Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte.
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A Sala Redenção – Cinema Universitário recebe, entre os dias 10 e 29 de novembro, a 20ª edição do Festival de Cinema Italiano. As sessões, gratuitas e abertas ao público, reúnem filmes contemporâneos e clássicos do cinema italiano.
O tema desta edição, “Il Cinema che Racconta, I Maestri che Ispirano – O cinema que conta, os mestres que inspiram”, mescla filmes inéditos no Brasil com uma retrospectiva de obras fundamentais de cineastas italianos célebres, como Federico Fellini, Roberto Rossellini e Pier Paolo Pasolini, oferecendo ao público um panorama abrangente da riqueza e da diversidade do cinema italiano.
Destaques do Festival incluem “Eterno Visionário” (2024), cinebiografia do dramaturgo italiano Luigi Pirandello vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1934; “As Provadoras de Hitler” (2025), do diretor Silvio Soldini; e “Diamantes” (2024), de Ferzan Özpetek.
Confira a programação completa no site oficial da sala clicandoaqui.
A diretora Lone Scherfig propõe uma história multitrama nos moldes de Robert Altman com uma narrativa sem um grande protagonista e com tramas que se conectam impulsionadas pela grande temática do longa. Trata-se de uma novidade na carreira de Scherfig, que oscila entre obras inspiradas como "Educação", longa que revelou em 2009 a atriz Carey Mulligan, e títulos medianos como o romance "Um Dia" de 2011 com Anne Hathaway no elenco.
O longa aborda temas delicados como a situação da população sem-teto da maior cidade dos Estados Unidos, além da violência doméstica, motivo o suficiente para potencializar na obra uma atmosfera pesada. Scherfig procura suavizar a tensão desse contexto, o que é uma intenção até positiva da realizadora. O drama de Clara e seus filhos já seria suficiente para um filme. Mas a autora Lone Scherfig queria mais, pois Clara e os meninos são apenas alguns dos personagens. O filme é um mosaico, uma trama com diversos personagens, à la Short Cuts – aquilo que os críticos chamam de estrutura multiplot. Diversos personagens cujos caminhos acabam se cruzando.
Além de Clara, são cinco os personagens mais importantes na trama tecida pela realizadora. E há um detalhe interessante: de maneira bem pouco usual, nos créditos iniciais do filme, vemos, junto do nome dos atores, também o nome do personagem que cada um interpreta. Confesso que eu tenha me incomodado com a sensação de inverossimilhança, enquanto via o filme. Porém, a crença nesse valor maravilhoso que é a solidariedade entre as pessoas, é tão belo, e tão forte, que é impossível não gostar do filme.
Quando se pensa no estúdio Ghibli logo vem em nossa mente obras primas cuja fantasia nos conquista, como foi no caso do clássico "A Viagem de Chihiro" (2001). Porém, é curioso observar como o mesmo estúdio realizava obras bem próximas que levantasse dilemas vindos de nossa realidade, mas jamais se esquecendo de um toque mágico. "Sussurros do Coração" (1995) é um desses casos em que a fantasia fica em segundo plano, mas fazendo a gente se dar conta o quanto o nosso mundo real pode sim ser verdadeiramente fantástico.
Dirigido por Yoshifumi Kondō, que infelizmente viria a falecer quando entregou esse filme, a trama conta a história de Shizuku Tsukishima, uma estudante de 14 anos, muito leitora e frequentadora de bibliotecas, que mora com seus pais e sua irmã mais velha. Enquanto lia seu cartão para verificar o dia da entrega de seus livros à biblioteca, algo a deixa intrigada, o nome Amasawa Seiji aparece em todos os livros emprestados à menina. A partir deste momento, ela resolve investigar quem é essa pessoa que compartilha de seu mesmo gosto literário.
O filme já começa de uma forma bastante curiosa, já que as primeiras cenas são embaladas pela música "Country Road" que originalmente é de John Denver. A escolha da canção por Miyazaki foi proposital, com base na crítica sobre asfaltar as colinas fazendo as pessoas terem cada vez menos contato com a natureza.
