Nos dias 08 e 09 de Julho eu irei participar do curso Cinema Independente Brasileiro Hoje, criado pelo Cine Um e ministrado pelo crítico de cinema do jornal Zero Hora Daniel Feix. Enquanto o final de semana da atividade não chega por aqui eu irei relembrar de alguns filmes do cinema brasileiro independente que eu assisti nesses últimos dez anos.
BRANCO SAI PRETO FICA (2015)
Sinopse: Tiros em um
baile de black music na periferia de Brasília ferem dois homens, que ficam
marcados para sempre. Um terceiro vem do futuro para investigar o acontecido e
provar que a culpa é da sociedade repressiva.
Branco sai preto
fica, o cineasta Adirley Queirós namora com o Cinema marginal dos anos 60 e 70,
nitidamente se inspirando em filmes de Rogério Sganzerla e Andrea Tonacci (O
bandido da luz vermelha e Bang bang). Aqui as regras da verossimilhança são
quebradas na construção da trama: desdém aos gêneros, quadrinhos, animação,
musical, cultura pop, satírico, documental, ficção, tudo misturado num imenso
liquidificador e criando um sabor genuíno. Nessa salada, Queirós deixa o
cinéfilo com a pulga atrás da orelha, pois a ficção e documentário se misturam
a todo o momento (lembrando obras recentes como Castanha). Pegando um evento
traumático que ocorreu na metade dos anos 80, na cidade satélite de Ceilândia,
o cineasta quer falar sobre preconceito e a separação das classes sociais em
Brasília (e o Brasil como um todo). Durante um baile funk, policiais militares
saíram invadindo e atacando a socos as pessoas negras do local.
Aos gritos, a
pessoa que se diz autoridade disse: "Branco sai preto fica". Entre os
sobreviventes, acompanhamos as historias de dois dos dançarinos: Marquim e
Sartana. Marquim perdeu o movimento das pernas e Sartana usa perna mecânica, consequência
da selvageria policial. Sonhos arruinados, os dois, na parte fictícia, criam um
esquema para destruir a capital do país: lançar uma bomba "cultural",
que contém músicas e outros itens que eles consideram importantes e que serão
usados como arma contra o preconceito. O filme se passa em três tempos: passado
(por meio das fotos e matérias de época, além da narração off e depoimentos),
presente ( a vida atual dos dois sobreviventes, que moram em Ceilândia e sofrem
com a questão da pobreza e do fato de serem deficientes físicos.) e futuro
(um vingador vem do futuro para colher
registros que comprovem a violência criada pelos policiais).
É justamente na
parte ficção científica em que o filme nos puxa certas risadas e ganha atenção
total do cinéfilo: de uma forma bem simples tecnicamente, mostra um dialogo
através de um telão, sendo que esses momentos remete o clássico seriado Jornada
nas Estrelas. Mostra uma viagem pelo espaço usando trilhos do metrô e um
quiosque metálico onde o personagem viaja pelo tempo. Ame ou odeie o filme, uma
coisa não há como negar de forma alguma: a coragem do cineasta em querer fazer
o seu filme, da sua maneira e sem se intimidar com as suas consequências.
Tendo
a segurança pelo que faz, apenas pela paixão de gostar naquilo que está
criando, se inspirando numa história trágica de seus protagonistas, em meio a
uma trilha que remete os bons tempos dos bailes funk, para não dizer de uma
época que se tornou mais dourada conforme os anos passam.
Orestes (2015)
Sinopse:A filha de
uma militante política traída e executada, uma defensora da pena de morte e uma
enfermeira que lida diariamente com o resultado da violência são alguns dos
personagens que se confrontam nesta reflexão sobre os mecanismos da justiça.
Atualmente a resposta
dos brasileiros contra o crime tem sido muito agressiva, aonde muitos desejam
até mesmo a morte de bandidos através do linchamento. Esse assunto, por vezes,
se manifesta em alguns casos, como quando ocorrem confrontos entre policiais e
(supostos) criminosos e é então quando entra em cena reflexões sobre o que
ocorreu realmente nos tempos da ditadura. No mais novo filme de Rodrigo
Siqueira (Terra Deu, Terra Come), Orestes constrói um cenário entre ficção e
realidade para voltar no assunto com todo o seu lado complexo do decorrer do
tempo.
Inspirado na tragédia
Oréstia de Ésquilo com o caso do Cabo Anselmo, agente infiltrado que colaborou
para a morte de vários militantes nos anos 1970, entre eles sua companheira
Soledad Viedma, o filme estabelece e enlaça outros assuntos similares do
passado, presente e cria um mosaico de inúmeros debates e reflexões para serem
digeridas gradualmente. Das inúmeras opiniões colocadas na mesa, vários
envolvidos com a discussão, basicamente divergem de uma defensora de vitimas da
violência que procura explicar de uma forma franca os sentimentos de vingança
com o discurso de proteger os inocentes contra os bandidos que devem ser
punidos severamente. Nesse ponto, o filme escancara os movimentos de grupos que
praticam justiças com as próprias mãos e que acreditam estar acima de qualquer
pessoa para praticar tais atos.
