Há inúmeros filmes natalinos que ao longo da história se tornaram grandes clássicos. Porém, há casos de filmes que somente usam a data festiva como pano de fundo e encantam com a sua principal história que foge por completo do convencional. O clássico "Gremlins" (1984) é um desses casos em que o encanto desta data se mistura com um horror de humor ácido e que conquistou uma geração inteira.
A ideia da criação do longa foi baseada no conto do escritor galês Roald Dahl em 1943, que foi piloto da Força Aérea e depois faria fama mundial com livros infantis como A Fantástica Fábrica de Chocolate, Mathilda e As Bruxas. Ele publicou um livro chamado "Os Gremlins", em que um piloto britânico, cansado de lidar com os Gremlins que provocavam falhas mecânicas em seu avião, se junta às criaturinhas para combater um inimigo comum: Hitler e a força aérea nazista.
A história conquistou o até então desconhecido Chris Columbus, que usou a premissa para criar uma história original onde as criaturas surgissem em uma típica cidade norte-americana em pleno natal. Na época, o todo poderoso Steven Spielberg adorou a história e decidiu se tornar produtor do filme, sendo que o próprio havia se tornado um dos maiores produtores de filmes que se tornaram verdadeiros sucessos de bilheteria nos anos oitenta. Já a direção ficou a cargo de Joe Dante, que já era conhecido através do clássico filme B "Piranha" (1978).
Na trama, Rand Peltzer (Hoyt Axton) é um "inventor" que, ao tentar dar um presente natalino único para seu filho, Billy Peltzer (Zach Galligan), compra em Chinatown um Mogwai, um ser aparentemente gracioso. Porém, regras essências para ter um Mogwai: nunca colocá-lo diante de uma luz forte e muito menos na luz solar, que pode matá-lo; nunca molhá-lo e, a regra principal, nunca o alimente após a meia-noite, mesmo que ele chore ou implore. Não demora muito para que Billy se descuide com relação a essas regras e faça com que surjam na cidade os Gremlins.
Eu assisti há vários na tv e já na época o filme havia me surpreendido pelo seu cruzamento com relação a magia do natal com um teor mais sombrio. Ao meu ver havia um dedo de Spielberg na produção, pois o realizador foi responsável pelos melhores filmes de aventura e fantasia da época. Ao mesmo tempo, se nota que Joe Dante também teve a sua liberdade intacta para desenvolver cenas assustadoras e que fugiam do convencional, e olha que estamos falando de um filme que as crianças assistiam, se horrorizam, mas ao mesmo tempo se encantaram pelo conto.
Talvez o ponto certeiro foi terem criado o pequeno Gizmo como o único Gremlin bonzinho da trama e conquistando a simpatia do público sempre quando surgia em cena. Agora, é preciso reconhecer os esforços para a criação das tais criaturas, já que estamos falando de um tempo que não havia CGI e tudo era feito a mão e com o melhor que a tecnologia da época poderia oferecer. Eles foram criados usando uma combinação de efeitos práticos, como animatrônicos, fantoches, marionetes e até stop-motion.
O resultado possui um peso que é sentido até hoje, já que tanto sentimos a fofura de Gizmo, como também o teor diabólico e brincalhão dos Gremlins malvados. A minha cena favorita é justamente quando eles saem dos seus casulos já transformados e começam atacar a mãe do protagonista, interpretada pela atriz Frances Lee McCain. Vale destacar que nesta cena ela dá um verdadeiro show de atuação, já que ela transmite medo perante a situação, mas ao mesmo tempo disposta a encarar no mano a mano os pequenos seres.
Outro fator curioso é a maneira como as criaturas interagem com as coisas dos seres humanos e protagonizando cenas hilárias como aquelas do bar em que eles estão dançando, fumando, bebendo e ouvindo música. Ao meu ver existe uma mensagem subliminar nisso, já que eles sucumbiram ao mesmo consumismo que os seres humanos convivem em seu dia a dia. O filme por sua vez transita com relação a magia do natal, mas ao mesmo tempo revelando uma sociedade cada vez mais consumida pelo consumismo desenfreado como um todo.
Ao mesmo tempo, o filme trata de assuntos delicados como o fato que nem todas as pessoas ficam felizes quando chega essa data festiva e sendo vistas como pessoas estranhas. A melhor personagem que representa isso é sem sombra de dúvida Kate, interpretada pela jovem atriz Phoebe Cates e que fala sobre um passado sombrio e os motivos que a levaram a não gostar mais do natal. Me lembro desta história que ela contou e que assombrou uma geração inteira.
Como não poderia deixar de ser, principalmente ao se tratar de uma obra de Steven Spielberg, o filme está cheio de referências aos filmes de sua autoria, mas ao mesmo tempo com relação aos outros clássicos do cinema. A cidade onde acontecem os eventos em si remete ao clássico "A Felicidade Não se Compra" (1946) e que até hoje é apontado como um dos melhores filmes natalinos da história. Ao mesmo tempo o filme sintetiza a paranóia com relação ao estrangeiro, com relação ao comunismo e não faltam referência a isso, principalmente ao inserir uma cena clássica do filme "Invasores de Corpos"(1956) e do qual era uma metáfora com relação a mentalidade norte americana perante os tempos da União Soviética.
Mas talvez um dos melhores exemplos de homenagem que o filme faz a sétima arte é quando as criaturas vão ao cinema e assistem ao clássico "Branca de Neve e os Sete Anões" (1937). Curiosamente, foi através dessa cena que eu tive o primeiro contato com o filme da Disney, sendo que havia ainda muita restrição do estúdio em exibir os seus clássicos na tv aberta e tendo somente a chance de assistir anos depois em VHS. Um exemplo claro de como um longa pode abrir uma janela para conhecermos outros clássicos.
O longa estreou na mesma época de outro filme que se tornaria um verdadeiro clássico que foi "Os Caça Fantasmas" (1984). Embora com grande concorrência, o filme arrecadou US$ 212,9 milhões, contra um orçamento de US$ 11 milhões e se tornando a quarta melhor bilheteria daquele ano. Logicamente não demorou muito para que surgissem outras imitações como no caso da franquia "Criaturas" iniciada em 1986 e que, para a surpresa de muitos, revelou o até então jovem ator Leonardo DiCaprio. "Gremlins" teria a sua própria continuação lançada em 1990 e até hoje os fãs esperam por uma possível terceira parte.
"Gremlins" é um verdadeiro clássico natalino, mas cuja magia festiva transita com elegância com um horror hilário e até mesmo a frente do seu tempo.
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