Sinopse: Durval mora com sua mãe no local onde também funciona uma loja de discos, a Durval Discos. Devido ao cansaço da mãe, eles contratam uma empregada que aceita trabalhar por apenas 100 reais. Contudo, alguns dias depois ela desaparece, deixando para trás uma menina e um bilhete, pedindo para que eles cuidem da garota por dois dias. Os dois acolhem a jovem, mas acabam tendo uma grande surpresa.
Anna Muylaert gosta de explorar a desconstrução familiar brasileira, sendo que essa última não se sustenta perante as diversas situações e metamorfoses constantes que o país vai obtendo ao longo da história. Se em "Que Horas Ela Volta?" (2015) constatamos a nova juventude perdida por não obter um ombro paternal, por outro lado, "Mãe Só Há Uma" (2016) é sobre a queda de uma mascara hipócrita de uma sociedade que tenta se sustentar através das aparências, mas cujos os verdadeiros laços de sangue não é exatamente o suficiente para sustentar essa falsa realidade. "Durval Discos" (2002) possui dois lados de uma realidade, da qual a mesma se sustenta através da fantasia, mas cuja a dura realidade começa a bater a sua porta.
O filme conta a história de Durval (Ary França) e sua mãe Carmita (Etty Fraser) que vivem há muitos anos na mesma casa onde funciona a loja Durval Discos, que já foi muito conhecida no passado mas hoje vive uma fase de decadência devido à decisão de Durval em não vender CDs e se manter fiel aos discos de vinil. Para ajudar sua mãe no trabalho de casa Durval decide contratar uma empregada. O baixo salário acaba atraindo Célia (Letícia Sabatella), uma estranha candidata que chega junto com Kiki (Isabela Guasco), uma pequena garota. Após alguns dias de trabalho Célia simplesmente desaparece, deixando Kiki e um bilhete avisando que voltaria para buscá-la dentro de 3 dias.
Rodado com um curto orçamento, porém, com muita criatividade, Anna Muylaert demonstra para que veio já no início da abertura do longa, onde os créditos se apresentam em meio aos letreiros, seja nos anúncios do mercado, ou simplesmente disfarçados nas placas de rua. Tudo feito em um plano-sequência criativo e cujo o desfecho termina justamente com o letreiro do cenário principal e ao mesmo tempo apresentando ao título do filme. Curiosamente, essa abertura sintetiza o movimento constante da situação e do qual não tem como parar.
Durval é uma pessoa pertencente a geração dos anos oitenta e noventa, mas que parou no tempo ao negar a realidade do sistema capitalista e do qual o mesmo está extinguindo aos poucos os discos de vinil do mercado musical. Batendo o pé, Durval mantém a sua loja com que pode, cujo o cenário revela toda a cultura brasileira musical e onde cada foto ou capa de disco de vinil fará com que muitos se identifiquem com o filme como um todo. Atenção para a divertida participação de Rita Lee e cuja aparição é uma cereja de um bolo de muitas camadas de interpretação.
Assim como os discos de vinil, podemos interpretar o filme como dois de uma trama, pois o que começa como uma espécie de comédia familiar, logo vai obtendo contornos mais sombrios e imprevisíveis. A partir do momento em que surge a pequena Kiki logo Durval percebe que o seu comodismo vai se perdendo aos poucos e não conseguindo mais controlar as mudanças que vão acontecendo. O ápice disso é o surgimento da figura de um cavalo e do qual simboliza o furo da bolha e do qual Durval se mantinha até aquele ponto.
Ary França interpreta o que talvez seja o melhor papel de sua carreira, ao criar para o seu Durval uma pessoa fascinada pela cultura pop, seja da música ou do cinema, mas cuja essas artes serviam apenas como refugio ao não aceitar mudanças que ocorriam pelo mundo. Já a mãe é uma figura trágica, da qual transita entre momentos de puro humor, para situações das quais sentimos total pena dela e fazendo a gente se perguntar sobre o seu passado e o que levou ela a querer manter uma realidade que não é sua como um todo. Etty Fraser nos brinda com uma atuação espetacular e que tão cedo não faz a gente se esquecer.
O ato final nos reserva momentos de até mesmo de pura tensão, com desdobramentos que levam os personagens por um caminho sem volta e fazendo com que Durval seja forçado a se transformar e amadurecer em pouco espaço de tempo. Isso simboliza a nossa realidade contemporânea, da qual faz com que não respiremos mais de forma normal, ao ponto que quando vemos pela última vez Durval ele respira fundo ao constatar que não se vê mais preso em sua bolha, mas tendo que sacrificar tudo o que ele tinha. Ao final tudo se destrói, se tornando uma mera lembrança e o que resta é seguirmos em frente para ver o que acontece.
Com participações especiais de Marisa Orth e Letícia Sabatella, "Durval Discos" é um clássico brasileiro surpreendente, cujo mesmo possui uma análise sobre a geração noventista e da qual, talvez, não estivesse preparada para o novo século.
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