Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte.
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Segue a programação do Clube de Cinema para o próximo sábado, na Cinemateca Capitólio às 10h15. O premiado filme belga "Here", de Bas Devos, é um convite a mergulhar nas delicadezas do cotidiano. Entre o sonho e a realidade, o filme nos guia pelos pequenos gestos e sutilezas que só se revelam a quem está disposto a apreciá-lo. "Here" foi vencedor do principal prêmio da seção Encontros do Festival de Berlim de 2023 e eleito o melhor filme da mostra pelo júri da FIPRESCI. Veja mais informações abaixo!
Sinopse: Stefan, um imigrante romeno trabalhando em Bruxelas, está prestes a partir para passar as férias em seu país natal, sem saber se voltará. Preparando-se para a despedida, ele faz uma sopa com os últimos vegetais de sua geladeira, como um presente para amigos e familiares. No entanto, uma jovem belga-chinesa, Shuxiu, que trabalha em um pequeno restaurante enquanto realiza um doutorado sobre musgos, cruza seu caminho. A atenção dela ao invisível faz Stefan questionar sua jornada e seu destino, em um filme que celebra o respeito pelo tempo e pelo presente.
Sobre o Filme: Dois filmes com o mesmo tempo de projeção podem se diferenciar um do outro de acordo com o seu ritmo e do seu modo de ter sido filmado. Dependendo do diretor, há casos de o cinema ser mais contemplativo e fazendo com que determinada cena nos passes a sensação que o tempo acabe se deslocando e fazendo com que adentremos em um outro espaço e tempo. "Here" (2024) é um desses casos que a sua curta duração se difere dos filmes convencionais e fazendo para nós uma experiência incomum sobre o tempo que escorre ao nosso redor.
Dirigido por Bas Devos, de "Ghost Tropic" (2019), acompanhamos a história de Stefan (Stefan Gota), trabalhador da construção civil romeno que mora em Bruxelas e está prestes a voltar para casa. Durante sua despedida, ele prepara uma grande panela de sopa como presente para distribuir entre seus amigos e parentes. Durante o percurso ele conhece Shuxiu (Liyo Gong), uma estudante de doutorado belga-chinesa especializada em musgos que está realizando uma pesquisa na região.
Confira a minha crítica completa já publicada clicandoaqui.
Sinopse: Em uma época de paz, um grupo de guerreiros enfrenta o ressurgimento do mal na Terra-Média. Das profundezas escuras das Montanhas de Névoa, das majestosas florestas de Lindon, até os confins do mapa, o legado desses heróis é maior do que suas vidas.
Quando a trilogia "O Senhor dos Anéis" (2001 - 2003) comandada por Peter Jackson se tornou um fenômeno sem precedentes não demorou muito para que outros grandes estúdios irem correr atrás de outros livros de fantasia para serem adaptados para as telas do cinema. Ironicamente, talvez o melhor sucessor deste sucesso tenha vindo somente pela tv através da série "Game Of Thrones", baseado nos livros de George R. R. Martin, cuja produção era equiparado a qualquer grande superprodução do cinema e sendo com teor mais adulto se for comparado ao universo criado por J. R. R. Tolkien. Em meio a isso, foi lançado a trilogia "O Hobbit" (2012 - 2014), novamente comandada por Jackson e que se tornaria também um grande sucesso.
Porém, havia outras obras para serem exploradas com relação a Terra Média. Tolkien foi um verdadeiro gênio da literatura, ao construir um universo rico de detalhes, não somente através dos seus livros, como também de poemas e cheios de significados a serem explorados. Eis então que temos até esse momento duas temporadas de "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder" e que explora acontecimentos que moldariam a Terra Média que nós havíamos conhecido no cinema.
A trama se passa a mais de dois mil anos, onde não havia ainda Mordor, mas ameaça de Sauron já era uma realidade para aquele mundo. Por conta disso vemos a jovem Galabriel, sendo agora interpretada pela atriz Morfydd Clark e que busca lutar contra o seu grande inimigo e para que assim a Terra Média viva novamente em paz. Ao mesmo tempo, conhecemos os descendentes dos Hobbits, o surgimento de um estranho que pode ser um futuro mago que nós conhecemos, o reino dos Elfos e dos anões, além do declínio do reino dos homens para a corrupção em busca pelo poder.
