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Sapucaia do Sul/Porto Alegre, RS, Brazil
Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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quinta-feira, 6 de julho de 2017

Cine Especial: Cinema Independente Brasileiro Hoje: FINAL

Nos dias 08 e 09 de Julho eu irei participar do curso Cinema Independente Brasileiro Hoje, criado pelo Cine Um e ministrado pelo crítico de cinema do jornal Zero Hora Daniel Feix. Enquanto o final de semana da atividade não chega por aqui eu irei relembrar de alguns filmes do cinema brasileiro independente que eu assisti nesses últimos dez anos.  



Esse Amor que nos Consome (2013)

Sinopse: Gatto Larsen e Rubens Bardot, são responsáveis por um grupo de dança alternativa, inspirada na arte de rua, do cotidiano, muda-se para um pequeno prédio no meio do Centro da cidade do Rio de Janeiro, Rua do Riachuelo. O prédio não é deles. Eles invadiram na boa vontade de quem quer que seja o dono não consiga vende-lo. Durante dias, o humilde grupo de dança treina lá para espetáculos reais e cobertos pelo patrocínio do governo. Eles crêem nos orixás e que estes inspiram suas obras e os protegerão.


Numa mistura de ficção e documentário, o filme é mais um belo exemplo do nosso cinema brasileiro que foge do convencional e apresenta uma trama com pessoas que são gente como à gente e com suas paixões no meio da dança e da arte. Há três focos na trama que, se entrecruzam, faz com que se cria um mosaico de imagens de pensamentos e que veem através dos protagonistas ou de pessoas comuns que se cruzam com elas. Claro que a dança é o foco principal da trama, começando com uma inesquecível cena de abertura e que, mostrando o aquecimento de um dançarino e embalado com a clássica musica Lscia Ch'io Pianga,  interpretada por Tuva Semmingsen. 
As cenas seguintes mostram o ensaio do grupo de capoeira durante os dias que se passam que, lado de cá da câmera, foram surpreendentemente dez dias de filmagens apenas. O filme não esconde o que são esses personagens, que vão desde pessoas humildes, enraizados no povo trabalhador e que não temem em invadir uma casa para viver e trabalhar. Mas, embora com toda a força de vontade, também há os momentos em que é mostrado o drama de alguns dançarinos que, por um motivo ou outro, acabam tendo que abandonar ou pelo menos adiar o que estava fazendo com os seus companheiros.
Cinematograficamente, a câmera foca ao máximo passo, gestos e o suor deles que, mesmo com poucos recursos, se mantenham graças à paixão pela arte que eles praticam e na realização da determinada peça (no caso, a adaptação da obra que dá título ao filme: "Esse Amor que nos Consome"). O filme acerta em inúmeros sentidos, principalmente quando a dupla principal sai do seu cenário e vai pelas ruas da cidade carioca para conversar com pessoas comuns, mas que tem muito para contar. Uma pena que alguns desses personagens que surgem do nada somem posteriormente e não retornam durante a projeção.
Algumas coisas ficam no ar, na realidade com mais perguntas do que respostas e, quando você deseja mais ficar naquele universo particular daquele grupo, o filme se encerra e deixando com que a trama continue em nossas mentes. Uma pequena pérola cinematográfica brasileira, do qual oferece muito, mesmo em pouco tempo de projeção.
 
Doce Amianto (2013)

