Filme exibido para os associados no último dia 08/06/24
Sinopse: Ahmed, de 8 anos, pegou por engano o caderno de seu amigo Mohammad. Ele quer devolvê-lo, senão seu amigo será expulso da escola, então sai em busca da casa de Mohammad na aldeia vizinha.
O diretor Abbas Kiarostami, já nos créditos iniciais, prepara o caminho para um ensaio visual de ritmo lento sobre o cotidiano de uma pequena aldeia no interior do Irã. Através do pequeno herói protagonista da trama, podemos passar de porta em porta, onde vemos ele pedindo às pessoas que o ajudem. Em cada parada Ahmad (Babek Ahmed Poor) vai construindo sua jornada e adquirindo informações.
Nós que assistimos ficamos apreensivos pela possível punição que ele sofrerá quando retornar para casa. Não só isso, mas tememos também que algo de muito pior aconteça. Em pouco tempo, nos encontramos nervosos, sem nunca sabermos o que iremos encontrar no próximo beco. É nessas idas e vindas que testemunhamos um cotidiano pacato de pessoas simples e de como elas sobrevivem ao longo do seu dia a dia.
Em pouco mais de uma hora e vinte, Abbas Kiarostami nos surpreende pela sua simplicidade em contar uma trama simples, mas que se torna uma cruzada sobre a questão de ser prestativo e se importar com o seu próximo desde cedo. Enquanto Ahmad expressa em seus olhos o medo do que pode acontecer com o seu colega, a gente fica até mesmo com raiva da maioria dos adultos que se encontram em cena, em especial da mãe do protagonista que somente insiste ao dizer ao menino em fazer as suas lições e quase não prestando atenção sobre o problema em que ele tem em mãos. Quando ele reconhece para si que não obterá ajuda dos seus pais é então que ele parte para a sua jornada particular.
Nota-se, por exemplo, nesta decisão do menino em partir em busca do seu amigo há uma trilha encravada em um pequeno morro, sendo que esse tipo de cenário é algo que o realizador quase sempre irá explorar no decorrer dos seus filmes, desde "A Vida Continua" (1992) como também "Através das Oliveiras" (1994). No meu entendimento, a trilha significa uma direção para que os personagens tomem o seu rumo e partam para uma jornada particular, mesmo quando ela não lhe traga total satisfação. Neste último caso, nota-se tamanho esforço que o jovem protagonista tenta obter uma informação concreta sobre onde mora o seu amigo, mas obtendo somente algo superficial através dos adultos.
Os adultos, por sua vez, são pessoas atarefadas, sendo que até mesmo não temos um total vislumbre de imediato com relação a eles, já que os seus próprios afazeres fazem com que se percam em meio a eles. Se por um lado há um senhor que não o vemos em meio ao grande feno que carrega, do outro, há as mulheres que ficam atrás de inúmeros lençóis que elas colocam nas cordas e que somente notamos as suas presenças quando uma delas deixa cair uma toalha do segundo andar e pedindo ajuda para o protagonista recolher. Curiosamente, o jovem é sempre parado por um adulto pedindo a sua ajuda, seja para carregar alguma coisa, ou simplesmente pedindo para ele comprar um cigarro.
Neste último caso isso é focado através do avô do menino, que o vê com pouca disciplina e deseja que ele tome a iniciativa em ter a consciência de obter maior responsabilidade. Embora ele não saiba da situação em que ele está envolvido, é a partir do avô que obtemos uma melhor reflexão da parte dos adultos, onde ele fala sobre os seus tempos e da maneira em que os seus pais o disciplinaram para ter maior responsabilidade na vida. Em contrapartida, ele é explorado a ser persuadido em comprar portas melhores por um vendedor que insiste em vender.
Esse, por sua vez, acaba sendo o novo foco Ahmad, já que ele acha que o homem possa ser o pai do colega que ele está procurando e vai então atrás dele. É a partir desse diálogo entre o vendedor de portas e o avô do menino que se obtém uma análise sobre a transição dos tempos, em que portas e janelas velhas da aldeia são substituídas por novas, sendo deixadas de lado uma história que estava encravada nelas. Fala sobre uma geração que aos poucos é descartada de lado, onde a maioria deixa as suas antigas casas e vão debandando para as grandes cidades.
Essa questão prossegue quando o pequeno protagonista se encontra com um senhor de idade avançada em uma janela e pede ajuda para encontrar o seu amigo. Talvez esse seja o melhor adulto ao ser explorado dentro da trama, pois ele começa a contar para o menino um pouco de sua história, em que ajudou a construir as mais diversas portas e janelas daquele vilarejo, mas cujo trabalho começa a ser esquecido através do tempo, pois a sua geração quase não existe mais e a nova começa a ir embora para a cidade grande. O jovem e o velho andando juntos na subida e descida de diversos becos daquele cenário é onde notamos certa similaridade entre ambos.
O senhor começa a contar a sua iniciativa em ajudar as pessoas e fazendo então paralelo com o menino que busca em ajudar o seu colega a todo custo. Ao se separarem durante uma subida Abbas Kiarostami decide continuar com esse senhor até a sua casa, onde ele começa arrumar as suas coisas e fechando a janela onde ele havia aparecido pela primeira vez. Ainda dentro do cômodo vemos o senhor tirando os seus calçados, sendo que as meias estão rasgadas nos calcanhares e sintetizando uma vida cheias de caminhadas e de histórias para se contar.
Ao retornar para casa, o jovem protagonista procura tomar a iniciativa em fazer a lição de casa para o seu colega e com a intenção de devolver o caderno no início da aula. Reparem nesta cena que ele observa uma tempestade se aproximando, como se houvesse algo grande chegando e para logo em seguida ele tirar os seus calçados e revelar as meias também rasgadas nos calcanhares. Conclui-se que o menino de hoje se tornará futuramente aquele senhor de idade e do qual sempre irá procurar em ajudar o próximo.
Em um filme protagonizado por crianças, Abbas Kiarostami faz uma análise delicada sobre o próprio povo do Irã, que passaram por diversos dilemas, lutas, golpes e revoluções, mas sempre procuraram fazer a diferença em meio as adversidades. O pequeno protagonista da trama, portanto, se torna um pequeno símbolo de esperança para que o social e o prazer de ajudar o próximo faça a diferença para um futuro indefinido e que sempre está em mudanças constantes como um tudo. Cabe ouvirmos o que o próximo está falando e para assim deixarmos por um momento nossas atividades e ajudá-lo.
Em "Onde Fica a Casa do Meu Amigo?" Abbas Kiarostami fala sobre a sociedade iraniana através da perspectiva de um simples menino e nos revelando a sua real natureza como um todo.
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