Visualmente a série não deve nada para as produções que foram feitas para o cinema, sendo que ela nos transmite tempos em que a terra ainda era nova e fazendo a gente desfrutar ainda mais daquela grandeza. O universo dos Elfos é ainda mais explorado, assim como os dos anões e retratando tanto os seus laços de amizade, assim como também suas desavenças que nasceram no decorrer da história. Embora a primeira temporada se torne um tanto que irregular devido aos diversos personagens que surgem na tela, ao menos na segunda os realizadores conseguem certo equilíbrio, principalmente ao focar ainda mais as peças centrais da trama como um todo.
Talvez o maior acerto da produção tenha sido mesmo darem corpo e voz ao vilão Sauron, sendo que na trilogia para o cinema nós o conhecíamos sempre como um grande olho em cima de uma torre. Porém, ele ganha vida através do ator Charlie Vickers, sendo que na primeira temporada ele nos é apresentado com outro nome, mas que gradualmente ele vai se revelando como o verdadeiro vilão dentro da história, porém, de uma forma que nos pega bem desprevenidos. Ponto para os produtores ao tornarem o personagem mais relevante e ao mesmo tempo humano diga-se de passagem.
Vale salientar que na época que a trilogia original havia sido lançada para o cinema o mundo ainda estava sentido as feridas pós 11 de Setembro, sendo que o discurso do personagem Sam visto ao final de "As Duas Torres" era uma forma de nos dar mais esperança em tempos sombrios que precisavam ser vencidos. Por outro lado, a série retrata um período em que a Terra Média estava em seu equilíbrio, mas que logo começa a perder tudo através da guerra, de grandes perdas e cuja história vai aos poucos sendo destruída. Coincidentemente, a série faz um paralelo sobre atual situação do Oriente Médio, onde países se atacam uns aos outros, onde vidas inocentes são perdidas e cuja história vai sendo deteriorada.
J. R. R. Tolkien foi alguém que viu o pior lado da história através da 1ª Grande Guerra e tendo uma noção sobre o que é sentir grandes perdas. Porém, ao ser um cristão, abraçou a esperança em meio a escuridão e para exorcizar os seus piores temores construiu através de sua escrita um universo que serviu de inspiração para diversas gerações, que agora obtém as suas adaptações e assim conquistando novos públicos. Com a sua crença, ele criou através do seu universo uma forma de nos dizer que, enquanto houver esperança, sempre haverá luz para combater as trevas.
"O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder" é uma grata surpresa para os fãs do universo criado pelo escritor J. R. R. Tolkien e provando o quanto esse mundo fantástico pode ainda nos oferecer.
Sinopse: Depois que o último filho sai de casa, Chiara, matriarca de uma família descendente de italianos, decide acompanhar o marido em suas viagens como vendedor pelos botecos da Serra Gaúcha. Uma tartaruga e baralhos de carta colocarão à prova mais de 50 anos de vida a dois.
Elenco: Cibele Tedesco, Hugo Lorensatti, Nicolas Vaporidis, Elisa Volpatto, Teti Tedesco
PLACA MÃE
Brasil/Animação/ 105min/ LIVRE
Direção: Igor Bastos
Sinopse: Nadi, uma andróide com cidadania, ganha o direito de adotar duas crianças, David e Lina. Quando um mal entendido acontece, o menino David, com medo de se separar de sua irmã, foge. Enquanto o garoto lida com os perigos da cidade, Nadi tenta encontrá-lo.
Elenco: Ana Paula Schneider, Ana Júlia Silva Guimarães, Vitor Gabriel Pereira, Aurea Baptista, Marcio Simões, Margarida Peixoto, Marcello Crawshaw.