Estrada do interior
Sinto como se esta longa estrada
Sempre levasse àquela cidade
Estrada do interior
Mesmo que venham momentos difíceis
Eu nunca vou derramar uma lágrima
Sem coração, eu vou pegar logo o jeito
E apagarei as memórias
Estrada do interior
Esta estrada leva até minha cidade natal
Eu quero ir, mas não vou
Estrada do interior
Estrada do interior
Amanhã continuarei sendo eu
Quero voltar, mas não posso
Adeus
Estrada do interior
A música sintetiza a beleza com relação a natureza alinhada com a arquitetura da cidade onde a protagonista vive. É impressionante os detalhes de cada cena, como se os realizadores do estúdio tivessem escolhido cada local de forma específica para então ser adaptado para a tela. O resultado é um mosaico cheio de detalhes, onde cada ponto pode ter um maior significado, principalmente com relação à figura de um gato. Curiosamente, a figura de um gato fofo terá um papel fundamental dentro da trama, assim como um gato de cerâmica que possui uma incrível história.
É a partir dele, por exemplo, que a nossa pequena protagonista decide criar a sua própria história para, não somente fugir dos dilemas com relação ao mundo real, como também se encontrar consigo mesmo. É neste ponto que o filme dá espaço ao gênero fantástico tão conhecido pelo estúdio, sendo que ele surge de forma esporádica, mas em momentos que fazem toda a diferença para a protagonista. Vale salientar que a figura de cerâmica do gato possui uma das mais belas histórias de amor que eu assisti em um anime, mas só assistindo para compreenderem isso.
Acima de tudo, é um filme que cada um se identificará de uma forma diferente. Se você assiste a esse longa quando novo irá ter uma perspectiva completamente diferente quando revê-lo, principalmente quando você for ainda mais velho. É um longa que levanta questões sobre o que você quer ser na vida, se você quer ser realmente você mesmo, ou seguir um caminho que outros ditam. Não é um filme que nos diz que é preciso mudar de vida, mas sim aproveitar ela.
Lançado recentemente em DVD especial pelo selo Obras Primas do Cinema, "Sussurros do Coração" é um filme que eu conheci somente recentemente, mas que fala muito sobre mim e da maioria de nós que busca o seu lugar neste mundo mágico e cheio de mistério.
Sinopse: uma releitura sombria do conto de fadas Cinderela, onde Elvira, uma jovem que não se encaixa nos padrões de beleza da corte, luta para conquistar o príncipe, rivalizando com sua bela meia-irmã, Agnes (Cinderela).
Os contos de fadas, principalmente aqueles escritos pelos irmãos Grim, possuem um teor bastante sombrio e sendo verdadeiro contraste se formos comparar com as suas adaptações feitas pela Disney. No conto original da "Pequena Sereia", por exemplo, Ariel morre e sendo que o próprio Disney quando ainda era vivo desejava que a sua versão fosse a mais fiel ao conto. "A Meia-Irmã Feia" (2025), porém, vai pôr um outro caminho sobre o conto de Cinderela, mas com um teor pesado, com humor ácido e que chocou as plateias que tiveram coragem de assistir.
Dirigido por Emilie Blichfeldt, essa produção norueguesa conta a história de uma viúva chamada Rebekka, que tem duas filhas, Elvira e Alma; um viúvo mais velho, Otto, tem uma filha chamada Agnes. Endividados e cada um confundindo o outro com dinheiro, Otto e Rebekkah se casam e unem suas famílias. As esperanças de riqueza e privilégio de Rebekka são frustradas quando, na noite de núpcias, Otto morre e a família descobre que ele, na verdade, não tem um tostão. Rebekka usa todos os meios para que Elvira se torne uma bela mulher para conquistar o príncipe local, mas transformando a vida da jovem em um verdadeiro inferno.
O filme possui elementos do já clássico "Cisne Negro" (2009) e do mais recente "Substância" (2024) que deu o que falar. Em comum se percebe que as protagonistas lutam em busca da perfeição e aqui no caso não é diferente, pois vemos Elvira lutar para mudar o seu nariz, assim como também emagrecer e usando um método, por vezes, sinistro para se dizer o mínimo. A protagonista participa de cenas que são difíceis de encarar, sendo que Emília Blichedt trata tudo isso como uma espécie de metáfora dos tempos não tão distantes em que as mulheres se sujeitam de todas as maneiras para agradar homens que não valiam os seus esforços.