Sinopse: Depois de ser abandonada pelo homem que ama, Amianto (Deynne Augusto) isola-se em um mundo de fantasia e delírios. Sua única amiga é Blanche (Uirá dos Reis), uma garota morta que a protege do além. Misturando ingenuidade e melancolia, Amianto tenta se reconectar com o mundo real.
O cinema convencional norte americano possui a mesma velha formula de sucesso de ontem e hoje: começo, meio, fim, tudo mastigado, e para fazer com o que o cinéfilo não pense muito e saia do cinema satisfeito. Contudo, houve aqueles que lançaram um cinema um pouco diferente, no qual a pessoa que assistiu se ficava depois se perguntando o que viu. David Lynch (Cidade Dos Sonhos) foi alguém que foi contra a maré das regras do cinema norte americano e não me admira que tenha servido de inspiração para os cineastas como Guto Parente e Uirá dos Reis ao criarem Doce Amianto. 
Na verdade, a sensação que eu senti quando assisti a esse filme é que o universo de Lynch deu de encontro com o de Pedro Almodóvar (Fale Com Ela). Temos uma trama não linear, enlaçado com um universo no qual nos faz lembrar também o lado autoral do cineasta Espanhol, mas o protagonista não é algo inspirado no que já vimos no mundo de Almodóvar. Embora seja interpretado por um homem (Deynne Augusto) Amianto não é travesti e tão pouco transexual, ao menos não oficialmente.
Por mais que a personagem possua traços que lembrem um homem, o filme sempre se refere a ela como uma mulher como outra qualquer. O mesmo vale para Blanche, uma espécie de fantasma conselheiro para Amianto e a única que lhe da o consolo nos momentos difíceis. Quando as duas surgem em cena, a realidade convencional se quebra na frente do espectador, e fazendo com ele aceite ou não o que acontece na tela.
Essa quebra da realidade convencional da trama faz com que tudo possa acontecer, no qual podemos interpretar nas diversas formas, desde um sonho, delírio ou até mesmo simplesmente metáfora. Esse último exemplo pode ser o mais aceito, principalmente no inicio do filme, quando a protagonista tenta se reconciliar com o seu amado, mas bastou ele ignorá-la que a protagonista cai no chão e meio segundo está toda coberta de sujeira no chão, representando então a sua sensação de estar no fundo do poço.
Esse convite para um lado mais experimental que o filme nos da, e não se importando com que vamos achar, faz com que a gente pronuncie aquele velho refrão de “ame ou odeie”. Mas foi graças a essa forma de ir contra a maré de um lugar comum, é que o filme nos brinda com uma das melhores partes da trama, em que ele abandona a historia principal e nos joga numa nova e sem nenhuma ligação com a outra. Essa pequena trama apresentada, por mais absurda que seja não deixa de ser a mais divertida, ao injetar um humor negro contagiante e com personagens caricatos, mas que não foge muito do perfil de pessoas reais em determinadas situações apresentadas.
No resultado geral é um filme que inquieta o espectador, mesmo na sua curta duração (70min) e com uma linguagem original, na qual com certeza atrairá um cinéfilo mais exigente, mas que com certeza fará com que o publico em geral fique se perguntando após a sessão o que realmente viu. Um filme experimental, fora do convencional, mas não menos genial.
 
Castanha (2014)


Sinopse: João Carlos Castanha tem 52 anos e é ator. Também trabalha na noite como transformista em baladas gays. Vive com a mãe septuagenária, Celina, no subúrbio de Porto Alegre. Solitário, doente e confuso, aos poucos ele deixa de discernir realidade e ficção.
No ano passado eu havia assistido na Casa de Cultura Mario Quintana o filme chamado Esse Amor que nos Consome, onde mostrava uma dupla responsável por um grupo de dança alternativa. O que me chamou atenção naquele filme é pelo fato dele transitar entre a ficção e documentário, já que os protagonistas estavam atuando como eles mesmos e mostrando na frente da câmera o seu cotidiano. Esse tipo de cinema brasileiro talvez tenha começado a partir de 2007, com o maravilhoso O Jogo de Cena de Eduardo Coutinho e com certeza irá se fortalecer ainda mais com Castanha.
Em seu primeiro longa metragem, Davi Pretto usa pouquíssimos recursos, porém eficientes, para focar o dia a dia de João Carlos Castanha, que durante as noites nas baladas de Porto Alegre, se torna um transformista para alegrar determinadas boates gays da capital gaúcha. Ao mesmo tempo convive com a sua mãe Celina e com um problemático sobrinho chamado Marcelo, que transita entre a marginalidade e a cada vez mais distante redenção. O grande charme do filme está no fato de não sabermos ao certo o que é real e o que é ficção, pois o próprio protagonista para por um momento no que está fazendo e fala sobre a sua vida de ontem e hoje na capital.
Durante o dia, o protagonista passeia por lugares conhecidos da cidade, como a Casa de Cultura Mario Quintana e fazendo com que nos identificamos nestes momentos com ele. Mesmo quando ele se apresenta de uma maneira em que nos faça convencer a diferenciá-lo de nós. Mas isso não acontece.
Curiosamente, alguns momentos imprevisíveis surgem. Quando ator (ou personagem) dá de encontro com uma situação, onde estão ocorrendo filmagens de um casal discutindo, tem-se ali então um belo exemplo do cruzamento de ficção e realidade: seria o personagem trabalhando num filme dentro da história? Seria próprio João Carlos Castanha trabalhando no filme que estamos assistindo?
Ao mesmo tempo, o filme procura ser um retrato do nosso mundo contemporâneo atual, pois mesmo não dando enfoque sobre determinados assuntos, eles estão ali nas entrelinhas. Belo exemplo é o fato de nós sabermos em que época a trama se passa, a partir de assuntos do cotidiano do protagonista conversando com um taxista ou quando vemos o noticiário da TV e damos de cara com os protestos que se espalharão no país no ano passado. Temas políticos estão espalhados em toda projeção de forma discreta, mas certeira e embalados com um humor sarcástico do protagonista.
Contudo, Castanha por vezes tem o seu desempenho eclipsado pela atuação de sua própria mãe, que atua naturalmente e nos emociona quando toca no assunto com relação ao seu ex-marido, que atualmente se encontra no asilo. As cenas em que mostram o pai de Castanha no asilo são poucas, mas falam por si e correspondem um pouco sobre o tipo de relação que ambos tinham  um com o outro. Aliás, essas cenas também representam um pouco sobre o passar tempo, que para o bem ou para o mau ele corrói e destrói tudo que existe.
A imagem de Castanha transformista na boate gay, mesmo conduzindo o seu público com o seu bom humor, não esconde o fato de sua imagem ser uma figura pálida do que já foi um dia. Seus traços do seu rosto, emoldurado por uma pesada maquiagem, tentam inutilmente esconder as marcas do passado, do seu presente e de um futuro indefinido. Talvez isso seja de propósito, sendo talvez uma representação cansada de sua luta perante uma sociedade que se encontra indefinida, não sabendo para aonde vai e ficando presos por valores que se encontram hoje falidos.
Valores esses que talvez deixem mundo em que Castanha vive um tanto que nebuloso. Querendo ou não, ele pertence há uma sociedade cada vez mais conservadora e alienada com políticos formados por pastores e que usam a palavra da bíblia como arma contra uma fatia de público que vai contra a maré dessa sociedade hipócrita. Mesmo com os percalços, os minutos finais nos dizem para não desistir e levarmos tudo pelo bom humor, mesmo quando isso parece não ter fim.
Cru, simples e direto, Castanha é isso e muito mais. Levando-nos a questionar o mundo que vivemos e fazendo nos identificar e nos questionar a nós mesmos.    
 