O DIA QUE TE CONHECI
Brasil/Drama/ 2023/ 71min
Direção: André Novais Oliveira
Sinopse: Todos os dias, Zeca tenta levantar cedinho para pegar o ônibus e chegar, uma hora e meia depois, na escola da cidade vizinha, onde trabalha como bibliotecário. Acordar cedo anda cada vez mais difícil, mas agora, sua rotina está prestes a ser interrompida quando ele descobre através de Luisa que será demitido. A partir daí, ele acaba desenvolvendo um vínculo inesperado com a colega de trabalho, que após dar a triste notícia, se oferece gentilmente para levá-lo para casa.
Elenco: Renato Novaes,Grace Passô
HORÁRIOS DE 10 A 16 DE OUTUBRO(não há sessões nas segundas):
15H: PLACA MÃE
17H: ATÉ QUE A MÚSICA PARE
19H: O DIA QUE TE CONHECI
Ingressos
Os ingressos podem ser adquiridos a R$ 12 na bilheteria do CineBancários. Idosos (as), estudantes, bancários (as), jornalistas sindicalizados (as), portadores de ID Jovem e pessoas com deficiência pagam R$ 6. São aceitos cartões nas bandeiras Banricompras, Visa, MasterCard e Elo. Na quinta-feira, a meia-entrada é para todos e todas.
EM TODAS AS QUINTAS TEMOS A PROMOÇÃO QUE REDUZ O VALOR DO INGRESSO PARA TODOS E EM TODAS AS SESSÕES PARA R$ 6,00.
CineBancários/ Rua General Câmara, 424 – Centro – Porto Alegre/ (51) 3030.9405 ou pelo e-mail cinebancarios@sindbancarios.org.br
Sinopse: Três homens ricos fazem anualmente uma espécie de caçada no deserto. Desta vez, um dos empresários decide levar sua amante, mas ela acaba sendo abandonada para morrer.
Coralie Fargeat tem chamado bastante atenção recentemente pelo elogiado "Substância" (2024) e do qual é estrelado por Demi Moore. Alguns críticos, por exemplo, têm apontado semelhanças deste filme com o clássico "A Mosca" (1986), já que em ambos os casos fala sobre o indivíduo se deteriorando a partir de um passo em falso para obter os seus objetivos. Antes disso, porém, a cineasta teve a sua consagração através do filme "Vingança" (2017), cuja premissa não é muito diferente dos típicos filmes de ação, mas sendo que a sua direção autoral faz toda a diferença.
A trama fala sobre três homens bem sucedidos que decidem anualmente colocar em prática uma espécie de caçada no deserto. Desta vez, porém, um deles decide trazer a sua amante chamada Jen (Matilda Lutz). Quando ela é abandonada para morrer devido a uma série de situações horríveis, eles terão que lidar com as consequências de uma mulher que busca vingança pelo que fizeram contra ela.
Se fosse realizado por um outro diretor qualquer esse filme cairia no esquecimento de forma fácil, pois dentro do gênero ação e policial o termo vingança já é há muito tempo degustado. Porém, Coralie Fargeat usa a premissa simples para fazer uma análise sobre o consumismo, seja ele através de riquezas, comida ou do próprio corpo em si que é vendido como se fosse uma mercadoria. À primeira vista Jen parece ser uma patricinha mimada e que se vende fácil para aquele que der o valor mais alto.
Contudo, uma vez que ela é abusada em uma cena grotesca, eis que ela se revela como um ser frágil que tem o direito pelo seu próprio corpo e que não aceita ser tratada como mero objeto. Embora a cena do estupro não seja nada explicito Coralie Fargeat constroi um jogo de cenas engenhoso para que o momento se torne ainda mais angustiante, pois o que não se pode ver se torna ainda mais assustador do que se pode imaginar. Falando em jogo de cenas, o filme é todo moldado por uma edição caprichada, quase como se fosse um vídeo clipe e cuja uma mera situação banal se torna algo interessante de se ver.
Agora, convenhamos, é preciso assistir também o filme de mente aberta, pois a realizadora gastou litros e mais litros de sangue do qual nos passa a sensação de estar saindo para fora da tela. Aliás, o crime cometido contra a protagonista é tão inverossímil que a única maneira de aceitarmos aquilo é cair na real que estamos diante de somente um filme, mas que tem algo a dizer mesmo quando se curva para o absurdo. Uma vez aceitando isso aproveitamos a sessão ao vermos a protagonista sair viva de uma situação inusitada e fazendo a gente querer em começar a carregar um isqueiro por segurança.