Vale destacar o papel do homem visto aqui na trama, sendo que na maioria dos casos não passam de assediadores, mesquinhos e manipuladores. Neste cenário vemos, portanto, mulheres lutando para sobreviverem, mas perdendo a sua dignidade e se entregando aos meros prazeres que a ala masculina tanto anseia. Neste cenário temos então Elvira que sonha com o seu príncipe encantado, mas logo descobre que tudo é espantado pelo vento.
Lea Myren nos brinda com uma das interpretações mais perturbadoras e intensas do ano, pois a sua Elvira nos transmite, tanto lucidez como também traços de loucura através do seu olhar que não esconde suas cicatrizes emocionais que ganha no decorrer do tempo. Pode-se dizer que a sua Elvira transita entre o lado meigo para um teor sombrio do qual a própria procura enfrentar para não despertar. Porém, os obstáculos que ela enfrenta desencadeiam tantas situações absurdas que muitas aderem ao puro gore e fazem a gente recuar os olhos por alguns momentos.
Curiosamente, Alma, interpretada pela atriz Flo Fagerli possui um papel significativo no ato final, principalmente pelo fato da própria encarar o terrível status em que a sua irmã se encontra e tomando espécie de esperança em meio ao pesadelo que Elvira se encontra. Embora pouco explorada no decorrer da trama, Alma se torna uma espécie de força matriz para que Elvira se salve antes que perca a sua sanidade. Os minutos finais, por sua vez, servem como alívio, mas não tirando o peso que foi jogado diante dos nossos olhos no decorrer da projeção.
Com uma fotografia deslumbrante, assim como uma edição de arte e figurino que nos enche os olhos, o filme tem chamado atenção por onde passa e surpreendendo os desinformados que até então não imaginavam que se tratava de uma versão sombria do conto de Cinderela. Em tempos em que a figura do Príncipe encantado se torna cada vez mais banal, o filme vem para dar um verdadeiro tapa na cara para aqueles que ainda acreditam em conto de fadas, sendo que os contos raízes já nos dizia que o mundo, por vezes, é cruel e que não é necessário um lobo atrás da porta nos esperando, pois já existe muitos em volta. O filme, portanto, vem nos dizer que não adianta esperar pelo príncipe lhe beijar para acordar, pois é você mesma sozinha que precisa se levantar.
"A Meia-Irmã Feia" é um verdadeiro soco no estômago para aqueles que ainda sonham acordados na espera do seu Príncipe Encantado.
Nosso encontro deste sábado será às 10h15 da manhã, na Sala Eduardo Hirtz da Cinemateca Paulo Amorim, com a exibição de Conselhos de um Serial Killer Aposentado, produção dirigida pelo cineasta turco Tolga Karaçelik e estrelada por John Magaro, Britt Lower e Steve Buscemi.
🎬 SESSÃO DE SÁBADO NO CLUBE DE CINEMA
📅 Data: Sábado, 08/11/2025, às 10h15 da manhã
📍 Local: Sala Eduardo Hirtz, Cinemateca Paulo Amorim
Conselhos de um Serial Killer Aposentado (Psycho Therapy: The Shallow Tale of a Writer Who Decided to Write About a Serial Killer)
EUA / Turquia, 2024, 102 min, 16 anos
Direção: Tolga Karaçelik
Elenco: John Magaro, Britt Lower, Steve Buscemi
Sinopse: Um escritor em crise criativa e às voltas com seu divórcio, faz amizade com um serial killer aposentado. O novo amigo assume dois papéis importantes: durante o dia ele é terapeuta conjugal e, à noite, atua como consultor para um novo livro. Com toques de suspense e humor irreverente, o filme ganhou o prêmio do público no Festival de Cinema de Tribeca.
Sinopse: Imagens de câmeras policiais revelam como uma antiga briga de vizinhos acabou em morte nesta obra sobre medo, preconceito e a lei de legítima defesa nos EUA.
Há onze anos eu participei de um curso do Cine Um intitulado "O que é um Documentário?" e que foi ministrado pelo jornalista Rafael Valles. Na atividade eu testemunhei os mais diversos tipos de longas deste formato, tanto de pessoas se pronunciando na frente das câmeras, como simplesmente as imagens nos conduzindo em determinados eventos e fazendo com que o realismo assuma o comando como um todo. Assistir ao documentário "A Vizinha Perfeita" (2025) me fez relembrar dessa atividade e de como certos projetos podem ir muito além do obvio.
