Sinopse: Na São Paulo de 1919, uma jovem dramaturga conquista a cobiçada bolsa para estudar teatro em Paris, mas logo descobre que o maior obstáculo para realizar seu sonho é ter nascido em um mundo onde mulheres não são donas do próprio corpo.
Conheci a diretora Flávia Castro a partir do documentário "Diário de uma Busca" (2010) e do qual teve uma sessão com debate anos atrás pelo Cinebancários. Embora tenha a sua predileção com relação ao lado documental se percebe também o seu interesse pela ficção, mas que ressoa como algo real assim como foi em "Deslembro" (2018). Em "Cyclone" (2025) a cineasta soube transitar por fatos verídicos e alinhá-los de forma romanceada, mas com doses de reflexão na medida certa.
Na trama, acompanhamos a história da operária e aspirante a dramaturga chamada Dayse que divide seu tempo entre o trabalho numa gráfica e a colaboração secreta no Theatro Municipal de São Paulo nas décadas de 1910 e 1920. Enquanto mantém um romance secreto com o autor e diretor do local Heitor Gamba, surge uma gravidez que pode estragar os planos de Dayse para os seus estudos em Paris no futuro. Uma mulher de espírito livre, Dayse percebe que o maior obstáculo para seu sucesso não são os inúmeros preconceitos de seu tempo, mas enfrentar e sobreviver a um aborto clandestino.
Flavia Castro cria um plano de abertura curioso ao focar somente na protagonista e deixando os seus ouvintes somente em off. Embora ela esteja narrando os seus textos para essas determinadas pessoas, ao mesmo tempo, é uma forma de julgarmos em um primeiro momento aquela mulher cujo seu olhar fala mais por ela do que meras palavras. Flavia Castro, portanto, já nos diz que estamos diante de uma pessoa com personalidade forte e que não irá desistir dos seus objetivos mesmo quando o mundo conservador em que ela vive diz ao contrário.
Visualmente o filme é uma bela reconstituição de época, mesmo quando percebemos que os planos fechados permitem que não vejamos elementos dos nossos tempos contemporâneos. Ao mesmo tempo, a realizadora se permite usar e abusar de uma câmera quase frenética, mas que sintetiza a confusão mental em que a protagonista passa para enfrentar os obstáculos que surgem pelo seu caminho. Por conta disso, é como se estivéssemos vendo imagens de uma mente febril e que procura entender a lógica de um tempo em que há laços invisíveis que a impedem de ir mais adiante.
Com um olhar cortante, Luíza Mariani entrega uma atuação poderosa e sintetiza o papel de uma mulher forte perante o preconceito e o lado patriarcado daqueles tempos. Ao mesmo tempo, atriz Karine Teles faz da sua personagem Marie um ser trágico ao não desistir dos seus sonhos, mas se entregando aos meios errados para se manter no palco. Ambas cometem os seus erros para continuarem existindo no universo em que elas amam, mas pagando um alto preço.
Ao retratar essa figura histórica que foi Cyclone, a diretora Flavia Castro faz um paralelo com os tempos atuais em que o conservadorismo procura sufocar os direitos das mulheres e diminuir cada vez mais as suas escolhas para seguir em frente. Embora com avanços há também uma luta de classes, religiosidade e política, mas cujo posicionamento de um pode fazer a diferença. Infelizmente para Cyclone a sua luta teve um alto preço, mas acabou não sendo esquecido.
"Cyclone" é um retrato particular da diretora Flávia Castro com relação a uma escritora que poderia ter ido mais longe em nossa história do que se imagina.
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