Após isso, não é preciso ser gênio que a personagem partirá para a pura e simples vingança, onde atriz Matilda Lutz deixa de lado toda a sua beleza para se transformar em uma verdadeira caçadora em busca pela sua preza. Do elenco masculino, se destaca Kevin Janssens ao construir um ser extremamente machista e que não mede esforços para ficar acima de seus colegas e de sua própria amante para não se sentir rebaixado. O típico homem que tem tudo, mas que no fim se encontra podre por dentro.
Voltando a direção de Coralie Fargeat, pode-se dizer que não é muito difícil de comparar a sua forma de filmar com o lado autoral de David Cronenberg. Em ambos os casos, por exemplo, há um desejo em mostrar a pele dos protagonistas de uma forma quase obsessiva, principalmente quando as peles se encontram ensanguentadas e se alinhando com qualquer ferro que surge em cena. Contudo, esse alinhamento entre organismo e o ferro é algo recente visto no cinema da França e cujo títulos como "Titane" (2021) simplifica muito bem essa tendência vinda de lá.
Porém, creio eu, que Coralie Fargeat não ficará presa somente pela tendência do momento e buscará realizar filmes com alma própria como um todo. Se há alguma dúvida sobre isso atenção para o ato final cujo um plano-sequência que acontece no cenário principal da trama é desde já uma das melhores cenas que eu já vi no cinema recente e provando que não é preciso pirotecnia para se criar incríveis cenas, pois basta criatividade e o desejo em domar a câmera. Neste último caso, ao meu ver, Coralie Fargeat fez o seu dever de casa.
"Vingança" é o filme de estreia de Coralie Fargeat, mas que desde já demonstra uma visão particular sobre fazer cinema autoral de qualidade e que terá muito a dizer daqui para frente.
AS PEQUENAS MARGARIDAS NO ENCERRAMENTO DA MOSTRA O MUNDO PROIBIDO DA TCHECOSLOVÁQUIA
No domingo, 13 de outubro, às 18h30, a Cinemateca Capitólio e o Cineclube Academia das Musas apresentam uma sessão seguida de debate de As Pequenas Margaridas, pérola subversiva da diretora Věra Chytilová. A sessão marca o encerramento da mostra O Mundo Proibido da Tchecoslováquia. Entrada franca.
Destaques do cinema contemporâneo da América do Sul, Prisão nos Andes, do chileno Felipe Carmona, e O Auge do Humano 3, do argentino Eduardo Williams, seguem em cartaz até o dia 16 de outubro. O valor do ingresso é R$ 16,00.
Sinopse: Encontramos Arthur Fleck institucionalizado em Arkham, à espera de ser julgado pelos seus crimes como Coringa.
Quando eu escrevi sobre "Coringa" (2019) eu apontei como sendo um filme que deu um passo à frente com relação as adaptações das HQ para o cinema. O longa dirigido por Todd Phillips não somente contava sobre a origem da ideia, como também era uma síntese sobre uma sociedade cada vez mais fragilizada ao ser devorada por um sistema cheio de regras e fazendo com que a mesma se dívida em classes cada vez mais distintas uma da outra. O filme possui um começo e meio e fim bem amarrados, mas para o estúdio Warner um só grande feito não bastava e, portanto, o dinheiro falava mais alto.
Contudo, Todd Phillips sempre havia deixado bastante claro que somente voltaria para essa realidade que ele havia criado para o palhaço do crime se surgisse uma ideia sedutora, mas que ao mesmo tempo o levasse para um cenário diferente e tendo assim um novo desafio pela frente. O problema não é somente agradar um grande público, como também uma legião de fãs que não aceita ser contrariado, mas que ao mesmo tempo busca algo original para ser assistido. Dito isso, temos então "Coringa: Delírio a Dois" (2024), filme que dá continuidade aos eventos do filme anterior, mas sendo moldado de uma forma novamente corajosa e que irá ao mesmo tempo irritar certo público que não gosta de sair de sua zona de conforto.
