece como um todo após quarenta e cinco minutos de projeção, mas uma vez que surge em cena ele coloca o filme no seu bolso. Desbocado, alucinado, engraçado e completamente imprevisível, fica até mesmo difícil de imaginar que essa figura inusitada seria posteriormente Batman no cinema, o que só comprova a versatilidade de Michael Keaton com relação aos papeis que ele obtinha. É uma pena que no decorrer dos anos Hollywood não conseguia enxergar todo esse potencial, sendo que o ator ficou por tempo demais sendo lembrado somente como Batman, mas ganhando uma sobrevida na carreira a partir do genial "Birdman" (2014) de Alejandro González.
Claro que todo grande clássico que se preze há sempre uma cena especifica que fica na mente das pessoas. Talvez a mais emblemática seja a surpreendente cena do jantar, onde os pais de Lydia e demais personagens começam a dançar e cantar a música "Banana Boat", do cantor Harry Belafonte. É uma bizarrice bem ao estilo de Tim Burton, já que a música em si não tem nada a ver com aquele universo lírico do realizador, mas a forma como ela é inserida acaba se tornando genial. Neste momento, destaco a divertida atuação de Catherine O'Hara, sendo que a sua personagem não sabe o que está acontecendo naquele momento, mas ao mesmo tempo adorando, o que não deixa de ser bizarro.
Com um orçamento de RS15 milhões de dólares, o filme acabou se tornando um enorme sucesso de público e de crítica e levando o Oscar de melhor maquiagem de forma mais do que merecida. O longa ainda renderia um desenho animado, jogos de vídeo game e até mesmo uma versão teatral da Broadway em 2019 e que chegou ao Brasil em fevereiro de 2024. Vale destacar que o filme se tornou um grande clássico também pelas sessões de filmes da Globo, a saudosa Sessão da Tarde e sendo que foi por ela que conheci essa pérola.
Não poderia deixar de mencionar que esse foi o início de uma longa parceria entre Tim Burton e o compositor musical Danny Elfman, sendo que ambos já haviam trabalhado juntos em "As Grandes Aventuras de Pee-Wee". Porém, foi a partir desse filme que a parceria realmente se solidificou. Efflman talvez seja um dos poucos compositores a conseguir captar a essência das cenas em que Burton dirige, sendo que há uma verdadeira harmonia entre a sua trilha extraída de sua partitura com o lado criativo do cineasta.
Por fim, "Os Fantasmas Se Divertem" ainda é um dos melhores longas do realizador Tim Burton, onde guarda todas as características sombrias e líricas do cineasta e das quais se manteve ao longo de sua carreira.
Faça parte:
Facebook: www.facebook.com/ccpa1948
Nenhum comentário:
Postar um comentário