Dirigido por Geeta Gandbhir, o documentário explora os atritos de vizinhos que resultaram em uma pessoa sendo morta a tiros no estado da Flórida, nos Estados Unidos. Através das imagens obtidas pelos policiais que usavam câmeras corporais, testemunhamos as primeiras brigas entre os vizinhos, que aos poucos vai se encaminhando para algo imprevisível. Além disso, o documentário explora diversos assuntos, desde o preconceito, como também leis estaduais norte-americanas, inclusive a Stand Your Ground.
Diferente da maioria dos documentários tradicionais a que nós assistimos, aqui não há uma interação entre a cineasta e os envolvidos. A realizadora, por outro lado, opta em somente coletar informações através das imagens que foram liberadas para ela, desde as câmeras que os policiais usam em serviço, como também as que se encontram nas principais casas onde ocorrem os principais acontecimentos do documentário. O resultado é uma obra crua, onde não há nada inventado de forma forçada, mas sim somente ação e reação de pessoas reais perante situações verdadeiras, mesmo quando elas beiram a tragédia.
Por conta disso, ficamos somente testemunhando os fatos, cujas câmeras trêmulas e sempre em movimento nos conduz aos acontecimentos e moldando a situação para que possamos aos poucos compreender o que está acontecendo. O simples atrito de duas vizinhas em qualquer cidade dos EUA acaba se tornando um exemplo sobre como as leis de lá facilitam que certas tragédias como essa aconteçam. Além do uso fácil do porte de armas, as pessoas têm o direito de se defender usando algo letal contra opositor, mas correndo o risco da situação se tornar algo fora do controle.
Curiosamente, eu não me senti no direito de escolher um lado da situação, mas sim na obrigação de analisar os fatos que ocorreram. Susan Lorincz, responsável pela morte de Ajike "AJ" Shantrell, é que tem o maior destaque em cena, ao sempre chamar a polícia devido à invasão do seu quintal pelos filhos da vítima. Nota-se, por exemplo, que Susan não quer contato nenhum com eles, demonstrando não somente uma posição racista não velada, como também alguém que foi moldada através do medo e da paranoia.
Por mais que aparenta ser uma pessoa simples, ela não esconde um ser que pode cometer um ato hediondo unicamente pela falta de informação e comunicação pelo próximo. Não há cercas no cenário dos acontecimentos, mas sim somente o preconceito que separam aquelas pessoas e gerando assim o atrito que os levaram ao caminho sem volta. Embora apareça pouco em cena, Ajike "AJ" Shantrell, se torna não somente uma vítima, como também mais um símbolo de resistência perante o preconceito e do qual precisa ser combatido.
No final das contas, não há mocinho e bandido que surgem na tela, mas sim pessoas normais cujo seus costumes foram moldados por um sistema de leis ultrapassados e que precisam ser modificados. O certo e errado acabam se tornando um mero detalhe quando determinadas leis facilitam as pessoas a cometerem atos que se acham no direito de colocar em prática, quando na verdade as fazem atravessar uma linha que pode lhe custar muito. Cabe não somente julgarmos as pessoas neste caso, como também as leis que moldam esse mundo.
"Uma Vizinha Perfeita" é um retrato cru e realista de uma situação que poderia ser evitada, mas cujo estado foge da situação para não ser analisada.
A cinesemana de 6 a 12 de novembro marca a estreia do aguardado longa O AGENTE SECRETO, de Kleber Mendonça Filho, um dos principais filmes brasileiros deste ano. Para quem ainda não viu, seguimos com as exibições de ENTERRE SEUS MORTOS, o novo terror do brasileiro Marco Dutra e com Selton Mello como protagonista, e do impactante INCÊNDIOS, dirigido pelo canadense Denis Villeneuve e que voltou aos cinemas em versão 4K.
Entrando em sua décima semana, o longa brasileiro O ÚLTIMO AZUL segue entre os preferidos do público da Cinemateca Paulo Amorim, enquanto o francês UMA MULHER DIFERENTE se destaca por conta do debate sobre a questão do autismo na vida adulta. Também seguem em cartaz MALÊS, projeto encabeçado pelo ator e diretor Antonio Pitanga, e o documentário A HISTÓRIA DE ERROLL GARNER, sobre um dos principais pianistas do jazz norte-americano.
Confira a programação completa no site oficial da cinemateca clicando aqui.