A trama começa com Arthur (Joaquin Phoenix) no hospital psiquiátrico de Arkham, onde ele acaba conhecendo Harleen "Lee" Quinzel (Lady Gaga). A curiosidade mútua acaba se transformando em paixão e obsessão e eles desenvolvem um relacionamento romântico e doentio. Ambos embarcam em uma desventura alucinada, fervorosa e musical, enquanto o julgamento contra o Coringa se desenrola, impactando toda a cidade e suas próprias mentes alucinadas.
Novamente nós vemos os eventos vistos no filme pela perspectiva de Arthur Fleck, do qual sofre o inferno devido aos maus tratos dentro da prisão e quase se tornando uma mera imagem pálida ao ser comparada ao que ele havia se tornado um dia. Porém, ao mesmo tempo, começamos a testemunhar as suas ações vindas de sua própria mente e das quais são moldadas por números musicais e que remete a fase de ouro deste gênero que hoje é quase esquecido pelos grandes estúdios norte-americanos. Se no filme anterior somente víamos ação corporal do protagonista que agia de acordo com a sua mente fragmentada, aqui temos então uma noção do que vinha dentro dela e se tornando assim uma bela desculpa para que Todd Phillips preste uma homenagem de como se fazia cinema antigamente.
Se por um lado isso deixa o filme ainda mais interessante, do outro, quase nenhuma delas é feita originalmente para esse longa, sendo que muitas delas são extraídas de outros clássicos do cinema. "That's Entertainment!", por exemplo, foi ouvida pela primeira vez em "A Roda da Fortuna" (1953), estrelado pelo inesquecível Fred Astaire e sendo que o próprio clássico é visto em um determinado momento da história. Se no filme anterior Todd Phillips usou elementos dos principais clássicos do que hoje chamamos de "A Nova Hollywood", aqui o realizador faz uma homenagem a essa fase de ouro de um cinema hollywoodiano menos realístico e mais fantasioso para dizer o mínimo.
O problema talvez disso tudo esteja no fato do filme não abraçar esse gênero como um todo, sendo que as primeiras passagens musicais começam tímidas, como se o diretor não quisesse assustar um marinheiro de primeira viagem já de cara. Porém, na medida em que a trama avança, tudo começa a ficar mais colorido e espetacularmente surreal, como se esses momentos fossem uma espécie de universo que não compactua com a realidade nua e crua que o protagonista enfrenta. Portanto, nada melhor do que chamar Lady Gaga para se tornar o par romântico e misterioso do protagonista.
A interprete, por sua vez, consegue nos passar um ar de ambiguidade do começo ao final da obra e fazendo com que duvidemos de suas reais intenções com relação ao protagonista. Musa da música pop, Lady Gaga está mais do que a vontade em cantar e dançar neste filme, pois afinal de contas essa é a sua área, muito embora eu arrisque a dizer que a sua Harley Quinn seja também o seu lado mais obscuro de sua pessoa e da qual aqui ela consegue colocar para fora sem vergonha nenhuma. Porém, o lado obscuro do ser humano é tratado aqui como maior delicadeza do que foi visto no filme anterior e novamente Joaquin Phoenix contribui para essa tarefa.
Se no longa anterior a figura do Coringa era uma representação de uma ideia que se enveredava pela anarquia total contra o sistema, aqui a situação vai mais a fundo e fazendo com que exija maior desempenho do ator como um todo. Ao meu ver, Arthur nunca queria estar na posição que ele se encontra, mas que acabou sendo arrastado por uma vida dolorida, complexa e fazendo ser devorado pelo pior que ele guardava para a sua pessoa. Joaquin Phoenix entrega uma interpretação que exige do seu corpo e mente como um todo, como se houvesse dois seres dentro de si se duelando e fazendo a gente se perguntar quem ficará no comando no final de tudo isso.
Isso é notado nas cenas do seu julgamento, onde vemos em um primeiro momento um Arthur se digladiando contra si mesmo, para somente depois liberar a sua entidade da qual todo mundo um dia havia conhecido. Porém, por mais que tente ser uma ideia, ele também é um ser humano que obteve uma vida miserável e que bastou um dia ruim para que assim saísse dos trilhos. É aí que Todd Phillips nos joga a verdade e que para muitos será bastante inconveniente.