 Últimas Conversas (2015)

Sinopse: Realizado a partir de entrevistas feitas com jovens estudantes brasileiros pelo cineasta Eduardo Coutinho antes de sua morte (em fevereiro de 2014), o filme busca entender como pensam, como sonham e como vivem os adolescentes de hoje. O material foi editado por sua parceira de longa data, a montadora Jordana Berg, e a versão final é assinada por João Moreira Salles.
Em seu último filme como cineasta, Eduardo Coutinho se sente cansado, mas ao mesmo tempo disposto a continuar filmando, pois como ele mesmo disse no início da obra: “o que mais eu poderia fazer na vida”? A sensação que se dá é que, embora não prevendo o futuro, ele se sentia que estava em sua reta final, mas antes de guardar as suas ferramentas de trabalho, decide então fazer uma entrevista com jovens brasileiros de hoje. Nas entrevistas assistimos depoimentos que contem de tudo um pouco, desde as vidas mais simples, ou até mesmo as mais sofridas e ferrenhas.
Diferente do que se vê em certos filmes que, tentam reconstituir o que é o jovem brasileiro, vemos aqui pessoas reais, falando de tudo, desde os seus sonhos, dores familiares e certa carga de incerteza com relação ao futuro de cada um. Embora com mais de oitenta anos, Coutinho deixa a vontade os jovens para entrevista, pois embora não conheça a cultura ou até mesmo os costumes dessa geração de hoje, demonstrou total sensibilidade e ao mesmo tempo curiosidade para compreender o do porque da moda deles, o que eles ouvem de música e do porque de certas profissões que eles escolheram para estudar mais pra frente. As entrevistas começam a ficar tão boas que nos identificamos facilmente com aqueles jovens, pois cada passagem de suas vidas, por vezes, soa familiares para nós, para não dizer idênticas.
E quando a gente achava que ele somente chamou jovens de classe média para as entrevistas, eis que ele deixa uma menina chamada Luiza, de apenas seis anos e de classe média alta para o final. Talvez ela não tenha sido última a ser entrevistada, mas as suas palavras selam o filme de uma forma maravilhosa. Ambos travam um diálogo filosófico e teológico, encerrado com a frase dela: “O Homem que morreu, a gente chama de Deus”. 
E então rindo, Coutinho pede ao assistente para abrir a porta e ela se caminhar para a saída em contraluz, como se fosse levada pela eternidade. Um encerramento brilhante, mas que, após essas entrevistas, daríamos tudo para voltarmos no tempo e termos uma tarde de conversas descompromissadas com o nosso inesquecível cineasta.

Leia também: Partes 1, 2, 3 e 4



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