Em situações que
exploram o lado emocional, as sessões de psicodrama envolvem os mesmos
protagonistas, com destaque para a filha de Soledad e suas dores com relação a
dúvidas quanto a sua paternidade. No nível jurídico, um julgamento fictício
protagonizado por dois advogados põe em debate a culpabilidade de um Orestes
fictício que, é baseado no caso de Anselmo e Soledad, e por extensão o perdão
aos torturadores facultado pela Lei da Anistia. As cenas filmadas de São Paulo,
aonde focam um urubu voando e depois por um helicóptero policial representam
esse assunto e transformam num verdadeiro
estudo sobre as pulsões latentes na sociedade do passado e de hoje.
Em certo momento do
longa, um dos personagens, sobrevivente da ditadura, diz: “Tive que procurar
ajuda profissional para arrumar minha cabeça porque eu ia pirar. A questão não
era o torturador que me machucou. É o torturador que tinha dentro de mim”. Os
padrões de comportamento que são repetidos podem também ser fruto do que em
psicologia chamamos de reforço positivo. Aquele que é achacado, assim que mudar
de posição, não perderá a chance de dar o troco.
Nesse particular,
Rodrigo, que dirigiu e escreveu o documentário, faz importante crítica à Lei da
Anistia, que ao perdoar os crimes, chancela a impunidade e deixa livre a
possibilidade de que os tais padrões de comportamento continuem acontecendo. A
revisão da lei da Anistia proposta pela OAB foi rejeitada pelo STF, ainda em
2010, sob a justificativa de que, “devemos olhar para o futuro não para o
passado”, nas palavras de Marco Aurélio Mello. A instância máxima da Justiça
falava em transição democrática pacífica. O perdão aos torturadores trouxe uma
carga emocional fortíssima para os violados e não propiciou a transição. Ainda
vivemos em uma ditadura. Mas as vítimas e os motivos mudaram.
Embora sendo exibido num
circuito restrito, Orestes é um documentário para ser visto por todos, onde nós
coloca de frente com o melhor e o pior
de nós e resta somente você descobrir quais desses dois lados você mais
alimenta.
ELA VOLTA NA QUINTA
(2016)
Sinopse:Grave crise no relacionamento de um
casal de idosos afeta a rotina dos filhos, dois rapazes que se preparavam para
finalmente saírem de casa.
Ela Volta Na Quinta reitera uma das
características já marcantes do diretor mineiro André Novais Oliveira,
estreante em um longa-metragem (de seu curta-metragem anterior): a de extrair
uma extrema naturalidade ficcional da convivência com a própria família. Por
orçamento reduzido, o diretor utiliza-se do núcleo parentesco a fim de baratear
custos e "confundir" o espectador entre paralelismos da realidade,
documentário, fantasia e verdade. Dona Zezé e seu Norberto, como protagonistas
de uma crise conjugal após quase quatro décadas de casados. A crise da relação,
suas causas e consequências, são fictícias.
Contudo, o trato entre os membros
da família, tiques adquiridos após muitos anos de convivência, permanecem. O
que eles trocam em cena é resultado de uma intimidade intrínseca a todos.
Novais vai usar dessa relação já firmada entre ele, seus pais, o irmão e a
namorada para criar um roteiro diferente à vida de cada um. Faz isso com uma coragem
que é compartilhada por todos os membros envolvidos no processo. Faz isso
também do lugar de fala de um cineasta negro classe média morador de uma grande
cidade.
E partindo de todos esses pontos, ao escrever uma história sobre o fim
da relação, ele vai justamente fazer um filme bem afetuoso. Essa construção
fantasiosa da memória começa já nas primeiras imagens do filme. Uma sequência
de fotos desbotadas que revela os primeiros anos de namoro entre Zezé e
Norberto, o nascimento do primeiro, segundo filho, os ambientes domésticos, o
cachorro que os irmãos tinham na infância.
Na trilha, o soul de Cassiano,
cantor por sua vez esquecido-se da memória musical brasileira. O ponto de
partida pressupõe, portanto, que o casal protagonista vem de anos de uma relação
amorosa e que aquela família viveu plenamente a experiência da ternura. E tudo
isso parece ser, eis a palavra perigosa, verdade. Corta para a imagem da mãe
olhando a janela, colocando a mão sobre a cabeça e caindo no chão. Logo depois,
num plano dentro do quarto do casal, onde dona Zezé e seu Norberto se deitam
após trocarem algumas palavras desinteressadas entre eles. Os conflitos estão
dados.