É notório, por exemplo, que muitos se identificaram com o personagem durante o primeiro filme, seja aqueles vistos na história, como também daqueles do lado de cá da tela. Portanto, o cineasta nos diz o quanto estamos errados por não somente sermos seduzidos por uma ideia, como também sermos facilmente doutrinados por pessoas que se autointitulam como a solução contra o sistema, quando na verdade caímos em uma grande armadilha. Por conta disso, não me admira que muitos críticos e cinéfilos estarem detestando o filme como um todo, pois nada mais é do que um reflexo do mundo real onde uma sociedade está cada vez mais aceitando a mentira e cuja verdade já não é mais o suficiente para ela.
E se há alguma dúvida com relação a isso que eu estou dizendo aguarde o ato final da história, onde em um belíssimo plano-sequência, alinhado com uma ótima fotografia, vemos o protagonista completamente fragilizado e encarando o seu reflexo do seu lado sombrio através dos indivíduos que o idolatram cegamente. Porém, talvez Arthur jamais tinha a intenção de abrir essa Caixa de Pandora, mas que serviu unicamente para o pior do ser humano sair das sombras e tudo que resta é somente a ideia para que outros Coringas surjam em cena. O final será bem divisivo, mas que entrega muito bem isso, pois essa caixa está mais do que aberta em nosso mundo real e que dificilmente será fechada algum dia.
Com uma poderosa trilha musical novamente orquestrada por Hildur Guðnadóttir, "Coringa - Delírio a Dois" é um tapa na cara para aqueles que idolatram um mito e revelando uma sociedade atual mentalmente fragmentada como um todo.
O cinema de horror tem desempenhado um papel intrigante ao longo da história, muitas vezes servindo como um espelho distorcido das questões sociais e culturais de seu tempo. Dentro desse contexto, a teoria queer oferece uma lente fascinante para interpretar filmes icônicos onde a diversidade sexual é uma temática velada, porém poderosa. Obras clássicas como Frankenstein e Drácula e os cults A Hora do Pesadelo e Hellraiser exemplificam essa dinâmica, utilizando o vilão como uma metáfora para expor a condição "monstruosa" da sexualidade que escapa da heteronormatividade em nossa sociedade.
Embora alguns cineastas não tenham necessariamente a intenção explícita de abordar questões de gênero e sexualidade em seus filmes, a teoria queer oferece uma estrutura analítica poderosa para interpretar estas obras sob uma nova luz. Ela permite que percebamos como certos elementos narrativos e simbólicos podem ser lidos como representações veladas de identidades queer e suas lutas dentro de uma cultura dominante e por vezes hostil.
Objetivos
O curso Monstros no Armário: o cinema de horror e a teoria queer ministrado por Conrado Oliveira propõe reflexões sobre diversos filmes, dos mais clássicos aos cults contemporâneos, a partir de uma nova perspectiva mais diversa e plural – permitindo que tais monstros “saiam do armário” enquanto seus filmes são dissecados numa nova e curiosa abordagem.
Ministrante: CONRADO OLIVEIRA
Crítico, professor e pesquisador de cinema. Mestre em Arte, Cultura e Comunicação pela Universidade do Minho, em Portugal. Pós-graduado em Cinema e Linguagem Audiovisual e graduado em Comunicação Social. Membro da atual gestão da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs), foi programador da Sala de Cinema Ulysses Geremia (Caxias do Sul/RS), colaborador dos sites Cine Players e Papo de Cinema e júri e curador de diversos festivais, como Gramado e Cineserra.
Cursos
MONSTROS NO ARMÁRIO:
O CINEMA DE HORROR E A TEORIA QUEER
de Conrado Oliveira
* Datas
19 e 20 de Outubro
(sábado e domingo)
* Horário
14h30 às 17h30
* Local
Cinemateca Capitólio
(Rua Demétrio Ribeiro, 1085 - Centro - Porto Alegre - RS)