A câmera, importante
frisar, não está ali para ser uma observadora documental, sua posição assume
quase sempre esse ponto de partida fictício, colocada próxima e rente aos
personagens, bastante cientes de sua presença. Novais conta uma história desse
núcleo familiar inventado no compasso paciente e manso que parece ser próprio
da família “real”. Filma não somente a interação dentro do espaço compartilhado
por seus pais, como também pequenos extratos do cotidiano dos dois filhos,
sendo um deles o próprio diretor, e seus respectivos núcleos de relações
afetivas e conflitos (conversam sobre preço de aluguel e trânsito na cidade de
Belo Horizonte, o jovem casal que debate sobre ter ou não ter filho antes de
adquirir uma casa própria, os passeios de fim de semana).
O filme nos convida a
todo o momento para se sentir a vontade na sala de estar desses cidadãos que,
gradualmente, se tornam mais e mais próxima. É incrível o trabalho de direção
de Novais ao conseguir, usando de todos os privilégios e desvantagens de sua
proximidade com seus atores, extrair deles uma projeção natural de seus
discursos, quebrando como que por mágica aquela conhecida relação intimidadora
provocada por essa máquina pesada do olho gigante que é a câmera. Os diálogos
partem de ideias roteirizadas, mas nunca engessadas. O diretor risca o fósforo
e deixa o fogo queimar no seu ritmo. Com isso, consegue fazer com que o fluxo
das conversas seja absolutamente espontâneo, o que facilmente se pode confundir
com o cinema documental. Não é.
A história da vida reservada
dessa família é também a história do direito à ficção, da memória marcadamente
inventada, de poder usar as construções simbólicas da realidade para desafiar a ideia de que existe, de fato, alguma realidade. O uso da música a pontuar toda
essa construção no filme é também bastante significativo na medida em que é por
ela muitas vezes que sublimamos o real e emolduramos nossas vidas em versos
alheios.
A Vizinhança do Tigre
(2016)
Sinopse: Os jovens
Juninho (Aristides de Souza), Eldo (Eldo Rodrigues), Adilson (Adilson
Cordeiro), Menor (Maurício Chagas) e Neguinho (Wederson Patrício) são moradores
da periferia de Contagem e vivem divididos entre o trabalho e a diversão, o
crime e a esperança. Para sobreviver à luta de cada dia, eles terão que domar o
tigre que mora dentro de si.
Vencedor da Mostra de
Cinema de Tiradentes de 2014, A Vizinhança do Tigre é uma experiência curiosa,
mas jaz familiar, pois é uma espécie de documentário/ficção, algo que está
sendo bastante visto nos filmes nacionais desde Castanha. O diretor Affonso
Uchoa entra nesse mundo particular do bairro Nacional, região pobre de Contagem
de MG, e revela o dia a dia de jovens daquele cenário. Observador com a sua
lente, cineasta jamais interfere nas situações que acontece na sua frente para
nascer então o nascimento da narrativa de uma forma realística, passando então
a impressão precisa das rotinas de cada um dos personagens, sem que a câmera
faça com os momentos soem falsos ou até mesmo ensaiados.
O filme somente sofre
com uma falta de ritmo no princípio e talvez venha a frustrar aqueles que
esperam uma conclusão para a trama, o que não acontece, já que tudo fica em
aberto e deixando a imaginação do cinéfilo se abrir após o término da sessão.
Contudo, fica lógico para os nossos olhos que não há finalização para tais
personagens, pois tudo que resta para eles é continuarem em frente e ver o que
acontece. Porém, infelizmente a vida que eles levam possa levá-los para
caminhos sem volta, como deixa muito claro nos créditos com relação ao destino
de um dos personagens.
Juninho, Eldo,
Adilson, Menor e Neguinho são cinco garotos que vivem em dificuldade e sonham
com uma possível, embora distante vida melhor. Eles sempre se encontram
divididos entre o trabalho e o lazer, e entre o divertido e o perigoso. O longa
traz momentos inesquecíveis de situações corriqueiras, como dois deles
conversando sobre as fotos da mãe em um celular ou outros roubando bergamotas
da árvore do vizinho ao lado.
Uchoa não rotula seus
personagens, mas também não procurar criar uma luz no universo do qual eles
vivem. Ele retrata o principio do submundo do tráfico e ainda mostra a forma
comum como um jovem brinca com uma arma. É um momento simples, porem chocante
pelo fato de eles tratarem o objeto como se fosse um simples brinquedo.
Em um cenário de
muita miséria, o técnico responsável pela fotografia opta em retratar o ambiente
de uma forma mais nua e crua possível. O trabalho de câmera é sem duvida o
ponto forte aqui, já que o cenário se torna uma espécie de personagem do qual
eles convivem todos os dias. A câmera acompanha os personagens em meio ao
ambiente e vendo até onde aqueles jovens irão ir no decorrer de suas vidas.
A vizinhança do Tigre é
sobre crianças que poderiam ter uma vida comum, se não fosse pelo fato de serem
obrigadas a amadurecerem precocemente e tendo que decidir entre a luz e o lado
sombrio que a vida pode lhes oferecer.
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